O leitor ou leitora atenta de jornais e revistas pode achar que as notícias são uma espécie de carrossel que gira continuamente, trazendo a cada ciclo novas informações sobre indicadores econômicos, competições esportivas, dados sobre saúde e educação e declarações de políticos.
Tudo parece seguir um curso fiel à realidade objetiva. No entanto, quando essa observação é respaldada por pesquisas sobre jornalismo, o olhar pode ir mais longe e a compreensão dos processos midiáticos tradicionais se torna mais acurada.
Note-se, por exemplo, o que se pode apurar com a leitura do livro intitulado Liberalismo autoritário, publicado em 2011 pelo cientista social e historiador Francisco Fonseca, professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. Com base em amplo estudo, que em sua forma final comporta mais de 300 páginas, Fonseca demonstra como a imprensa brasileira contribuiu ativamente para a criação do atual sistema político-partidário, que agora procura demonizar. Ele destrincha o discurso homogêneo e manipulador da mídia tradicional, mostrando como um conceito especial de moralidade pública é usado pelo jornalismo brasileiro para influenciar as instituições da República.
Embora seja tarefa difícil e sujeita a riscos resumir as conclusões de um trabalho acadêmico que envolveu consultas a milhares de páginas de jornais e revistas durante anos, pode-se afirmar que o livro demonstra com fartura de provas como a imprensa se move continuamente numa mesma direção, mesmo que eventualmente esse trajeto aponte num sentido contrário ao interesse da sociedade.
Essa visão é sempre pautada por um complexo de ideias e convicções que repetem os valores definidos como “liberalismo”. Tudo que se opõe a esse conjunto de crenças passa a ser demonizado. A construção desse discurso pode ser percebida em qualquer edição de qualquer um dos principais jornais brasileiros.
Na quinta-feira (25/7), por exemplo, os três diários de circulação nacional destacam em suas seções de economia o aumento de 5,9% para 6% no índice de desemprego no Brasil, no mês de junho passado, em relação ao mesmo mês de 2012.
Títulos de reportagens e colunas tentam convencer o leitor de que ingressamos numa crise de desemprego. O Globo faz blague: “Jovens na rua. No olho da rua”. O Estado de S.Paulo destaca em página inteira: “Desemprego sobe para 6% em junho”. A Folha de S.Paulo publica infográfico para afirmar que “mercado de trabalho perde fôlego”.
Trata-se, observe, de uma variação de 0,1 ponto porcentual em um ano, num contexto considerado de pleno emprego.
Distorcendo os fatos
No mesmo dia, o principal jornal de economia e negócios do País, o Valor Econômico, traz como manchete: “Multinacionais elevam captação via empréstimo”. Na análise de conjuntura, que é onde a informação sobre desemprego pode ser contextualizada, observa-se que a oferta de emprego caiu porque a indústria reduziu o número de postos de trabalho.
Em outras fontes se observa que a indústria cortou postos, em parte, por causa do clima de pessimismo (criado pela imprensa). A questão inclui ainda o aumento da população ativa, ou seja, do número de brasileiros que, completando os estudos, passam a aparecer nas estatísticas dos que procuram trabalho. Além disso, não há estudos atualizados sobre o verdadeiro potencial do mercado de trabalho no Brasil.
Mas os jornais que pautam a agenda institucional do Brasil desprezam o contexto quando um dado isolado vem a calhar para sua versão da realidade.
Jornalistas sabem que há profecias que se autorrealizam. Há um interesse explícito em convencer o leitor, e em especial aquele leitor que toma decisões importantes em empresas e outras instituições, de que o país está mergulhado numa crise.
Para esse interesse específico, é importante convencer a sociedade de que os principais trunfos da política econômica inaugurada há dez anos, a oferta de emprego e o aumento da renda do trabalhador, estão se esgotando.
Martelar continuamente a tese de que vivemos uma crise é uma forma sempre eficiente de produzir alguma crise. No entanto, embora pareça que a imprensa tradicional atua como partido político de oposição ao atual governo, essa não é uma afirmação que vale para todas as circunstâncias: na verdade, conforme se pode apreender da leitura dos jornais e com respaldo no trabalho do professor Francisco Fonseca, o que se conclui é que a imprensa atua sempre em favor da ideologia com a qual ela se identifica. Seja qual for o partido no governo.
Torna-se oposição a qualquer governo que ouse sair dos dogmas do chamado liberalismo econômico e da visão de mundo segundo a qual a sociedade deve ser dirigida por uma elite econômica e intelectual de perfil conservador. Portanto, é preciso rever a famosa frase do consultor James Carville, que serviu ao ex-presidente americano Bill Clinton. Ao explicar a vitória de Clinton, nas eleições de 1992, ele escreveu num quadro de avisos: “É a economia, estúpido!”
No caso brasileiro, é preciso corrigir: “Na imprensa tudo é política, estúpido!”.