“O Brasil não é para amadores.” A frase, atribuída ao maestro Tom Jobim, teve nos últimos dias sua mais completa tradução. Notícias sobre o Brasil, publicadas desde o fim de semana, mostram um painel que vai da euforia com a situação econômica e os novos indicadores sociais ao desalento com a revelação das profundidades a que pode chegar a corrupção e, ao mesmo tempo, com fatos estarrecedores como a chacina brutal de sete pessoas numa fazenda de Goiás.
Os sociólogos haverão de observar que tal descompasso é típico do processo de desenvolvimento e que por muito tempo ainda haveremos de conviver com dois ou três Brasis. Um desses Brasis é o que apresentou, na última década, a surpreendente queda de 47,5% na mortalidade infantil, conforme publicaram os jornais no sábado (28/4).
No mesmo pacote de boas notícias, o leitor ficou sabendo que o rendimento médio das mulheres brasileiras cresceu 13,5% no mesmo período de 2000 a 2010, taxa superior ao do crescimento da renda dos homens. Assim, ainda que lentamente, pode-se registrar uma tendência à redução das diferenças sociais, especialmente no que se refere à distinção de gênero.
Fato chocante
Paralelamente, informam os jornais que mais brasileiros retornam do exterior, assustados com a crise econômica nos países ricos e animados com os bons ventos por aqui. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) traz também os avanços na educação e a melhoria em outros quesitos que fazem um país desenvolvido, mas ao mesmo tempo revela o quanto ainda precisamos melhorar em termos de qualidade e universalização do ensino.
Nesse ponto, o noticiário deixa bem claro que uma das mudanças principais da última década está alterando uma das mais recorrentes críticas ao país: as grandes diferenças regionais do desenvolvimento estão se diluindo com o crescimento acelerado do Nordeste, região cuja pobreza histórica sempre foi considerada um peso para o resto dos brasileiros. Os indicadores de desenvolvimento do Nordeste devem sepultar alguns preconceitos muito arraigados ao sul de Minas Gerais.
Na terça-feira, 1o de maio, uma pesquisa do instituto Datafolha acrescenta que três em cada quatro brasileiros estão felizes com o trabalho. O contentamento, segundo a reportagem da Folha de S.Paulo, alcança assalariados, empresários, trabalhadores autônomos e informais. Além disso, 88% dos consultados afirmam que convivem bem com seus chefes ou patrões.
Estaria o Brasil inaugurando um capitalismo sem luta de classes? A provocação, obviamente cotizada com o mito do brasileiro cordial, poderia inspirar muita conversa, não fossem as outras páginas do noticiário.
A imprensa dá conta também de aumento na incidência de crimes violentos – e o fato chocante da semana é a chacina ocorrida em uma fazenda de Goiás, que produziu sete mortes em circunstâncias brutais. Também em Goiás se localiza a matriz do mais recente escândalo de corrupção, que envolve o contraventor Carlos Cachoeira e uma lista cada vez mais longa de autoridades.
Violência e corrupção
Segundo os jornais de terça-feira (1/5), um relatório da Polícia Federal informa que o influente personagem tentou comprar um partido político, tendo aberto negociações com o Partido Republicano Progressista (PRP) e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). O propósito, aparentemente, era reforçar a bancada de apoio ao governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e ampliar o alcance das ações do grupo em Brasília.
Gravações da polícia revelam que a quadrilha havia contratado até mesmo serviços de interceptação de mensagens pela internet.
A crônica desse escândalo está longe de se esgotar. A cada semana, uma nova revelação dá conta da inesgotável capacidade corruptora do empresário de jogos viciados. Ao mesmo tempo, consolida-se a percepção de que o sistema político construído com a Constituição de 1988 e a legislação posterior não parece adequado para assegurar a representatividade da sociedade nem para garantir o bom funcionamento das instituições republicanas.
Se os partidos políticos se mostram vulneráveis à ação de um bicheiro de província, é de se imaginar o que fariam por aqui as máfias internacionais.
Lido de forma concentrada, o noticiário desses dias de feriado prolongado mostra um Brasil cuja economia continua a surpreender o mundo, exibe um quadro de franco desenvolvimento social, mas ao mesmo tempo revela as fragilidades de um sistema de poder que exige profundas reflexões e uma ação determinada.
Diante desse cenário, já não basta que a imprensa noticie. É preciso garimpar por aí ideias de mudanças e promover um debate como o que moveu os brasileiros durante o processo de redemocratização.