Os principais jornais do país capricham na cobertura da cerimônia de posse da presidente da República, Dilma Rousseff, em seu segundo mandato. A reinauguração do governo petista mereceu nas edições de sexta-feira (2/1) um pouco mais de volume e densidade noticiosa do que a primeira posse de Dilma, em janeiro de 2011.
A própria imprensa faz algumas comparações com o evento de quatro anos atrás, mas aproveita a chance para explorar o escândalo da Petrobras e as dificuldades contábeis do governo.
Em 2011, Dilma assumiu com a fama de boa gestora, de uma “gerentona” rigorosa, mas, em termos políticos, a imprensa havia tentado colar nela a depreciativa nominação de um “poste” plantado pelo seu antecessor, o ex-presidente Lula da Silva. Duvidava-se de que seria capaz de dominar o complicado jogo das alianças que condiciona o exercício do poder em Brasília.
Na nova versão, a imprensa reconhece que a presidente implantou sua marca pessoal, distanciando-se da matriz onde nasceu sua candidatura, e procura explorar supostas divergências entre ela e seu mentor. Assim, o noticiário passa ao leitor a ideia de que Dilma sofre pressões do grupo político liderado por Lula da Silva, por admitir uma receita próxima do ideário tido como neoliberal para superar o déficit circunstancial no Tesouro e indicadores negativos em alguns aspectos da economia.
De passagem, aqui e ali alguns artigos e editoriais afirmam que as primeiras medidas anunciadas pelo Planalto contradizem promessas de campanha, embora algumas delas venham a atender recomendações da iniciativa privada vocalizadas pela própria mídia. Mas o que chama mais atenção na cobertura da posse é a diminuição do protagonismo da oposição nos cenários desenhados pelos jornalistas.
Basicamente, os jornais dedicam aos representantes oposicionistas apenas frases esparsas, negando-lhes a oportunidade de expor com clareza o que pensam dessa passagem do poder em um governo vergastado pelo escândalo da Petrobras e acossado por dificuldades nas contas públicas.
“Oposição selvagem”
A leitura cuidadosa dos três principais diários de circulação nacional mostra uma diminuição do espaço concedido rotineiramente aos representantes mais destacados da oposição. Seria um sintoma de que a imprensa hegemônica estaria recolhida para tratar as cicatrizes de mais uma derrota nas urnas? Ou a ausência de declarações retumbantes seria resultado simplesmente da falta do que dizer?
Para analisar o discurso predominante na mídia, é preciso observar as expressões que ancoram a mensagem central, e em geral esse processo de indução a certa interpretação dos fatos pode ser observado a partir de alguns pontos fixos: a manchete, um editorial e um ou dois artigos; também se pode acrescentar, eventualmente, a leitura de notas implantadas nas colunas de política para complementar essa constatação.
Assim, pode-se observar que os jornais procuram relacionar o discurso da posse presidencial ao reempacotamento de um velho produto, ou seja, tentam grudar no governo que se inaugura uma etiqueta de validade vencida. Além disso, os textos insistem em demonstrar um distanciamento entre a presidente que assume o segundo mandato e o ex-presidente que a lançou na carreira política.
O fato de o ex-presidente Lula da Silva ter participado discretamente da cerimônia de posse é apresentado como sinal de que alguma coisa não vai bem nas relações entre eles. Para complementar essa versão, usa-se o artifício das notas curtas que relatam descontentamentos nas bases do partido com algumas nomeações para o ministério.
Também é interessante observar como os jornais reduziram as citações do senador Aécio Neves, que até a semana passada era apresentado como líder da oposição. Até o carioca O Globo, que nunca negou respaldo ao senador mineiro, o coloca em segundo plano. O personagem principal da oposição, na nova versão da imprensa, é o governador reeleito de São Paulo, Geraldo Alckmin.
O Estado de S. Paulo dedica um longo texto à disputa entre os dois, mas afirma que Aécio personifica uma “oposição selvagem”, lembra que sua passagem pelo Senado foi pouco expressiva, enquanto apresenta Alckmin como o nome natural para disputar a presidência em 2018. Já a Folha de S. Paulo praticamente ignorou o senador mineiro.
Terá mudado a imprensa ou a política?
Nem uma coisa nem outra: o que parece novo é apenas material reciclado.