Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma incursão no denuncismo comparado

A mais recente coluna da ombudsman/ouvidora da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, traz dados de uma dissertação de mestrado defendida na USP no final do ano passado e suscita interessantes reflexões sobre questões afins.

O trabalho do então mestrando e veterano jornalista Eduardo Nunomura compara as coberturas da Folha e Veja nos episódios dos “grampos do BNDES” (1999) e no mensalão (2005) [ver “O mensalão em exame” e “Imprensa abordou o caso de forma denunciativa”].

É possível que o autor tenha examinado o formato e morfologia das duas denúncias; a ombudsman preferiu examinar o desempenho do seu jornal no tratamento dessas denúncias. É a sua função.

A questão nos remete a um jornalismo dito investigativo hoje aparentemente desativado. A série publicada na Folha com o selo “Os segredos do Poder” vazava conversas telefônicas entre membros do governo FHC sobre os leilões para a privatização da Telebrás. O jornal recebeu as fitas de um informante anônimo – certamente contrariado com os resultados – e transcreveu os principais trechos sem qualquer checagem do seu conteúdo ou esforço jornalístico complementar.

O mesmo aconteceu seis anos depois com Veja,quando recebeu um vídeo com o flagrante de uma propina de 3 mil reais pagos a um alto funcionário dos Correios e o republicou sem qualquer investigação preliminar (e ainda cedeu uma cópia à TV Globo que igualmente não a verificou).

Forma de relato

As denúncias se assemelham no tocante à irresponsabilidade na veiculação. A diferença é que os desdobramentos sobre a propina dos Correios colocaram em xeque o então presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, que resolveu botar a boca no trombone. O jornalismo foi finalmente acionado quando uma então repórter da Folha, Renata Lo Prete, convenceu o deputado Jefferson a prestar um longo depoimento. Começava o caso do mensalão que agora chega à sua fase final.

Vazamentos de dados, documentos ou imagens são recursos para-jornalísticos que passam a ter valor quando devidamente contextualizados e verificados. Atendem parcialmente ao interesse público e, ao mesmo tempo, o contrariam ao colocá-lo na esfera cinzenta da clandestinidade e dos interesses ocultos.

A frenética cobertura de eventos não os transforma automaticamente em fatos significantes. Isso pode ser comprovado nas longas e exaustivas coberturas ao vivo oferecidas pelos canais noticiosos de TV. A entrada (em off ou pela internet) de um comentarista ou editor situado a quilômetros de distância pode ser mais substantiva do que o material em bruto colhido em campo.

O fac-símile nem sempre é garantia de factibilidade. O tempo real não é prova de veracidade. Aquilo que este Observatório designou como “jornalismo fiteiro” pode ter produzido importantes sacolejos no cenário político, mas foi insuficiente para marcar um avanço no jornalismo investigativo ou “de precisão”.

Jornalismo é uma forma de relato; compreender esta definição (ou platitude) pode facilitar a sua sobrevivência.