Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Um velho retrato na parede

O passado parece ter feito uma parada nos jornais de sexta-feira (28/9). O assassinato do pastor evangélico Florisvaldo de Oliveira, que se tornou conhecido como o exterminador cabo Bruno, e um relatório federal sobre o estado de guerra entre a Polícia Militar de São Paulo e a facção criminosa que domina os presídios do estado passam a impressão de que o setor de segurança pública ficou parado no tempo.

Acrescente-se a esses elementos o fato de que a Justiça retoma em janeiro o julgamento dos policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru, ocorrido em 1993, e teremos uma velha história recontada.

Quando fatos de duas ou mais décadas atrás se reencontram no noticiário, é hora de refletir sobre o estrago que produzem na sociedade as estratégias conservadoras aplicadas a problemas sociais crônicos.

A rigor, o personagem Cabo Bruno, que foi responsabilizado por pelo menos 50 assassinatos ao longo de sua carreira de matador financiado por comerciantes, representa o mesmo pensamento que conduz à atual prática oficial da Polícia Militar, de aguçar os confrontos com criminosos e suspeitos por meio da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) o braço mais bélico da corporação.

Estado de guerra

O massacre do Carandiru foi o símbolo dessa política de segurança pública que transfere para agentes militares a tarefa de prevenir, julgar, condenar e executar delinquentes verdadeiros ou supostos.

Os indicadores da violência divulgados nos últimos dias demonstram que a ideologia da guerra não produz resultados: segundo analistas citados pela imprensa, esse arremedo de “tolerância zero”, desacompanhado de outras ações, como a quebra de comando do crime organizado e o combate à corrupção no corpo policial, produz apenas mais violência.

Na sexta-feira (28), os jornais noticiam o assassinato de mais um policial, em nova ação provavelmente comandada pelo grupo que se tornou conhecido como Primeiro Comando da Capital. A polícia também credita a essa facção a autoria da morte do ex-cabo Bruno, que havia se tornado recentemente o pastor Florisvaldo de Oliveira, em cerimônia coberta com destaque pelo Estado de S.Paulo no domingo anterior.

Em 1993, quando a Polícia Militar invadiu o presídio do Carandiru, após uma rebelião, e executou pelo menos 111 presos e suspeitos que aguardavam julgamento, o Estadão foi o jornal que condenou mais explicitamente a decisão da Secretaria da Segurança Pública, culpando diretamente o então governador, Luiz Antonio Fleury Filho, pelo massacre.

Na ocasião, Fleury Filho tentou ser recebido pelo então diretor-responsável do jornal, Júlio de Mesquita Neto, mas seu helicóptero foi impedido de pousar no heliponto do jornal. Fleury desceu no terreno de um supermercado e foi retido no portão, passando pelo vexame de ser barrado por um vigilante.

Mesquita Neto mandou dizer que não receberia um assassino em sua casa, e sustentou a posição do jornal contra a barbárie, mesmo com a quase totalidade das cartas de leitores apoiando a ação criminosa da Polícia Militar.

Hoje, ainda é o Estadão que coloca sob crítica a estratégia do confronto mantida pelas autoridades paulistas. Em reportagem publicada com destaque na sexta-feira, o jornal informa que o sistema de monitoramento de crises da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do governo federal emitiu alerta para o agravamento do estado de guerra entre a Polícia Militar de São Paulo e o PCC. Faltou dizer que oficiais da PM acusam policiais civis de fazerem vista grossa diante da ação ostensiva do crime organizado.

Estratégia desastrosa

As mortes do ex-cabo Bruno e do soldado André Peres de Carvalho, ocorridas no mesmo dia, teriam sido decididas pelo comando do PCC e a execução do soldado celebrada como uma vitória, segundo o jornal.

O governo do estado contesta a avaliação feita pela Abin, mas os números reforçam a tese de que a ação mais agressiva da Rota, desvinculada de outros movimentos, como o combate efetivo à corrupção policial, apenas aumenta a violência.

Dados da própria PM, citados pelos jornais, revelam que o número de policiais mortos neste ano é 40% superior ao do mesmo período do ano passado. Os assassinatos são ordenados pelo próprio comando do crime organizado, na proporção de um policial executado para cada membro da facção morto pela PM, com a recomendação de que o crime seja cometido de preferência quando o militar está de folga e diante de sua família.

Não é preciso muito para se concluir que os policiais mortos são aqueles que combatem o crime, não os que se associaram a ele.

A questão da segurança pública em São Paulo é um velho retrato na parede.

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