A guerra entre as duas famílias que controlam as comunicações e boa parte do poder no Pará chegou a um nível violento e sujo. O que impressiona é elas terem a mesma origem, no baratismo, o grupo que por mais tempo dominou a vida pública no Estado. Ao expor suas chagas, talvez eles consigam pôr um final nessa história.
Os leitores de O Liberal do dia 19/5 devem ter sido surpreendidos – e chocados – por um artigo ocupando boa parte da primeira página do jornal, assinado pelo principal executivo da empresa, Romulo Maiorana Júnior. Era o texto mais violento que O Liberal já publicou, superando os da campanha eleitoral de 1990 – e com uma diferença substancial: estes reproduziam declarações de terceiros, enquanto o de agora era de responsabilidade de Romulo Jr., que nunca se notabilizou por esse tipo de atitude.
Nos dois casos de virulência descontrolada de linguagem, o alvo era o mesmo: Jader Barbalho, o inimigo público número um dos Maiorana – e, desde alguns anos atrás, seu maior concorrente no poderoso negócio de ambos, as comunicações. No artigo da semana passada (sob o título “Um safado e sua safadeza”), o ex-governador foi mimoseado com expressões como ficha-suja, canalha, sem-vergonha, safado, chantagista, corrupto e ladrão. Ao final de 12 parágrafos extremamente agressivos, Romulo Jr. revela o seu propósito: “Temos que acabar com esse câncer”.
“Contratos de gaveta”
A explosão de ira teve como detonador uma matéria da véspera do Diário do Pará. O jornal dos Barbalhos proclamou, em título de primeira página, que, ao depor na justiça federal como réu de crime contra o sistema financeiro nacional, valendo-se de fraude para obter quatro milhões de reais (em valor histórico) da Sudam para um projeto de fabricação de sucos de frutas regionais, o executivo atribuiu a culpa pelo ilícito ao irmão.
Ronaldo Maiorana depusera três meses antes no mesmo local, confessando o crime e alegando desconhecer que seu ato fosse ilegal, embora seja bacharel em direito. Ambos eram sócios no controle da Tropical Indústria Alimentícia, beneficiada com recursos dos incentivos fiscais para a instalação de uma fábrica no distrito industrial de Ananindeua.
Segundo a matéria, assinada pelo repórter Luiz Flávio, Romulo Jr. depôs perante o juiz da 4ª vara federal, Antonio de Almeida Campelo, “hesitante e consultando sempre o advogado das Organizações Romulo Maiorana”, Jorge Borba. Alegou “ignorância quanto às acusações de fraude contra a Sudam” e “acabou atirando toda a responsabilidade do caso no irmão e também réu no processo, Ronaldo Maiorana”.
Romulo Jr. teria dito que toda a gestão da empresa de sucos (hoje de refrigerante de sabor artificial, a Fly) “cabe ao irmão Ronaldo Maiorana e que, por essa razão, não poderia dar explicações mais detalhadas sobre o negócio”. Garantiu ainda que, “apesar de sócio na empresa, não interferia no negócio”. Tinha certeza, porém, que seu irmão “não havia feito nada de errado”. Afirmou que “jamais assinou qualquer cheque da Tropical”. Ao final, declarou que a empresa substituiu o dinheiro da Sudam por capital próprio e desde então cresceu com sua receita, sem precisar de colaboração oficial.
Na sua reação no dia seguinte, Romuo Jr. desautorizou a versão do Diário, “que teve a audácia de colocar meu nome em estórias que desrespeitam o próprio Judiciário Federal, inventando que culpei meu irmão Ronaldo por atos praticados numa indústria de sucos, até porque ele não fez nada de errado”. Pelo contrário: “A indústria detém a liderança do mercado, gera 250 empregos diretos e 150 indiretos, paga seus impostos em dia e tem a União devendo 70% do projeto”.
Em sua defesa, Maiorana Jr. invocou o testemunho do juiz Campelo, que o ouviu em depoimento, “para provar que em nenhum momento fiz qualquer tipo de acusação contra meu irmão Ronaldo, a quem defendo com a própria vida, como toda a minha família”.
Assumindo uma posição privilegiada, como se estivesse planando sobre todos os personagens, Romulo Jr. ressalta: “Tive o cuidado de alertar o nobre Juiz de que a presença na sala de uma repórter da Rede de Corrupção da Amazônia – RCA – [a versão que criou para a sigla da RBA – Rede Brasil Amazônia – da família Barbalho] iria fazer com que fossem publicadas mentiras a meu respeito e sobre minha família. Não deu outra coisa”.
Sustentou que esse noticiário resulta do desejo do grupo do ex-senador de “jogar a lama que produzem onde não existe lama”. E aí, de moto próprio, aborda pela primeira vez de público, em seu próprio jornal, o que se vinha recusando a fazer até então, um tema que ali estava proibido, vetado, excomungado:
“Dizem que meu pai era contrabandista. Ora, se ele foi contrabandista, foi para dar comida a sete pessoas, a sua família, e não para tirar a comida de sete milhões de paraenses, como faz esse ficha suja sem-vergonha, que hoje vive mendigando um mandato que levou fora do pleito, sem ter condições morais e legais de participar”.
Romulo Jr. cobra então respeito ao seu pai, o fundador do império de comunicações, a partir de 1966, quando assumiu o controle do jornal, e dá uma informação que também até então era desconhecida do público: “Respeite meu pai que, quando vivo, quase todo o dia o recebia e ao seu pai pedindo dinheiro ou pedindo para trocar cheques, que tenho guardados até hoje. Sem fundos, é claro”.
Para estabelecer o devido contraste, afirma que o enterro do seu pai “foi o maior que o Estado já viu”, superior até ao do maior líder político do Pará, Magalhães Barata. Mas prevê desfecho inglório para Jader Barbalho, a quem tanto ataca sem escrever uma vez sequer seu nome. Diz que ele “certamente terá a ‘solidão dos crápulas’”, que não terá “nem a presença da meia dúzia de ‘puxa-sacos’ de sua companhia pois terão vergonha da posteridade”.
Assumindo a postura de líder, fonte de referência no Estado, do alto da posição que imagina ocupar, o executivo informa ainda ter “dez processos contra esse crápula e seu jornal na Justiça do Pará, que não conseguem andar. Um deles, no Tribunal de Justiça do Estado, já recebeu a suspeição de cinco desembargadores. Vou acabar tendo que levá-lo para o Amapá ou o Maranhão para poder conseguir justiça”.
