Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo digital está virando um quebra-cabeças editorial

(Foto: Unsplash)

A maioria dos jornalistas e executivos da imprensa contemporânea tem uma grande dificuldade em entender o jornalismo digital como um desafiador e complexo quebra-cabeças. Ainda é muito forte a cultura profissional baseada num jornalismo linear e sequencial. Até muito recentemente, os profissionais só se preocupavam com o veículo onde trabalhavam. Cada empresa fazia questão de atuar de forma autônoma e autossuficiente em matéria noticiosa. Isso era consequência de uma tecnologia ultrapassada que impedia a diversificação dos formatos possíveis na apresentação das informações.

Hoje, o jornalismo tende a ser praticado num conjunto de plataformas integradas, onde o sucesso de uma depende do êxito das demais. As novas tecnologias de informação e comunicação geraram uma violenta concorrência pela atenção dos usuários, o que está levando as empresas e jornalistas autônomos a explorar todas as possibilidades digitais para atrair diferentes segmentos do público.

A narrativa jornalística, antes submetida a uma camisa de força pelas limitações das tecnologias disponíveis, hoje pode assumir diferentes formatos visuais e auditivos, além de diversificar abordagens e buscar, a todo custo, uma interação com leitores, ouvintes e telespectadores. Alguns projetos jornalísticos já exploram inclusive a apresentação de dados, fatos, eventos e processos políticos ou econômicos num formato de jogos online. É a tal da “gameficação” da notícia.

O jornalista também deixou de ser a referência exclusiva em matéria de desenvolvimento de narrativas. Hoje, ele está condicionado por novos atores no processo informativo, como os programadores, gerentes de engajamento, gerentes de redes sociais, gerentes de sustentabilidade, produtores de multimídia e outros. Todos esses atores, de forma direta ou indireta, passaram a interferir no desenvolvimento de uma narrativa jornalística, limitando o papel do velho repórter ou editor.

Os hábitos antigos não desaparecem da noite para o dia. A velha cultura jornalística tentou, e ainda tenta, incorporar à estrutura tradicional as novas possibilidades informativas criadas pela era digital. É como tentar colocar um motor turbo elétrico num Fusca. Pode até funcionar, mas haverá um enorme desperdício de dinheiro e perda de eficiência.

Mas, no jornalismo, a herança da era analógica levou muita gente a apostar na integração da cultura de plataformas como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e WhatsApp no site de jornais, revistas, telejornais e emissoras de rádio. O objetivo era levar o público do Facebook para dentro dos jornais, mas a iniciativa fracassou.

Cada macaco no seu galho

Muitos jornais acharam, por volta de 2010, que se incorporassem o Facebook, ou outra rede social, à sua plataforma de publicação de notícias, isso aumentaria o fluxo de visitantes. Partia-se do pressuposto que uma pessoa, depois de ler as manchetes, poderia entrar numa rede para contatar amigos e conhecidos, sem sair da plataforma. Só que o esquema não funcionou porque as partes envolvidas estavam mais interessadas em roubar leitores uma da outra do que numa cooperação editorial. Além disso, a questão financeira e a divisão do faturamento publicitário sempre dividiu mais do que uniu os parceiros.

Uma década mais tarde, pesquisadores acadêmicos e programadores digitais começam a testar modelos de integração editorial online priorizando a diversificação na abordagem da notícia, em vez de dar mais importância ao relacionamento entre empresas. A preocupação central passou a ser a busca do máximo envolvimento do público com a notícia, usando formatos diferenciados como manchete, texto explicativo, análise, vídeos, tabelas e animações.

Dando um exemplo concreto. As características da plataforma Twitter a tornam especialmente apta para publicar manchetes (títulos) de notícias de forma impactante, rápida e sintética. Já o Facebook oferece mais espaço para detalhamento sumário da informação e a possibilidade da interação entre leitores de uma mesma notícia. Caso as páginas do jornal, revista, rádio ou TV no Twitter ou Facebook tenham despertado o interesse do leitor, ele poderá satisfazer sua curiosidade por mais detalhes como banco de dados, infográficos e realidade virtual na página web do veículo jornalístico acessado.

A pirâmide invertida

O esquema sumário descrito acima já indica que a produção de uma notícia jornalística tende a ser, cada vez mais, uma operação complexa, porque os editores terão que pensá-la segundo as especificidades de diferentes plataformas. Não se trata mais de produzir um texto e republicá-lo igual em diferentes plataformas, como ainda se faz em muitos jornais e revistas, onde a notícia é produzida para a versão impressa e depois copiada para a web.

Para produzir notícias e disputar a atenção do público, os editores de um projeto jornalístico terão que montar uma página web, criar uma conta no Twitter, ter um espaço no Facebook e no YouTube, por exemplo. A notícia será distribuída entre plataformas, em versões diferentes, para aproveitar as vantagens específicas de cada uma delas. Essa diversificação na apresentação da notícia acaba com a hegemonia da teoria da chamada “pirâmide invertida”, uma expressão jornalística usada para expressar a preocupação de começar sempre uma notícia com aquilo que o redator considera mais importante, inédito, curioso ou paradoxal.

Assim, o exercício do jornalismo na era digital tende a ser cada vez mais complexo, porque as notícias estão deixando de ser lineares, tipo começo, meio e fim. Em breve, você vai pular do Twitter para o Facebook, para o Youtube ou uma página web quando estiver interessado num mesmo assunto. Se, por um lado, a complexidade vai exigir dos jornalistas muito mais preparo técnico, sensibilidade social e capacidade de relacionar informações, por outro, o resultado do trabalho dos profissionais envolvidos na produção de uma notícia terá a capacidade de gerar um envolvimento dos leitores com o tema abordado numa intensidade muito maior do que na era do papel. A maioria das pessoas ainda não se deu conta dessa mudança revolucionária, mas é o que já está começando a acontecer.

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Carlos Castilho é jornalista profissional, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.