Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Morte em vida

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Um refugiado austríaco enxotado pela barbárie europeia enxergou naquele sossegado país de apenas 50 milhões de habitantes a potência internacional das próximas décadas. Stefan Zweig foi caluniado e desprezado quando lançou em seis idiomas, em plena guerra, a sua utopia "Brasil, um país do futuro". Não foi a mágoa pelas duras críticas que o levou ao suicídio, seis meses depois. As dores do pacifista e humanista não eram pessoais, eram as dores de um mundo a beira do abismo.

A quimera brasileira de Stefan Zweig previa logo nas primeiras páginas um país aberto aos milhões de refugiados que buscavam um santuário do outro lado do Atlântico. Esta abertura não aconteceu. Entre 33 e 45 o Brasil recebeu 23 mil refugiados, menos do que a Argentina, que recebeu cerca de 35 mil. Os Estados Unidos receberam 100 mil.

A história da Segunda Guerra Mundial não pode ser relatada sem o trágico desfecho para seis milhões de vidas desaparecidas na macabra "solução final". Este desfecho só pode ser entendido e assimilado quando se desvenda a insensibilidade internacional diante da catástrofe anunciada há anos nos discursos de Hitler e Goebbels.

O carimbo num passaporte deixou a esfera da burocracia para se transformar numa questão de vida ou morte, mas o mundo tapou os ouvidos ao clamor dos desesperados sob os mais mesquinhos interesses nacionais. Ninguém prestou atenção naqueles cujo único interesse era sobreviver. Além da crueldade dos carrascos e da bravura dos soldados, é preciso lembrar dos estadistas que empenhados na luta contra o mal absoluto esqueceram-se das vítimas.

Quantos dos seis milhões de mortos poderiam ter sido salvos? Esta é uma conta que, até hoje, ninguém ousou fazer.