Atribui à sua corporação o mérito de impedir, através do constante combate à corrupção no Pará, que “esse crápula” aumentasse o seu poder, permitindo que Ana Júlia, Simão Jatene e Almir Gabriel se elegessem governadores. Mas considera triste “ver um governador do nível de Simão Jatene enchendo o seu governo com a canalha que esse safado indica”.
Acusa Jader Barbalho, sempre sem grafar-lhe o nome, de usar suas empresas para lavar dinheiro e assim estabelecer concorrência desleal com uma empresa como O Liberal, que não usa “a venda de jornal para lavar dinheiro”, vivendo apenas de “vender jornal e classificados, que é o nosso negócio”. Já a empresa de Barbalho “não tem conta-corrente em bancos, utiliza empresas de factoring de outros estados para manobrar suas operações com dinheiro vivo e paga funcionários com assessorias em cargos púbicos, ou através de permutas tiradas à força ou chantageando o empresariado. Não temos emissoras ancoradas em contratos de gaveta, como ele fez com a família Pereira, em Santarém, que vai perder a retransmissora da Rede Globo na região por causa das tramóias dele”.
Romulo Jr. revela que o ex-governador Hélio Gueiros, “quando no poder, me revelou que tinha documentos comprovando que a RCA [RBA] fora comprada ao empresário Jair Bernardino por 13 milhões de dólares”. E pergunta-se: “Como é que pode, um homem que vivia na porta do meu pai pedindo dinheiro ou trocando cheques e, dois mandatos depois, compra uma emissora de televisão por US$ 13 milhões? Não há Receita Federa que agüente!”. Garante que tudo que ele, sua família e sua empresa tem “está no Imposto de Renda”.
“Na memória”
No dia seguinte, como se esperava, Jader Barbalho deu o troco pelo seu jornal. Não na primeira página, mas na terceira. Não através de artigo assinado, mas de editorial (espaço dedicado a manifestar a opinião do jornal, sem personalizá-la). O título do editorial também não surpreendeu: “Alucinações do travestido”.
Num tom igualmente galhofeiro, o jornal atribui a explosão de ira do dirigente do grupo Libera a um dos “períodos de menstruação e pré-menstrual” próprio das mulheres (o que o faz, ao final, recomendar aos parentes e amigos de Jr. “que o levem a um médico ginecologista para ajudar a enfrentar os incômodos da TPM. E, quem sabe, uma boa dose de reposição hormonal”).
Grosserias à parte, o jornal credita a irritação de “Maiotralha Jr.”, como o trata, “à compulsória visita pública à Justiça Federal como acusado de crimes contra o patrimônio público, através de fraudes praticadas em projeto financiado pela Sudam”. Submetido a essa circunstância, da qual sempre procurou se livrar, por todos os meios possíveis (e inadmissíveis em lei), diz o jornal que “o pavor de ser flagrado prestando contas à Justiça” levou Romulo “a alucinações, como ser acometido da síndrome de Caim, ao acusar o irmão de ser o responsável pelas fraudes e desvios de recursos públicos”.
Esses delírios o teriam levado também “ao absurdo de cometer o parricídio moral post mortem, ao afirmar que o pai teria sido contrabandista, aliás, simplesmente contrabandista, isto é, criminoso que subtrai a arrecadação de dinheiro público pertencente à sociedade”.
O editorial lembra que eu fui espancado por Ronaldo Maiorana (“evidentemente, com o apoio de vários capangas”), “por haver especulado sobre a história do contrabando na origem do patrimônio do pai dos Maiotralhas. A agressão sofrida pelo jornalista passa a ser agora duplamente injusta, já que o Maiotralha Jr. é quem confirma publicamente que o pai era contrabandista”.
Outra alucinação revelada por Romulo Jr. seria, ainda de acordo com o editorial, a “hipótese jamais especulada de que seu pai ‘trocava cheques’, isto é, utilizava prática comum e criminosa da agiotagem, fato sobre o qual jamais se ouviu quaisquer comentários, imaginando que tal especulação seja apenas fruto de distúrbio acusatório. Contrabandista, sim, se sabia. Agiota, é a primeira vez que a sociedade toma conhecimento”.
Outra evidência do “surto alucinatório” de Maiorana seria a “comparação fúnebre como aferição de prestígio”, ao estabelecer paralelo entre o enterro do pai e o de Barata, o que “apenas sepulta de vez a idéia de que o Maiotralha Jr. esteja em sua plena sanidade mental”.
O delírio atingiu o grau de paranoia – na interpretação do Diário – quando Romulo “resolve dar pito no governador Simão Jatene, questionando a qualidade moral de integrantes de sua equipe, talvez por imaginar que o governador deveria ter lhe submetido a relação de nomes antecipadamente para sua aprovação, levando em conta a sua elevada autoridade e padrão de preocupação com a coisa pública”.
Sobre essa questão, “o esquisitíssimo alucinado deve imaginar que a opinião pública do Pará já esqueceu a apropriação do patrimônio dos equipamentos da Funtelpa, quando a emissora, além de ceder o uso de seus bens, ainda lhe pagava cerca de R$ 500 mil mensalmente”.
Outro exemplo de moralidade duvidosa, para dizer o mínimo, foi “os contratos superfaturados do aluguel do jatinho da ORM ao governo do Estado, além da absurda quantia de R$ 40 milhões de reais por ano de publicidade governamental extorquidas dos cofres públicos”. Todos esses fatos, completa o jornal, “continuam na memória dos paraenses, do Ministério Público Estadual e da Justiça do nosso Estado, aguardando talvez prioridade”.
Exposição pública
Os cidadãos honestos, decentes e sérios que compram jornais devem ter encerrado sob estado de choque – ou de nojo – a leitura das duas peças jornalísticas. Os grupos de comunicações das famílias Maiorana e Barbalho proclamam-se donos da credibilidade da opinião pública. Ninguém é crível se seus argumentos não se sustentam em fatos, se usam as informações de que dispõem conforme seus interesses pessoais, divulgando-as ou as omitindo, e se o critério das suas edições desconsidera – ou desrespeita – os cidadãos que as lêem, como fizeram na troca de ataques. Nesse tiroteio, mais uma vez se evidencia um fato: só há verdade no que dizem quando atacam; nunca quando se defendem.
É por isso que não podem usar a tática de atacar como a melhor defesa. Ao mesmo tempo em que escancaram os erros do outro grupo, escancaram a própria miséria. Não são condutores legítimos e sadios da opinião pública porque invariavelmente o que querem é manipulá-la, a serviço de seus interesses, que permanecem inconfessáveis enquanto eles se acomodam. Quando se encrespam, chafurdam na lama. É sua matéria-prima, quando a intimidade e os bastidores resvalam para a arena pública nesses momentos de fúria incontida.
