Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O novo Brasileirão entre o modelo espanhol e o inglês

Um dos assuntos mais comentados nos atuais tempos da crônica esportiva, e principalmente dos veículos de comunicação que pautam outros veículos de comunicação, o efeito “Sônia Abrão” e “Flávio Ricco” da mídia é a divisão dos famigerados direitos de transmissão para eventos esportivos nos canais brasileiros.

A negociação das próximas três temporadas da Liga dos Campeões da Uefa, que terminou com a inesperada vitória do grupo Turner/Esporte Interativo e causou tristeza e comoção na ESPN Brasil, foi destaque nos principais veículos de informação do Brasil, com matérias especiais, análises de todos os tipos e gêneros e previsões apocalípticas sobre o destino da derrota da ESPN.

Esse exemplo, uso apenas para mostrar como a mídia esportiva vem ganhando status dentro daquilo que ela movimenta. Brigas com caráter clubístico acentuam-se entre amantes do Galvão, os anti-Globo, aquelas que querem a Record na frente, os amigos do Robert Iger (presidente do Grupo Disney, que controla a ESPN), os fãs da “nova forma de se transmitir futebol”, do Esporte Interativo/Turner, e a descontração do grupo Fox Sports.

Uma parcela considerável dessa preferência acentuada, e que se reverbera em exaltadas manifestações na terra de ninguém chamada internet, é a forma como os times para os quais o torcedor exalta sua paixão, é feita. Basicamente, as linhas editoriais dos canais televisivos esportivos é a mesma. Grande cobertura do eixo Rio-SP, Corinthians e Flamengo principalmente, informações rápidas dos times mineiros, gaúchos e baianos, enquanto as demais praças ganham atenção em raros momentos de destaques não costumeiros de seus times, numa boa campanha no campeonato brasileiro, por exemplo.

Foto Wikimedia / CC

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Valores dos contratos das principais equipes

Times de futebol, clubes, paixões, torcida, alegrias, tristeza, emoção sendo aflorada, dinheiro. Sim, eis o assunto deste texto. Grana. É o dinheiro que movimenta as transmissões de futebol pelo país, seja na TV a cabo ou na aberta. As emissoras de televisão só investem na compra milionária desses produtos porque recebem de volta muito dinheiro. Dinheiro que é revertido na contratação de profissionais, na compra e manutenção de equipamentos, nos gastos com viagens, alimentação, transporte e no pagamento dos direitos de transmissão.

E este é o foco que pretendo abordar. Estão acontecendo as negociações dos direitos de transmissão da Liga Sul/Minas/Rio, novo torneio esportivo que acontecerá nos moldes da Copa do Nordeste e da Copa Verde, reunindo clubes de Minas Gerais, dos estados do Sul do Brasil e Fluminense e Flamengo, times cariocas que estão brigados com a Federação Carioca de Futebol.

Capitaneada pelo controverso Alexandre Kalil, a Liga tem como mote criar um embrião em rápido desenvolvimento, de uma organização própria dos clubes para um campeonato nacional, da mesma maneira que acontece nos torneios ingleses, espanhóis e mexicanos, em que a federação nacional de futebol não é responsável pelo principal certame nacional de clubes. Claramente e publicamente espelhados na Premier Legue, vulga competição máster do futebol da terra de Elizabeth II, os dirigentes que comandam essa nova entidade buscam, além da independência da CBF, uma nova forma de distribuição dos direitos de transmissão na televisão no que tange às cotas de cada clube.

Atualmente, pela forma adotada desde a morte do clube dos 13, implodido por interesses individuais de presidentes famigerados por mais receita e menos união institucional, cada entidade negocia individualmente seus contratos com a TV, que detém os acordos com os principais times. A Rede Globo. Neste modelo, apenas pelo campeonato brasileiro temos a seguinte distribuição dos valores para as principais equipes, por temporada, de 2016-2018:

Grupo 1 – Corinthians e Flamengo – R$170 milhões cada

Grupo 2 – São Paulo – R$110 milhões

Grupo 3 – Palmeiras e Vasco – R$100 milhões cada

Grupo 4 – Santos – R$80 milhões

Grupo 5 – Cruzeiro, Atlético/MG, Grêmio, Internacional, Fluminense e Botafogo R$60 milhões cada

Grupo 6 – Coritiba, Goiás, Sport, Vitória, Bahia e Atlético/PR – R$35 milhões cada.

Os critérios usados para a divisão

É notório que os dois times de maior apelo nacional, seja pela já comentada divulgação midiática nacional que recebem, seja pela quantidade de indivíduos que dizem torcer para tais clubes, recebem muito mais que as outras equipes. A diferença, anual, do valor que Corinthians e Flamengo recebem, 170 milhões de reais, para os times do chamado Grupo 6, é de incríveis 135 milhões de reais. 4,8 vezes a mais de verba destinada para o time da Gávea e de São Jorge, do que para Coritiba, Goiás, Sport, Vitória, Bahia e Atlético-PR.

