Feita para durar mais de uma semana, a presente edição da revista Época – na verdade uma edição especial – traz o resultado de um amplo esforço de reportagem sobre os principais acontecimentos que marcaram o ano de 1952 e os que delineiam este 2012.
A ocasião é para celebrar os 60 anos da Rio Gráfica Editora, berço da Editora Globo e do poderoso grupo fundado por Roberto Marinho, e a pauta central é o Brasil contemporâneo.
Apesar de uma abordagem de tema tão complexo vir carregada do risco de uma visão parcial, a publicação cumpre o que promete. A diagramação e o excesso de anúncios complicam um pouco a localização das reportagens, mas de modo geral percebe-se que a equipe se dedicou à pesquisa com espírito jornalístico.
A revista dispensou seus colunistas fixos, que devem voltar na edição seguinte, e ofereceu suas páginas a especialistas em diversas áreas, com um objetivo ambicioso: mostrar as mudanças que ocorreram no país entre 1952 e 2012, sem fazer para isso uma linha do tempo, mas propondo um recorte que permita ao leitor constatar muito claramente como deixamos para trás o velho Brasil.
Primeira vez
Em alguns casos, o retrato é o de vícios que demoram a ser corrigidos, como no relato de 1952 sobre um escândalo de corrupção em que o então ministro da Fazenda, Horácio Lafer, e o então presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jaffet, eram acusados de chefiar “uma quadrilha de políticos, empresários e militares” que desviava recursos para campanhas eleitorais.
“Uma CPI da Câmara dos Deputados descobriu que uma das operações do bando infligiu um rombo de Cr$ 43 milhões (cruzeiros) ao caixa da instituição”, prossegue o relato, afirmando em seguida que a população nunca ficou sabendo o que de fato aconteceu, pois as 600 páginas que registravam a investigação sumiram dos cofres da Câmara.
Horácio Laffer e Ricardo Jaffet nunca foram punidos por esse episódio e hoje seus nomes enfeitam placas de ruas e são citados como exemplos para a iniciativa privada. Seus sucessores na política seguem cumprindo estratégias semelhantes e a diferença parece apenas ser uma dificuldade maior para fazer desaparecerem as peças de investigação.
Curiosidades de sessenta anos atrás são interessantes para nos lembrar que a tarefa de construir uma nação pode levar séculos, mas o melhor da publicação é o perfil de brasileiros cujas vidas sofreram mudanças significativas na última década.
Época traz, por exemplo, entrevistas com pessoas que conquistaram pela primeira vez objetivos que consideravam como grandes desafios. A reportagem revela, por um lado, que o Brasil ainda é feito de grandes diferenças sociais. Por outro lado, porém, o leitor pode observar como os desejos são moldados em cada indivíduo.
Um novo país
Assim, para uma personagem, a grande conquista foi uma casa com chuveiro elétrico – como relata a dona de casa Eliane Silva, de Maceió, que até os 38 anos tomava banho com uma cuia. Para outro entrevistado, o empresário carioca Manoel Assunção, a grande conquista de 2012 foi o primeiro helicóptero.
Leila da Silva, do Tocantins, comemora seu primeiro par de calçados enquanto a pesquisadora Giovanna Lima, de São Paulo, festeja seu primeiro par de Louboutin, o sapato de luxo que tem sola vermelha. Para outro entrevistado, a grande emoção de 2012 foi a primeira garrafa de Romanée-Conti, o vinho da Borgonha que virou ícone dos bem sucedidos.
O primeiro computador, a primeira piscina, a primeira faculdade, a primeira cirurgia plástica, o primeiro carro, a primeira casa, são itens que compõem o arsenal de sonhos realizados por milhões de brasileiros em 2012. Eles são parte da sociedade que, no relato da revista Época, vive o maior fenômeno de transformação por que passou o Brasil.
O retrato de uma família recentemente promovida à classe média, por exemplo, convida o leitor a pensar na observação dos editores, de que no Brasil de 2012 persistem traços da instável República de 1952, mas também é inevitável constatar que houve mudanças profundas, a ponto de se poder dizer que estamos vivendo em outro país.
Ao descrever as conquistas de cidadãos escolhidos ao acaso, a revista mostra como ainda são desiguais as aspirações e como a sensação de felicidade e realização pessoal pode nascer de coisas muito simples.
Mas, além disso, faz o leitor se dar conta de que não existem desejos banais.