Teria sido simples e suficiente para Romulo Maiorana Jr. reagir à infâmia de que se disse vítima, colocado na pele de Caim pelo opositor: bastaria publicar a íntegra do depoimento que prestou perante o juiz da 4ª vara federal de Belém. Se ele não transferiu ao irmão a culpa pela fraude comprovada da Tropical Alimentos, tudo não passando de invenção sórdida do grupo RBA, o documento seria a prova dos nove. Por que Romulo Jr. não o divulgou? Teria desmoralizado o concorrente sem precisar descer ao desvario da linguagem de geral de campo de futebol. Ou muitíssimo pior.
A informação sobre o conteúdo do seu testemunho foi transmitida ao público pela repórter Cácia Medeiros, da TV RBA. Cácia foi autorizada pelo juiz Campelo a assistir à audiência como representante da imprensa. Outros jornalistas foram mantidos do lado de fora. Ela fez o relato do que ouviu logo em seguida ao encerramento da audiência, em frente ao prédio da justiça federal, antes de retornar à sua base, na sede da emissora. Logo, é improvável que tenha recebido orientação para atribuir ao depoente o que ele efetivamente não disse.
Pode até haver alguma imprecisão na reconstituição que ela fez dos fatos, em algum detalhe, mas no essencial, até prova em contrário (prova que Romulo Jr. se esquivou de apresentar), o essencial é aquilo mesmo que ela disse logo em seguida ao encerramento da audiência. Se Maiorana Jr. não teve a intenção de responsabilizar o irmão pela autoria das fraudes, que permitiram à Tropical usar recursos dos incentivos fiscais do governo federal sem aplicar o equivalente em capital próprio, suas palavras permitiram tal dedução.
Como prova de que não disse o que o Diário lhe atribuiu, Maiorana recorre ao testemunho do juiz Antonio Campelo. É recurso inútil e temerário. O juiz não pode descer de sua posição arbitral, esta, sim, com presunção de estar acima das circunstâncias em confronto, para servir de testemunha da parte. O magistrado já cometeu erro crasso quando, sem ser provocado por ninguém, determinou – por iniciativa pessoal, ex-oficio – segredo de justiça sobre os autos de uma ação penal pública.
Tecnicamente, Campelo se sujeitou a ser afastado do processo por suspeição, se não o fizesse de moto próprio. O Ministério Público Federal, autor da ação criminal, não provocou esse incidente, por não ter convencimento sobre o impedimento do juiz ou em proveito da celeridade processual. Mas cair no canto de sereia da parte para vir a público testemunhar sobre o fato comprometeria de vez sua autoridade na instrução do processo.
O poder judiciário federal no Pará já avançou demasiadamente em benefícios de réus acusados de crime contra o patrimônio público. A Romulo Maiorana Júnior foi concedido o privilégio de estacionar sua camionete densamente peliculada na garagem da justiça, reservada aos funcionários e magistrados. Dois cones de sinalização colocados na entrada do prédio, para impedir o livre acesso, foram retirados pelo porteiro por orientação superior, transmitida através de aparelho celular, quando o carro do Maiorana chegou ao portão.
Quando o elevador parou no 4º andar, onde ele iria depor, seus assessores perceberam a presença da imprensa no corredor. A porta do elevador foi travada por dentro e o grupo se homiziou ali, em virtual autoconfinamento (ensaio – quem sabe premonitório? – de cárcere privado involuntário), até que a direção do judiciário providenciasse a liberação da passagem.
A segurança judicial chegou a anunciar que convocaria a Polícia Federal para fazer a evacuação, arbitrariedade que acabou não se consumando. Depois de alguns protestos, os repórteres se retiraram. Embora os veículos de comunicação do grupo Liberal não respeitem essa aspiração de privacidade quando estão no pólo ativo da situação, para seu proprietário essa é uma prerrogativa que ele considera inata, por ser Maiorana. Um direito de origem talvez divina.
O juiz Antonio Campelo agiu certo ao vetar a presença de cinegrafistas e fotógrafos à sala da audiência, preservando a imagem do réu. E também ao garantir pelo menos um representante da imprensa à sessão. Maiorana Jr. não queria nenhum estranho no local e por três vezes tentou convencer o magistrado a acatar sua advertência (conforme definiu seu gesto no artigo do dia 19).
O juiz Campelo podia ter mantido coerência ao não interferir sobre o trabalho da imprensa realizado fora da sala de audiência. Assim como a ação é pública, o corredor do fórum também é público. Como qualquer cidadão, Romulo Jr. devia ter deixado seu carro na rua (é assim que fazem os advogados, mesmo os que atuam intensamente na justiça federal) e percorrer o caminho de entrada da sala de audiência sujeito ao registro público, condição a que se submetem personagens de muito maior importância e até autoridades públicas, por ser exatamente da sua condição, de pessoas públicas.
Confirmação paraense
Os Maiorana têm a pretensão de transformar o espaço público em extensão dos seus domínios privados. Por isso, Ronaldo Maiorana também teve o privilégio de estacionar seu carro (igualmente com pesadas películas negras) na garagem da seccional urbana de São Braz, quando, em 2005, foi ser acareado comigo (acareação que acabou não havendo, para poupá-lo de ser confrontado com o desafeto; e ele depôs antes de mim, que cheguei primeiro, caminhando até a sala do delegado, sem guarda-costas e advogados).
Antes de chegar ao local, fui sabatinado pela imprensa, incluindo nove integrantes do grupo Liberal. Um deles, a quem cumprimentei na entrada da seccional, estranhando por não vê-lo com a câmera de filmar, trazia escondido no corpo uma micro-câmera. O que ele filmou serviu depois para uma análise do agressor e seus assessores. Queriam material para instruir as ações que proporiam contra mim na justiça. O quinta-coluna era alguém que eu defendera em duas ocasiões (1975 e 1980), como presidente do sindicato dos jornalistas, quando foi agredido por policiais.
Os Maiorana acham que podem por e dispor de tudo ao seu alvitre, como fez Romulo Jr. no artigo, ao advertir o juiz. Os assessores jurídicos do empresário não o alertaram para essa impertinência? Os Maiorana parecem mal nesse aspecto, contrastando brutalmente com o modo de agir do pai.
