Não há evidência de que tenha aumentado o uso de imagens de cãezinhos nos anúncios publicitários nos últimos dias, mas, claramente, fotografias e vídeos de animais de estimação passam a chamar mais atenção de leitores e espectadores depois de todo o alvoroço em torno dos beagles retirados do Instituto Royal, em São Roque (SP).
Ao longo da semana, os jornais tentam acompanhar os desdobramentos da invasão da sede do instituto, ocorrida na sexta-feira (18/10); mas, compostas basicamente de declarações, as reportagens não superam o alto teor de emocionalismo que envolve o assunto. Se o jornalista, por exemplo, afirmar que os cães foram “resgatados” do instituto, estará declarando que concorda com os ativistas de direitos dos animais. Se escolher o verbo “raptar”, poderá dar margem à interpretação de que dá razão ao instituto de pesquisa.
De qualquer maneira, o tema está sujeito a um contexto de sentimentos que tende a prejudicar o julgamento dos leitores, reforçando a tendência que se pode perceber nas relações de comunicação, e que se caracteriza por transformar praticamente todo fato público em espetáculo.
Nos jornais de sexta-feira (25/10), os diretores do Instituto Royal saem da defensiva em que foram colocados pela ação dos ativistas, que invadiram o laboratório para retirar 178 cães, deixando um rastro de equipamentos e arquivos destruídos. Com apoio de uma assessoria de imprensa contratada para administrar a crise de relacionamento com a opinião pública, o instituto alerta para alguns casos de animais que exigem cuidados especiais: a Folha de S.Paulo destaca a história do veterano Ricardinho, de 7 anos, um dos patriarcas da linhagem que vinha sendo desenvolvida pela entidade.
O uso da imagem do animal é parte da estratégia de comunicação do instituto para competir com o alto grau de empatia que provoca em muitas pessoas a versão dos ativistas, de que os cães foram salvos de um lugar tenebroso onde eram criados para o sacrifício em nome da ciência. No entanto, a imprensa ainda deixa sem respostas algumas questões postadas nas redes sociais por defensores dos animais. A principal delas tem caráter ético, e se refere ao suposto direito do homem de se valer de outras espécies para melhorar suas próprias condições de vida.
A questão ética
Ao largo dos aspectos emocionais que envolvem os retratos de animais de olhar desamparado, alinham-se outras questões de ordem prática, que a imprensa começa a esclarecer. Por exemplo, pode-se observar em rápida pesquisa que o Instituto Royal, cujo nome oficial é Instituto de Educação para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica – Royal, mantém convênios com universidades e é o único do tipo no país com reconhecimento de boas práticas laboratoriais. Trata-se de um padrão internacional que no Brasil é monitorado pelo Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, agência executiva do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Segundo as informações da diretora responsável pelo laboratório, e reproduzidas pelos jornais, não foram perdidos apenas estudos em curso para a produção de medicamentos contra câncer, hipertensão, epilepsia e diabetes, mas também os registros para padronização genética dos cães usados nos testes.
Para obter o reconhecimento de qualidade em suas práticas laboratoriais, o instituto precisa contar com um plantel de animais com filiação monitorada durante anos, para produzir um padrão e reduzir distorções no resultado das pesquisas.
Aqui é que entra o protagonismo de Ricardinho: o cão da raça beagle cuja foto aparece na Folha de S.Paulo é um dos patriarcas dessa linhagem, ainda ativo, apesar de doente, com insuficiência renal e descalcificação, o que lhe causou perda óssea e a necessidade de uma prótese no focinho. Por esse motivo, ele não pode ser alimentado com ração ou comida sólida e corre o risco de morrer se não for tratado de maneira conveniente.
Esse contexto poderia equilibrar as coisas em favor do instituto, no quesito emoção. No entanto, há uma falha na estratégia de comunicação da entidade: os ativistas podem questionar quantos animais como Ricardinho, criados em condições normais no ambiente familiar, teriam desenvolvido uma doença renal aos 7 anos de idade.
Como se vê, há muitas perguntas sem resposta. Por exemplo, é correto usar animais domésticos, que em milênios de relacionamento ajudaram o homem a ser o que é, em benefício da indústria de medicamentos? É justo privar doentes de uma esperança de cura que pode depender de testes em laboratório com o uso de animais? É possível usar outros processos para produzir medicamentos?
Mas enquanto não for discutido o problema ético que define a questão, tudo é apenas emoção.