Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um modelo de jornalismo social

O jornalismo deve ser considerado um bem público ou é mais uma atividade privada de interesse coletivo? Essa questão rondou o MediaOn – Seminário Internacional de Jornalismo Online, realizado em São Paulo pelo portal Terra com a Fundação Itaú Cultural.

Segundo a Folha de S.Paulo, a questão ainda não tem uma resposta definitiva, uma vez que o modelo experimental de jornalismo financiado por doações ainda está em processo de invenção. O projeto chama-se ProPublica, é dirigido por Stephen Engelberg, que trabalhou 18 anos no New York Times.

Iniciado em 2008 para produzir jornalismo apenas na internet, o ProPublica chamou atenção recentemente ao ganhar o prêmio Pulitzer deste ano, o primeiro para um veículo exclusivamente online. Outra reportagem, produzida pelo site e publicada no New York Times, já havia obtido o prêmio no ano anterior.

Na entrevista concedida à Folha, Engelberg afirma que, como modelo de jornalismo, o projeto já provou que funciona. Impulsionado por doações privadas, tendo como principais financiadores originalmente o casal de milionários americanos Herbert e Marion Sandler e, mais recentemente, o megainvestidor George Soros, o ProPublica tinha como desafio inicial conseguir que seus repórteres fossem tão respeitados quanto os profissionais da imprensa tradicional.

Dedicados à investigação jornalística, seus repórteres ganharam rapidamente grande reputação, o que superou o temor inicial de que certas fontes simplesmente se negassem a retornar suas tentativas de comunicação. Entre os trabalhos destacados pode-se alinhar a revelação das condições na prisão de Guantanamo, a denúncia de violências em New Orleans após a passagem do furacão Katrina e outros temas que haviam obtido menos atenção dos jornais.

Mas o centro da questão sobre as chances de sucesso do jornalismo de objetivo exclusivamente social, sem interferência de interesses de negócio, segundo Engelberg, aparece quando se aborda questões do poder público e privado.

Observe-se que o ProPublica já conta com 3 mil doadores entre indivíduos e fundações e tem grande chance de crescer com assinantes fixos. “Nosso modelo não é o melhor para encontrar patrocinadores corporativos, já que investigamos muitas empresas”, diz o editor-executivo do ProPublica.

Raciocinando ao contrário, pode-se insinuar que o jornalismo tradicional é mais patrocinado pela publicidade de empresas quanto mais certeza se tem de que determinados temas jamais serão publicados?

Agarrados ao papel

A resposta não está, obviamente, nos jornais. Na reportagem que publica sobre o mesmo assunto, o Estado de S.Paulo destaca que, para ganhar credibilidade, a ProPublica desenhou um modelo de parceria com a imprensa tradicional. O site oferece conteúdos exclusivos para publicações como o New York Times, Financial Times, Washington Post, Los Angeles Times e para programas de televisão privada e TV pública.

A vantagem que apresenta é o menor custo de produção de conteúdo, uma vez que a infraestrutura de redação que usa a internet como plataforma custa menos. Mas o diferencial principal é percebido na qualidade do material jornalístico: a ProPublica tem uma redação em Nova York com 35 jornalistas, que produziram em 2010 mais de uma centena de reportagens que foram publicadas em quarenta veículos.

Enquanto um repórter do jornalismo tradicional tem que cumprir duas ou mais pautas por dia, na dura rotina da imprensa brasileira, um repórter da ProPublica pode levar o tempo que precisar para compor uma boa história, podendo produzir duas grandes reportagens por ano.

No pacote de reportagens que os jornais publicam nesta quarta-feira, dia 23, sobre seu próprio negócio, destaca-se também a cobertura do encerramento do seminário promovido pela Associação internacional de Marketing de Jornais.

A principal preocupação dos debatedores, segundo o relato da imprensa, foi a manutenção do valor percebido da mídia impressa enquanto se busca um modelo de negócio que produza lucros com a mídia digital.

O otimismo da representante do New York Times, que vem ampliando o número de seus assinantes online, não foi suficiente para os executivos brasileiros olharem um pouco além do horizonte: o fato de que 90% do faturamento das empresas jornalísticas ainda vem do papel parece bloquear qualquer tentativa de enxergar uma imprensa totalmente digital.

Juntando-se as duas reportagens, é possível elaborar uma equação interessante: o jornalismo digital funciona como sistema informativo confiável e pode atrair financiadores, quando se assume como bem público. Já o jornalismo de papel, que se assume como atividade privada de interesse coletivo, ainda não enxerga seu futuro na nova plataforma.