Romulo Maiorana vivia cercado pelos mesmos tipos de bajuladores e aproveitadores que o filho mais velho coloca no redil de Jader Barbalho. Mas não abria mão de pessoas sérias e competentes, que não temiam dizer-lhe verdades e abrir-lhe os olhos para questões técnicas, legais ou de mero bom senso. Já seus filhos se inebriam com o incenso de suas cortes, homogêneas em sua mediocridade intelectual e, às vezes, moral, e desprovidas de autonomia suficiente para confrontá-los com seus atos e as verdades, ressalvadas as exceções de sempre quando se trata de seres humanos.
Uma boa assessoria jurídica teria instruído Romulo Jr. a repetir o que o irmão dissera antes. Se Ronaldo errou, que Romulo errasse junto com ele. Os dois eram sócios no empreendimento. Não importa se Romulo não reconheceu como sendo sua uma das duas assinaturas que lhe foram apresentadas pelo representante do MPF na audiência, ou tenha alegado que, mesmo subscrevendo a ata de uma reunião do Conselho de Administração, que integrava, não se lembrava dos temas então tratados.
Esses detalhes são acessórios ao que realmente importa: ele era acionista controlador da empresa, com os mesmos direitos e deveres do irmão, dentre os quais estava o de não ignorar a lei. Se ele não sabia que fraudar a existência de recursos próprios e a aplicação da verba da Sudam era crime, como admitiu Ronaldo, embora bacharel em direito, problema deles. A materialidade do crime está comprovada e não pode ser elidida por nada, nem pelo arrependimento eficaz, aplicável apenas em outras situações, não em crimes objetivados, consumados.
Os irmãos são igualmente réus e, se não houver desconsideração pelo conteúdo dos autos, estarão sujeitos à condenação. O que aconteceu depois dos crimes de falsa contrapartida ao recebimento de dinheiro púbico e fraude na aplicação dos recursos (em obras que só existiram nas notas fiscais frias apresentadas) não interessa à ação que os acusou e está sob apreciação judicial. O que eles querem apagar é o passado, que envolveu até uma conturbada tentativa de transferência do controle acionário a um empresário pernambucano.
A Fly vive agora do seu capital e o dinheiro da Sudam foi devolvido, mas Romulo Jr. precisa provar o débito da União a que fez referência, já que a Tropical teria requerido o certificado de implantação do empreendimento, desonerando a Sudam de qualquer compromisso com o projeto. Ao contrário do que o ex-sócio disse, porém, a empresa não é líder do mercado (é, sem dúvida, a campeã de propaganda, por não pagar sua divulgação nos veículos do grupo Liberal) nem utiliza frutas regionais, exceto o açaí (se a propaganda corresponde à verdade). É uma das muitas unidades de refrigerantes pet espalhadas pelo país.
Os Maiorana se julgam cidadãos de classe especial, de uma espécie de nobreza republicana (em seu sentido deliberadamente ambíguo). Podem remir os pecados que cometem, conferindo anistia a si, inclusive pós-morte. É o que faz Romulo Maiorana Jr. com o pai.
Num dos trechos mais graves do seu artigo, ele replica, aos que apontam a existência de contravenção penal na origem da fortuna da família, com o tom blasé e arrogante característico daqueles que se julgam inatingíveis e inimputáveis: “Ora, se ele foi contrabandista, foi para dar comida a sete pessoas, a sua família, e não para tirar a comida de sete milhões de paraenses”, como faz seu inimigo mortal, Jader Barbalho.
A conta, antes de mais nada, está errada, apesar da tosca aritmética que ela requer. É de se presumir que, além dos sete filhos que teve, o chefe da família também precisasse alimentar a mulher e a si. Logo, a família é composta por nove pessoas e não sete. Mas é a moral e não um erro aritmético elementar o que interessa.
Ora, como diria o Júnior, se seu pai pôde praticar o contrabando porque precisava alimentar os seus, este argumento não servirá de habeas corpus para todos os crimes contra o patrimônio, privado ou público? Só não valeria para os que são solteiros ou não são arrimos de família. Todos os demais contraventores poderiam reivindicar pós-fato o perdão das suas culpas pela destinação dada ao roubo.
Um contrabandista pode não tirar fisicamente a comida da boca do povo, mas a retira indiretamente. Afinal, ele é contrabandista porque faz importações ilegais do exterior, sem pagar os direitos devidos ao erário e ao governo, representante do povo. E, com essa redução de custos, graças à marginalidade e à ilegalidade, sua concorrência com os demais comerciantes é desleal.
Não existiria contrabando sem receptação. O mais grave é que, em vários casos em Belém até a metade da década de 60 do século passado, o contrabandista era também o lojista, lavando dinheiro através da mesma mecânica que Romulo Jr. acusa agora Jader Barbalho de utilizar em suas empresas. E, como muitos ainda sabem, tanto quanto a participação de Romulo pai no contrabando, a falência das lojas RM foi inquinada de fraudulenta. Uma pessoa, que assumiu a responsabilidade pelo ato, foi presa e assim foi mantida durante algum tempo. Ao ser solta, saiu do Pará, levando seu segredo.
Eu fiz apenas leve referência ao assunto quando, seis anos atrás, escrevi o artigo “O rei da quitanda” neste jornal. Citei o fato apenas para explicar porque a atual TV Liberal não começou sua existência como uma empresa de propriedade de Romulo Maiorana. Por causa do veto ao seu nome pelos órgãos de informação do governo federal, em especial o SNI (Serviço Nacional de Informações), em função de sua associação anterior ao contrabando, ele teve que colocar em nome de cinco dos seus funcionários a concessão do canal sete de televisão, que recebeu por ato do presidente Ernesto Geisel (inspirado por seu assessor, o general Gustavo Moraes Rego, casado com uma irmã de Otávio Mendonça, advogado de Romulo).
Os cinco supostos donos da então TV Belém tiveram que assinar um “contrato de gaveta” com Romulo, comprometendo-se a devolver-lhe a concessão quando ele a pudesse registrar em seu nome. O mesmo tipo de contrato informal que agora seu filho acusa Jader Barbalho de ter assinado – como de fato assinou – com o falecido empresário Joaquim da Costa Pereira, dono da emissora de televisão que retransmite a programação da Globo em Santarém.
Romulo podia recorrer a esse expediente porque tinha que alimentar sete (ou nove) bocas. Jader – e ninguém mais pode, além dos nobres Maiorana? Como dizia Stanislaw Ponte Preta Preta, pela boca da sábia vovó Zulmira: ou restaure-se a moral ou todos nos locupletemos. O filósofo francês Joseph Proudhon ia mais longe: ele bradava que toda propriedade se baseia no roubo. Não tinha toda razão. Mas tinha muita razão. O Pará o confirma.
