Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Assim não há humor que agüente

No rádio e na TV, há uma onda de anúncios que pretendem ser engraçados. São frequentemente baseados num diálogo como este, ouvido há dias na Rádio Cultura, de São Paulo:

– Fulano, você conseguiu convencer o freguês a levar aquela TV sem garantia?

– Consegui sim, patrão.

– E ainda vendeu essa TV por um preço mais caro?

– Vendi, sim senhor.

– Puxa, você é bom de lábia mesmo. Agora vá convencer minha mulher de que aquela mancha de batom na minha cueca não é o que ela está pensando.

O script não era bem este, mas ia por aí. Não me lembro do nome do anunciante nem do que vendia. Esse tipo de publicidade remete à velha questão: um anúncio deve chamar atenção, mas não a ponto de ofuscar a identificação daquilo que anuncia. Quando o anúncio é muito mais um anúncio de si mesmo do que do produto, do serviço ou da idéia que deveria anunciar, ele presta um desserviço à empresa que paga a sua veiculação e os salários dos publicitários que o produzem. O desserviço, no entanto, é muito pior quando esse anúncio é veiculado repetidas e repetidas vezes, até a exaustão.

Mau serviço

Suponhamos que um anúncio seja realmente engraçado, assim como uma boa piada de loira ou de português. Você continuaria a achar graça se tivesse de ouvir várias vezes por dia, todos os dias, a mesma piada, contada pela mesma pessoa? Você não acabaria irritado, de má vontade com o contador da piada?

Os anúncios são programados para um certo número de inserções diárias, durante um certo tempo em certas emissoras de rádio ou TV. Boa parte dos ouvintes e espectadores dessas emissoras são sempre os mesmos, já que as pessoas têm hábitos regulares. Essas pessoas acabarão achando insuportável o tal anúncio engraçado e dificilmente terão disposição favorável para comprar o produto ou serviço anunciado – se conseguirem identificá-lo.

Uma resistência parecida pode nascer no espectador dos comerciais de TV concebidos como sketches. No espaço de 30 segundos, desenvolve-se uma historinha entre protagonistas que dialogam, com um desfecho pretensamente inusitado ou engraçado.

[Embora se tenha autoproclamado como uma das mais criativas do mundo, a publicidade brasileira é, na televisão, essencialmente oral. Feche os olhos e ouça: você entenderá perfeitamente as mensagens de quase todos os comerciais de um intervalo. Deixar de aproveitar as possibilidades da comunicação visual não é necessariamente uma deficiência. Somos um povo oral, preferimos falar e telefonar a qualquer outra forma de comunicação. Nossa comunicação visual geralmente se limita à gesticulação, importante acessório da comunicação oral. Talvez por isso a publicidade na TV ainda é bastante publicidade de rádio. Afinal, bem adequada.]

Esses sketches podem ser até interessantes, mas repetidos ad nauseam prestam um mau serviço ao anunciante que, otimista, desembolsa dinheiro graúdo para pagar sua produção e veiculação.

A presunção

Ao conceber uma historinha dessas ou um anúncio engraçado, a agência de publicidade deveria também conceber um plano de veiculação que poupasse o público das infindáveis repetições. Não há humor e paciência que resistam.

Aqui entra também um outro ingrediente, a presunção. Publicidade é publicidade, não é outra coisa. Tem o seu lugar, o seu papel, e não pode exorbitar. Você pode até ser um cineasta, um escritor, um artista, um humorista, mas é impróprio tentar expressar-se por meio de um comercial, de um texto de anúncio ou de um spot que o cliente aprovou e paga para divulgar.

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