Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleições e o Código de Defesa do Consumidor

Transcendendo o mundo real e embarcando em uma viagem estilo ‘Alice no país das maravilhas’, imaginem a possível aplicação das normas de consumo – Código de Defesa do Consumidor – aos pleitos eleitorais.

A sensatez exige o estabelecimento de alguns pressupostos para evitar qualquer tipo de mal entendido e espancar qualquer dúvida, ressaltando o caráter fictício das colocações.

Atualmente, o Brasil rege-se politicamente pelo sistema da democracia semi-indireta, que mescla institutos de representação (conferindo poderes aos ‘representantes do povo’) e participação direta do povo nas funções de governo. A natureza jurídica da representação desenvolve-se através da teoria do mandato, que pode ser representativo, imperativo ou partidário. O direito ao voto revela um exercício de cidadania e deve ser bem utilizado por seus titulares.

Afastando-se da técnica jurídica vigente e voltando a nossa viagem tal como a de Alice, nota-se que os publicitários e seus clientes (candidatos a pleitos eleitorais) enfrentariam enormes problemas diante da possibilidade ventilada no início do texto.

O Código de Defesa do Consumidor elegeu alguns tipos de publicidade como ilícitas, quais sejam: a) simulada, b) enganosa e c) abusiva.

Publicidade simulada para a lei protetiva do consumidor é aquela que oculta o seu caráter de propaganda. Considera-se enganosa aquela capaz de induzir o consumidor em erro. A abusiva, por sua vez, é a publicidade que agride os valores sociais.

Os critérios tornam mais agradável o percurso de nossa viagem.

Portanto, seria publicidade simulada a veiculação de determinados símbolos, capazes de provocar, mesmo que inconscientemente, uma relação entre o realizador da obra e a obra? Retornando rapidamente à realidade, vale lembrar que a Constituição Federal veda a utilização de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou serviços públicos. De volta a viagem, como é possível desvincular tal símbolo? Como coibir a utilização?

Mais adiante, surgem eleitores que se consideram iludidos por campanhas eleitorais. As promessas eleitoreiras seriam caracterizadoras de dolus bonus (aquele aceitável) ou dolus malus (aquele que vicia a vontade)? A construção de um candidato é capaz de induzir um ‘consumidor’ em erro? Esse fantasioso produz a publicidade enganosa?

E discursos do jaez violento como o de implantação de programas de segurança estilo ‘tolerância zero’ podem ser sintomas de publicidade abusiva? Afrontam valores sociais como o da dignidade da pessoa humana?

Nessa viagem e na realidade (somente nas relações de consumo), para o Código de Defesa do Consumidor, a realização de publicidade enganosa ou abusiva gera responsabilizações civis, penais e administrativas, atribuindo obrigação de indenização material e moral àquele que, comprovadamente, lançar mão destas técnicas consideradas ilícitas. Não obstante, referida legislação determina a veiculação de contrapropaganda, que desfaça os efeitos do engano ou do abuso.

Porém, somente na viagem vigora o princípio da transparência, da exigência de veiculação de informações precisas, sem reserva mental ou qualquer outro tipo de ardil.

A viagem termina e com o desembarque, frente à realidade, surge à tona a certeza de que a escolha de um representante não se equipara a uma relação de consumo e jamais se aproximaria desta por inúmeros fundamentos e razões, o que torna inconcebível e inadmissível a utilização do Código de Defesa do Consumidor a publicidade eleitoral.

Mas, não é forçoso reconhecer que a exigência de uma apurada verificação da veracidade das informações veiculadas nas campanhas eleitorais, por parte dos eleitores, possam propiciar uma escolha mais acertada.

É fato que nada vincula juridicamente o eleito à vontade de seus eleitores, mas também é fato que sua representação é por prazo determinado e, já que não se pode devolver (direito de reflexo) a ‘mercadoria’ ou exigir indenização, como na relação de consumo, confere-se ao eleitor o direito de não ‘adquiri-la’ mais nos próximos pleitos.

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Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) e especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade de Franca (Unifran)