Tenso e absurdo
Vê-se, por esses exemplos, que a moral do artigo de Romulo Jr. é a do roto falando do esfarrapado, do sujo falando do mal lavado. Por ter um poderoso instrumento de formação de opinião e de pressão em suas mãos, ele acha que tudo que disser se tornará automaticamente verdade, história. Qualquer contestação aos seus éditos caracteriza a heresia, o pecado, o crime.
Minha ligeira referência ao contrabando serviu de pretexto para quatro das 14 ações que Romulo Jr. e Ronaldo propuseram contra mim perante a justiça estadual. Diante das ações penais, recorri à exceção da verdade e provei tudo que escrevi, como sempre fiz, baseado em documentos. Por isso ganhei as quatro ações que eles propuseram (em uma outra o advogado dos Maiorana perdeu o prazo). Mas ainda há ações cíveis de indenização, que utilizaram a mesma justificativa.
Espero que seus julgadores leiam o que um dos autores dessas ações escreveu. Trata-se também de matéria de ordem pública, que brada aos céus a litigância de má fé, o caráter persecutório dessas abusivas demandas judiciais. Por ter dito nada mais do que a verdade, fui agredido e processado por esses tartufos ao tucupi.
Os dois irmãos Maiorana não têm o menor respeito pela verdade. Dizem o que querem, seja ou não real, e não querem ouvir a resposta. Mesmo em relação a coisas elementares, não se preocupam com os fatos. Romulo Jr. garante no seu artigo que tem 10 processos contra Jader Barbalho na justiça paraense, “que não conseguem andar”, o que o leva a pensar em desaforá-los para Estados vizinhos.
O número está errado. As ações são quatro, incluindo recurso em segunda instância. Os Maiorana conseguiram duas sentenças condenatórias contra o Dário do Pará em apenas um ano e meio de tramitação. Não conseguiram os valores absurdos que propuseram, mas tiveram as garantias requeridas. Em uma das ações lhes foi deferida tutela antecipada contra a divulgação da fraude da Sudam, que viria a ser acolhida pela justiça federal a partir de denúncia do MPF. Perderam uma das ações (com recurso ainda em tramitação, esta realmente prolongada por suspeições) porque pediam absurdos, como o meu indiciamento pela autoria de afirmativas de terceiros.
De fato, magistrados cheios de tibieza e tomados por um medo que não se justifica, juram suspeição mal lhes chega às mãos um processo de gente poderosa. Ainda mais quando é dos Maiorana. Pior quando envolve mais um poderoso, como os Barbalhos. Não é de espantar, assim, que no processo de um Maiorana contra um Barbalho cinco desembargadores tenham se afastado alegando motivo de foro íntimo, como diz Romulo Jr. O inverso também acontece.
Pessoas poderosas costumam agir nos bastidores e se valem de suas armas para intimidar e coagir julgadores suscetíveis a esbirros revestidos da profissão de advogado, cuja indigência técnica é suprida pelas costas largas. Alguns deles são notórios no fórum. Sem a cobertura dos meios de comunicação se reduziriam ao que são: mensageiros de peças nada recomendáveis.
Cada vez mais constantes na movimentação forense, agora na condição de réus em execuções fiscais, os Maiorana valem-se dos seus veículos de comunicação para interferir no curso regular da instrução processual. Posso citar vários exemplos que me envolvem. A desembargadora Maria de Nazaré Brabo de Souza, por exemplo, foi caluniada, em 1994, simplesmente porque autorizou a realização de perícia grafotécnica e grafológica do texto manuscrito da sentença da juíza Ruth do Couto Gurjão, a primeira a me condenar.
Uma nota inoculada clandestinamente (por quem?) na coluna de Paulo Zing, da qual o jornalista só tomou conhecimento ao lê-la no domingo, como qualquer leitor, garantia que a magistrada fora indicada à presidência do Tribunal Regional Eleitoral por Jader Barbalho, para fazer-lhe o jogo político. Sua nomeação, porém, foi assinada por Hélio Gueiros.
Por incrível que pareça, não consegui publicar uma nota de esclarecimento, desmontando a mentira, nem no jornal de Jader Barbalho, embora seu pai, no início da noite, tivesse autorizado a publicação. No fim da noite, por telefone, de Brasília, Jader a vetou. Quem o informou? Como explicar a atitude? Mistérios da corporação das comunicações no Pará.
Outra vítima do simples exercício do seu ofício foi o desembargador Benedito Alvarenga. Notas infiltradas na mesma coluna do PZ acusavam sua esposa de transacionar sentenças do marido pelo corredor do fórum, dentre outras supostas tramóias. O desembargador reagiu de imediato, processando o jornal.
Apanhado no contrapé por uma evidente calúnia (sem falar na injúria e na difamação), O Liberal tentou demover o magistrado, num processo tão tenso e absurdo que contribuiu para a morte de outro desembargador. Para evitar o pior, a empresa concordou em indenizar o magistrado.
A história dos corredores forenses está repleta dessas situações.
Dossiê requentado
Na razzia contra Jader Barbalho, Romulo Maiorana Jr. diz que suas empresas, entre outras irregularidades, que precisam ser verificadas pelas autoridades competentes, conseguem faturar “através de permutas tiradas à força ou chantageando o empresariado”.
Esta é a típica condição de falar de corda em casa de enforcado. O boss do grupo Liberal faria bem a todos exemplificando os casos praticados pelo grupo RBA porque são também numerosos os exemplos de algumas dessas mesmas práticas pelas Organizações Romulo Maiorana.
Não há outra expressão para o jogo de pressão, em escala crescente, que exerceram sobre a Celpa, o Banco da Amazônia e a antiga Companhia Vale do Rio Doce, a única que reagiu, mas acabou se submetendo à vontade das ORM. Fui processado pelos irmãos Maiorana porque fiz as denúncias, mas também, por meio da exceção da verdade, provei tudo que publiquei e ganhei as ações propostas com base nesse argumento.