Entre as várias ligas mundiais de apelo, temos dois modelos que mais se destacam. O espanhol, com uma divisão claramente binária e que favorece duas marcas, e o inglês, de maior “justiça”, e com valores mais perto do equilíbrio.

Segundo levantamento realizado pelo GloboEsporte.com em 22/05/2015, pela temporada 2013/2014 da La Liga, campeonato espanhol, enquanto Real Madrid obteve € 162,6 milhões com direitos de transmissão, o Real Valladolid conseguiu € 15,6 milhões. Uma diferença de 10,42 vezes de um para o outro. Isso, ao considerarmos apenas times da primeira divisão que divulgaram em seu balanço financeiro dados de arrecadação com direitos de imagem televisiva.

Já no que tange à Premier Legue, o equilíbrio se mostra muito maior. O Chelsea, com £ 139 milhões arrecadados, tem a maior receita com televisão do país; o Cardiff City, com £ 63 milhões, tem a menor, também considerando-se a temporada 2013/2014. Uma diferença de 2,2 vezes. Muito menor que La liga. Tal situação pode ser explicada baseando-se nos critérios usados para a divisão: 50% são igualitários para todo mundo; 25% dependem do mérito esportivo, conforme a colocação na tabela na temporada anterior; e 25% obedecem ao número de partidas televisadas, com um valor mínimo assegurado até para quem teve muito menos jogos transmitidos.

Perguntas e mais perguntas

O grande medo da maioria dos clubes – com exceção, esperada, dos dois mais beneficiados, Flamengo e Corinthians – é que o efeito espanhol acabe por desaguar no Brasil. Na Espanha, basicamente três clubes, sendo um a duras penas, comandam as chances de títulos na liga nacional. Real Madrid e Barcelona, os mais beneficiados pela verba de TV, sempre aparecem como favoritíssimos para levantar a taça, enquanto Real Madrid e Sevilla costumam também disputá-lo, mas com menos chances e com raros triunfos sobre seus adversários. As outras equipes, basicamente brigam pelas vagas para a Liga Europa, espécie de Copa Sul-Americana europeia.

Por isso, a criação da Liga Sul/Minas/Rio propõe uma divisão aos moldes ingleses, que possui menor distanciamento de verbas, uma divisão dita mais equânime, e maior competitividade entre os times. O valor dos direitos de transmissão causa, sim, uma grande importância na formação das equipes. Além de valores consideráveis, são percentualmente a maior fonte de renda dos clubes. Alguns tem mais de 50% de sua receita exclusivamente vinda da grana de televisão.

Em reuniões realizadas entre os clubes, a atual Liga e seu comandante Alexandre Kalil defendem uma divisão ao molde inglês. Segundo informações divulgadas pelo jornalista Tiago Mattar, do Super Esportes, a proposta de Kalil apresenta uma divisão igualitária entre os clubes filiados de 44% do valor a ser pago pela emissora detentora dos direitos – cada equipe ficaria com cerca de 3,66% –, outros 44% para visibilidade (pay-per-view, por exemplo) e 12% destinados à premiação da Liga.

Entre os times que participam da formação da Liga, apenas um não se agradou, segundo as informações divulgadas nos veículos de comunicação: o Flamengo. Os motivos, além de serem óbvios, são, do ponto de vista individual do Flamengo, plausíveis. Ora, se o time da Gávea recebe um valor muito superior às outras equipes pelos direitos, por que o time gostaria de receber menos, percentualmente, que atualmente? Manter uma diferença de seis vezes de arrecadação para outras equipes é, sim, um bom negócio para o Flamengo. Se o time arrecada muito mais que seus adversários, a possibilidade de criar times mais fortes, competitivos e imbatíveis é notória. A diretoria do Flamengo quer ganhar títulos, aumentar sua credibilidade com seus associados e com a torcida. Defender os interesses individuais é aceitável.

A pergunta correta, e que não possui consenso na sua resposta, é se para o esporte em si é positivo. Times muito mais fortes que seus adversários, injetados de dinheiro e com companheiros de torneio defasados financeiramente é um bom negócio para o esporte? E para a televisão? Ter duas grandes marcas, que beneficiam suas audiências, que hoje raramente passam dos 20 pontos de ibope na grande São Paulo, e seus anunciantes é mais negócio que a beneficie do conjunto, da Liga e do esporte? Depender de Corinthians e Flamengo, e do seu desejo de ganhar cada vez mais, além da insatisfação dos outros clubes, torcedores e telespectadores, traz resultados positivos? A criação da Liga vai mudar o cenário que acontece no momento e parece não ter outra forma de mudança a não ser com a criação de uma instituição independente que regule esses negócios dos clubes, pelos clubes e para os clubes?

Perguntas e mais perguntas que possuem diversas vertentes de resposta e de possibilidade, tanto para o produto principal, o futebol, quanto para o secundário, a televisão. Para uma resposta menos abstrata e mais pragmática, aguardemos, até o ano que vem, como ficarão os negócios da Liga Sul/Minas/Rio. Com cara de La Liga ou com cara de Premier Legue?

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Bruno Henrique de Moura é jornalista