Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Algo começa a acontecer


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Os telejornais desta noite estavam encharcados de sangue. Sangue de crianças manchando as mãos de criminosos pouco mais velhos do que crianças, numa rotina duplamente trágica. Mas algo começa a acontecer.


Vinte dias depois, o menino João Hélio venceu a inércia e continua em pauta, emocionando e indignando o país inteiro. É um milagre de persistência, considerando que sobreviveu ao Carnaval e superou nossa vocação para a amnésia.


Para esta sobrevivência, triste reconhecer, foram decisivas as bárbaras circunstâncias do assassinato do menino. Mas há outro dado que convém acrescentar: a revolta foi encabeçada pelas mulheres. Foram elas que empurraram o debate para uma esfera muito além da política convencional e até agora jamais alcançada.


Embora não tenham se confrontado diretamente, Governo e imprensa estiveram e ainda estão em posições opostas e conflitantes. Porque a imprensa foi tão bem sucedida na mobilização da sociedade, o Governo trancou-se e aferrou-se à questão da diminuição da maioridade penal esquecido do seu papel maior como o narrador das grandes comoções nacionais.


Para compensar a frieza e o distanciamento do mundo oficial, surgiram iniciativas individuais que revelaram o sentido de comunhão e comunidade há muito tempo arquivado. Entre estas iniciativas, a da família de Candido Portinari que abriu mão dos direitos de reprodução de cinco mil obras do nosso maior pintor, desde que utilizadas em mensagens de solidariedade.


A perplexidade do filósofo Renato Janine Ribeiro diante da crueldade que domina a cena brasileira é outro momento de excepcional importância neste episódio. Estamos aprendendo a encarar e conviver com o sofrimento, com as dúvidas.


Por tudo isso, essa é uma quaresma que dificilmente será esquecida. Ela pode marcar o reencontro com a nossa humanidade.


Assista ao compacto desse programa em:
www.tvebrasil.com.br/observatorio/videos.htm