O que distingue o jornalismo da pirataria feita em seu nome é o respeito aos fatos. Pode-se fazer jornalismo tanto na grande imprensa quanto numa publicação alternativa como esta. Cada um faz sua interpretação ou dedução, mas sem ignorar ou mascarar os fatos. Mesmo quando se enfrenta, nas barras dos tribunais ou fora deles, um personagem intimidante, como são os Maiorana, a pedra no meio do caminho é sempre a dos fatos. Pode-se ser condenado na corte ou massacrado nas páginas de um jornal num primeiro momento, mas a verdade acaba por prevalecer, ainda que venha pós-morte. Desde que não se permita que ela seja sufocada, banida, apagada dos registros
Diferente é usar a presunção de domínio dos fatos como instrumento de pressão, conforme fazem órgãos da grande imprensa. Como fez Romulo Jr. no seu artigo. Depois de admitir que o pai participou do contrabando, que campeou no Pará durante duas décadas, ele procura carimbar esse dinheiro sujo garantindo que, quando vivo, Romulo Maiorana “quase todo dia” recebia Jader Barbalho e seu pai, o ex-deputado Laércio Barbalho, “pedindo dinheiro ou pedindo para trocar cheques, que tenho guardado até hoje”.
Qual não seria o impacto se o capo do grupo Liberal estampasse no seu jornal as reproduções desses cheques? Se os tem, por que não fez – nem faz – isso? Não duvido que os cheques existam ou que, de fato, ele os possua. Romulo Maiorana pai tinha um baú no seu gabinete. Quando estávamos a sós, conversando sem a possibilidade de interrupção, Romulo abria a arca e dela tirava algum papel bombástico, às vezes sob o compromisso do sigilo.
Eram documentos de valor ou mesmo incríveis, parcela marginal da história oficial de vários episódios contemporâneos do Pará – e também do próprio Romulo e do império que estava montando. Num desses encontros disse-lhe que aquele era o único componente do seu patrimônio que eu gostaria de herdar. Então ele tratava de pedir de volta o papel que me apresentara, o colocava no baú e o deixava guardado de novo. Seu sucessor tem esse baú? Preservou todo o seu conteúdo?
Não posso garantir que sim ou que não. O que posso dizer é que nunca vi cheques ou recibos de Laércio ou Jader Barbalho. Não significa que inexistam porque havia desse tipo de documento na arca. E foram abundantes na história do baratismo, a partir do momento em que o chefe, Magalhães Barata, renegou seu passado e se deixou seduzir pela corte que o acompanhava, incensando sua desmedida vaidade para usar seu nome em proveito próprio.
Vi vários desses recibos, alguns chocantes pelo primarismo com que materializavam o assalto aos cofres públicos, na documentação reunida em 1964 para justificar a cassação de vários baratistas no Pará. Não por subversão, embora às vezes esse motivo fosse usado (pelos punidores e pelos punidos), mas por comprovada corrupção. Como se justifica que pessoas brilhantes e inteligentes tenham deixado provas tão arrasadoras dos seus ilícitos? A sensação de impunidade, de poder total, de falta do mínimo controle social.
A máquina baratista tinha, como uma de suas principais engrenagens, os delegados de polícia. Eles costumavam ser bacharéis, vestiam-se como cavalheiros, tratavam da aparência, podiam ser cultos e se destacavam também em outras atividades, além de estarem revestidos da aparência de inocentes. Mas também estavam prontos para exercer – ou mandar praticar – qualquer tipo de violência contra os adversários e inimigos.
Polivalentes, chegavam ou saíam do cargo policial vindo da – ou se encaminhando para a – carreira jurídica. Eram passados na casca do alho, como se dizia. Eram capazes de qualquer arranjo, tramóia, golpe, artimanha. Vários eram completamente amorais. Podiam mandar seviciar uma pessoa de manhã e dormir tranquilamente à noite (e não estou falando em tese, mas de casos concretos).
Os dois grandes antagonistas da vida pública paraense têm suas origens plantadas na enorme árvore do baratismo. Como essas mesmas raízes geraram galhos tão conflituosos? É porque, pretendendo o mesmo butim, uma parte sabe do que pode a outra.
Pode praticamente tudo, porque não tem barreiras, não se impõe limites, como pode-se verificar pela leitura do ataque de O Liberal e da resposta do Diário do Pará. As pesadas agressões serviram de senha para uma guerra aberta, de desfecho imprevisível, do que dá mostra o caderno de 12 páginas da edição dominical do dia 22/5 do jornal dos Maiorana, com um dossiê (na quase totalidade requentado e nem sempre atualizado) sobre as vilanias de Jader Barbalho, no qual se vale da bandeira da OAB do Pará contra a corrupção, emprestada convenientemente.
Seção secreta
Na edição seguinte, Romulo Jr. reservou página inteira para sua fotografia, convocando a população para a passeata anticorrupção da OAB, enquanto Jader abria página dupla para contrapor seus 45 anos como líder político no Pará aos 25 anos de corrupção bradados por O Liberal na véspera.
Se as duas famílias atentassem para o fato de que seu negócio é a informação, e não um bazar de baixarias, usadas conforme as circunstâncias e sem qualquer regra moral ou ética, elas se preocupariam em pelo menos respeitar os fatos. Assim, sua sangrenta e suja secessão teria valor social. Mas se essa regra fosse aceita, todos verificariam que Maioranas e Barbalhos só têm razão quando se acusam, não quando se defendem. Justamente porque estão sujeitos a todo tipo de acusação, para a qual a única defesa é revidar procurando (ou inventando) novas acusações.
Se qualquer dia desses O Liberal reproduzir um cheque ou um recibo de Laércio ou Jader Barbalho pedindo dinheiro a Romulo Maiorana, não apenas virá como resposta a acusação de que o RM pai era agiota, conforme o editorial do Diário, mas uma pergunta necessitada de resposta: onde Romulo Miorana foi buscar o dinheiro empregado para ressuscitar, em 1966, o desmoralizado jornal de Magalhães Barata, e, seis anos depois, colocá-lo na vanguarda nacional com a adoção da impressão em off-set, se a sua rede de lojas, que lhe dera nome e o primeiro poder, falira por completo?
Na resposta certamente serão citados cheques e recibos trocados, dinheiro que veio e não voltou, favor que se transformou em pressão e outros acontecimentos que fariam da passagem de comando em O Liberal enredo para uma apimentada novela da TV Globo, que, aliás, não está nada satisfeita com o desempenho da sua afiliada de Belém, muito pelo contrário. A TV Liberal está ameaçada de ficar atrás da Rede Record na capital do Pará, o que era inconcebível até algum tempo atrás (como era impensável que O Liberal viesse a ser ultrapassado pelo Diário do Pará, como aconteceu).
Um personagem privilegiado dessa história acaba de morrer sem revelar tudo que sabia ou fez: o ex-governador Hélio Gueiros, o último dos velhos baratistas de expressão. Romulo Jr. o cita no seu artigo, atribuindo-lhe a informação de que Jader Barbalho comprou a TV RBA do empresário Jair Bernardino, no ano seguinte ao de sua morte em um acidente de avião, em 1990.
Não é verdade, porém, que Jader Barbalho pagou 13 milhões de dólares (equivalente a 20 milhões de reais de hoje) pela emissora. Ele assumiu dívida nesse valor, quase integralmente junto à previdência social. Não por acaso, foi ministro da previdência social no governo de José Sarney, depois de ter comandado a reforma agrária. O intermediário da transação ainda está vivo (não mais no Pará) e foi o responsável por esse negócio da China. A história real é mais grave do que a versão, mas para a cultura baratista a versão mais útil é a que deve prevalecer. Os fatos? Ora, os fatos.
O capo do grupo Liberal diz que Hélio Gueiros lhe fez a revelação quando estava no cargo de governador do Estado, cargo que assumiu em 1987 e deixou em 1991, sem passar a faixa ao seu sucessor, que voltou a ser Jader Barbalho, também seu antecessor. Em 1982 Hélio escreveu as maiores infâmias contra Romulo pai e sua esposa, Déa no jornal de Jader, lançado nesse ano para apoiar sua primeira candidatura ao governo.
Disse verdades e mentiras, ditas de uma forma que não cabe em um cavalheiro nem num jornalista sério. Mas ditas para obter o que queria: a recomposição com os Maiorana, que se aliaram a ele, quatro anos depois da morte do pai caluniado e traído, para tentar impedir a volta de Jader Barbalho, o que, mais uma vez, não conseguiram. Conseguirão agora “acabar com esse câncer”?
A questão é muito mais complexa e depende muito menos dos Maiorana do que eles pensam. O declínio de Jader é visível. Basta dizer que ele, mesmo querendo, não tem mais votos suficientes para permitir-lhe voltar ao governo. Sua votação para o Senado, no ano passado, esteve 30% abaixo da sua expectativa. Ainda assim, ele teve a segunda maior votação, quando o grupo Liberal batia na tecla de que quem votasse nele perderia o voto, porque ele seria impugnado. A sobrevivência de Jader, com toda a má fama nacional que o estigmatizou, como símbolo da corrupção, é um componente da cultura política paraense.
Qual é a autoridade de Romulo Maiorana Júnior para pretender a missão realmente cívica de acabar com a carreira política de Jader Fontenele Barbalho, já danosa ao Pará? O que tem feito esse cidadão pelo bem público? Qual a sua participação nas causas sociais? Que legitimidade o povo lhe conferiu? Onde se apresentam as qualidades da sua vida privada e pública como modelo para os demais cidadãos?
Se o prontuário de Jader Barbalho é negro, a biografia de Romulo Jr. é melancólica. Ele não é padrão para nada, muito menos para a res publica. Sua república é individual, fechada, egocêntrica e falsa.
A cizânia dos herdeiros do caudilho Magalhães Barata destampou um compartimento secreto da história paraense. Esse processo pode causar escândalo, indignação, espanto. Mas, como dizia o filósofo, não se faz omelete sem quebrar ovos. A quebradeira começou.
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Desembargador manda arquivar ações de Maiorana
O desembargador João Maroja, da 3ª câmara criminal isolada do Tribunal de Justiça do Estado, extinguiu, no dia 12, quatro ações penais propostas contra mim pelos irmãos Romulo e Ronaldo Maiorana, de um total de cinco que ajuizaram depois que Ronaldo me agrediu fisicamente, em janeiro de 2005. Uma delas foi arquivada porque os donos do grupo Liberal perderam o prazo para recorrer da decisão de 1º grau.
A juíza da 7ª vara criminal, Odete Carvalho, me absolveu em todas as ações, instauradas com base na Lei de Imprensa, de 1967, sob a alegação de que eu teria ofendido os dois irmãos e à memória do pai deles, por fazer referência à sua associação no passado com o contrabando no Pará. Através da exceção da verdade, que inverteu a autoria das ações, provei que tudo o que foi publicado no Jornal Pessoal era verdade, através de documentos e depoimentos de ex-funcionários do grupo Liberal.
Os Maiorana apelaram da absolvição. O recurso chegou ao TJE em julho de 2007. A desembargadora Raimunda Gomes Noronha foi sorteada para relatar os processos, mas em agosto de 2008 decidiu suspender a apreciação do feito e mandou o processo para a secretaria, onde deveria aguardar até que o Supremo Tribunal Federal decidisse sobre o mérito da argüição de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, para a qual já antecipara a medida liminar suspensiva.
Mas a desembargadora, que assumiria a presidência do TJE, não esperaria para decidir, passando o processo para a desembargadora Vânia Bitar Cunha. Ela jurou suspeição por motivo de foro íntimo. Sua atitude foi repetida pelo relator seguinte, Romulo Nunes. Já neste ano, depois de deixar o cargo de presidente do tribunal, ao receber o processo, o desembargador se declarou suspeito. Disse que foi “surpreendido por uma denúncia”, publicada neste jornal (edição 487), “em que transcreve graves denúncias sobre vários magistrados paraenses”. Entre os denunciados ao Conselho Nacional de Justiça está um “irmão legítimo” do ex-presidente, também desembargador, Ricardo Nunes, “sem que [o jornal] tivesse o cuidado de averiguar sua veracidade”.
Apenas uma semana após receber o processo, o desembargador João Marajó extinguiu a pretensão punitiva dos Maiorana porque ela já estava prescrita. A prescrição ocorreu em 17 de outubro de 2008, antes mesmo de as apelações serem proposta pelos dois irmãos, porque a sentença da juíza Odete Carvalho foi de absolvição e por issonão ocorreu nenhuma interrupção no prazo prescricional, de dois anos, a partir do recebimento da denúncia, em outubro de 2006.
O quarto relator do processo no tribunal se declarou surpreso “que o evento não tenha sido percebido pelo juízo que mandou processar o recurso, nem pelo apelado nem pelo Ministério Público, quando emitiu seu parecer, nem pela relatora que me antecedeu, sem firmar suspeição” – “sucessivas declarações de suspeição”, conforme destacou, nenhuma delas provocada pelas partes, de iniciativa dos magistrados. Ressaltou o desembargador Maroja que a prescrição “é matéria de ordem pública e deve ser declarada a qualquer tempo”.
Humor negro
De fato, é surpreendente que os sete representantes do poder judiciário que funcionaram no processo no juízo singular e no grau de recurso a um dos colegiados do tribunal não se tenham apercebido de um fato elementar, que devia saltar aos olhos de qualquer julgador, relator ou representante do Ministério Público. Seu dever de ofício é verificar, de imediato, se a ação continua ou não válida.
As queixas-crimes dos Maiorana ainda sobreviveram quase três anos à prescrição, subindo do juízo singular para a câmara criminal e sendo motivo de três sucessivas declarações de suspeição por foro íntimo. Mesmo que se julgassem impedidos de apreciar a questão por convicção pessoal, os magistrados tinham o dever de atentar para a matéria de ordem pública e declarar a prescrição, como fez o desembargador Maroja tão logo pôs os olhos nos autos.
E por que o apelado (eu) não tomou essa iniciativa? Porque queria destacar exatamente o que, felizmente, o desembargador João Marajó acabou por demonstrar: a parcialidade com que se comportam determinados magistrados ao enfrentarem questões consideradas explosivas, como todas as que envolvem os Maiorana e a mim.
Quando a primeira ação – das 19 interpostas por três integrantes da família – surgiu no fórum, em 1992, eu compareci espontaneamente ao cartório e me dei por citado. Estava convicto das minhas razões e da verdade que haveria de assegurar a minha inocência. Mas, por puro arbítrio e abuso de direito, fui condenado. Insisti em querer sempre a apreciação do mérito das demandas e em quatro delas recorri ao instituto da exceção da verdade para demonstrar tudo que escrevi.
Nunca busquei a prescrição. Faltei apenas a uma das dezenas de audiências para as quais fui intimado, por motivo superior, devidamente justificado e abonado. Mesmo enfrentando magistrados tendenciosos, continuei a defender os meus direitos, enquanto meus algozes ignoravam as convocações da justiça e faziam pouco caso das suas deliberações.
Por isso não alertei os julgadores das ações penais dos Maiorana para a prescrição. Mas fiz seguidas advertências para a morte de outro dos meus perseguidores, o empresário Cecílio do Rego Almeida, também matéria de ordem pública, e não fui ouvido. Mais de dois anos depois, quando o poder judiciário finalmente se dignou a acolher o alerta, foi para prorrogar prazo para a habilitação do autor e conferir-lhe liberalidades nessa concessão, ainda pendente de uma definição final.
Romulo Maiorana Júnior, tantas vezes beneficiado pelas decisões de magistrados do TJE, agora, em excesso de humor negro, diz que está propenso a pedir o desaforamento das suas ações contra o jornal de Jader Barbalho porque os julgadores não julgam. A justiça do Pará prova do veneno que instilou e é obrigada a acolher o monstro que criou.
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Silêncio judicioso
O desembargador Rômulo Nunes recusou-se a relatar os quatro recursos dos Maiorana contra a minha absolvição pela juíza da 7ª vara penal. Foi seu protesto contra minha matéria, que citou seu irmão como um dos denunciados ao CNJm acusado de dar cobertura a duas pessoas, uma delas seu genro, e favorecê-las em demandas judiciais. O ex-presidente do TJE disse que eu transcrevi as acusações “sem que tivesse o cuidado de averiguar sua veracidade”. E mais não disse. Nem seu irmão.
Todos os nobres personagens dessa história preferiram continuar em silêncio público, embora aleguem não ter tido a oportunidade de se defender e dizendo-se injustiçados. Por que não se defendem agora? O espaço neste jornal está aberto para que eles exerçam seu direito de resposta. Ouvi-los não cabia na primeira matéria, publicada na edição 488.
Por ser extensa e minuciosa, além de grave, a acusação feita ao Conselho Nacional de Justiça exigia uma reportagem específica. O que fiz foi checar todos os documentos constantes dos autos dos processos citados na denúncia, para verificar se as alegações tinham fundamento. E tinham mesmo. A demonstração é o silêncio geral, só interrompido pela carta da promotora Ociralva Tabosa, publicada na edição anterior.
De tudo o que a representante do Ministério Público disse, a conclusão é que a digna promotora apenas mudou de opinião sobre o Jornal Pessoal: deixou de ter a “certa admiração” que tinha por ele. Isso acontece quase sempre quando o leitor é contrariado. Não me surpreende a reviravolta no juízo. Continuo aguardando as retificações dos fatos noticiados pelo jornal na sua edição anterior.
Nenhum deles foi abordado pela nobre promotora, que apenas registrou sua insatisfação e assegurou não ter dado “embargo de gaveta” ao processo, que esperou durante dois longos anos por sua denúncia. Portanto, o JPmais uma vez não foi desmentido. Porque, novamente, pode provar tudo que publicou. Por isso os contrariados, ao invés de pelo menos se proporem a responder de público a questões públicas, como fez a distinta promotora (embora sem abordar as questões polêmicas), transferem suas mágoas para os autos dos processos que ajuizam contra mim, imaginando assim sonegar o debate junto à opinião pública, verdadeiro árbitro das contendas. O que explica o silêncio dos personagens citados.
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Educação
No primeiro parágrafo da versão abreviada e simplificada de Hard Times (Tempos Difíceis), feita por Ronald John para a Longman, Charles Dickens adverte um professor pela voz de seu personagem: “‘Eu quero Fatos’, o Sr. Gradring disse. ‘Ensine esses garotos e garotas só Fatos, senhor! Eu educo minhas próprias crianças com Fatos e quero que você eduque essas crianças em cima de Fatos. Nada mais os ajudará tanto’” (em tradução livre).
Os formadores de opinião pública, de professores a jornalistas, de blogueiros a artistas, deviam pensar nessas palavras. É o que de melhor se podia esperar da educação tanto na era vitoriana do grande escritor inglês quanto hoje. Com os fatos vitais, cada um formará melhor seu juízo e a sociedade prosseguirá como uma soma de cidadãos conscientes.
O desafio, a partir dessa premissa, vem em cascatas. Onde estão os fatos? Quais são os fatos realmente importantes? Por que eles são fatos e não apenas versões e interpretações (sem deixar de enunciar as três ordens de situações)? Que fatos precisam estar na agenda diária dos cidadãos? O que esses fatos significam? Quais os seus efeitos, bons e ruins? Quem se beneficia da criação ou do conhecimento dos fatos? Quais fatos estão sendo sonegados do público? Por que só alguns têm acesso aos fatos essenciais? Como abrir as porteiras ao seu ingresso?
É missão da imprensa atender a todas essas perguntas no seu mister cotidiano. Só assim a sociedade se tornará realmente livre e democrática, como queremos. E ao cidadão ir atrás dos fatos e cobrá-los quando não são apresentados. Assim, acompanhará, fiscalizará e interagirá com a imprensa e as demais instituições da vida coletiva. Eis uma boa tarefa de casa. Para todos os dias.