Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A facada e o 11 de setembro

(Foto: Antonio Cruz /Agencia Brasil)

Recentemente, o senador pelo PSL Flávio Bolsonaro causou bastante polêmica nas redes sociais ao compartilhar em seu perfil do Instagram um post de seu partido que compara os atentados de 11 de setembro em Nova York, no ano de 2001, que levou a óbito quase três mil pessoas, com a facada sofrida pelo seu pai, Jair Bolsonaro, no dia 6 de setembro do ano passado, em Juiz de Fora, durante a campanha presidencial.

Segundo a postagem do PSL: “Há dezoito anos um atentado nos Estados Unidos chocava o mundo inteiro: o ataque às Torres Gêmeas. Há um ano, o Brasil sofria um ataque à democracia: Jair Bolsonaro foi esfaqueado em meio a um ato público. Dois episódios que impactaram a sociedade e deixaram marcas na história”.

Afirmações hiperbólicas à parte (pois as dimensões do 11 de setembro são muito maiores), podemos dizer que há paralelos entre os dois acontecimentos. Ambos comprovam uma realidade cada vez mais constatável em nossa contemporaneidade: a importância da mídia nas relações políticas. As cenas das torres do World Trade Center desabando e de Bolsonaro sendo atacado por Adélio Bispo, exibidas incessantemente nas principais emissoras televisão, prenderam a atenção do grande público, gerando o que o linguista francês Patrick Charaudeau, especialista em análise do discurso, conceituou como “efeitos patêmicos”, representados por emoções como ira, compaixão, angústia, desprezo, revolta, simpatia e repulsa.

De acordo com o sociólogo Elihu Katz, acontecimentos midiáticos (como os exemplos aqui relatados) possuem seis características básicas: 1) transmissão ao vivo; 2) acontecimento pré-planejado; 3) enquadramento no tempo e no espaço; 4) colocar em destaque um personagem; 5) grande significado dramático e ritualístico; e 6) se transformar, por força das normas sociais, em algo obrigatório de ser assistido ou de receber participação.

Por outro lado, há várias hipóteses que questionam se esses acontecimentos foram verídicos.
Analistas como o jornalista e ativista político francês Thierry Meyssan apontam que o atentado de 11 de setembro foi uma “operação de bandeira falsa” (false flag attacks), isto é, uma ação clandestina em que um determinado país comete atos de terrorismo contra o seu próprio território e, em seguida, coloca a culpa em outro país ou organização a fim de justificar uma agenda política, como invasões a outras nações ou a imposição de leis que aumentam o poder estatal ou diminuem as liberdades individuais.

Nesse sentido, o 11 de setembro teria sido forjado para que o governo estadunidense, com o apoio da chamada “opinião pública”, pudesse intervir militarmente em algumas nações do mundo muçulmano e, assim, ter acesso privilegiado aos seus recursos naturais.

Entre os argumentos sustentados por essa linha interpretativa estão as ligações comerciais entre as famílias Bush e Bin Laden, que incluíam a construção de um duto de gás natural sob o Afeganistão; o fato de George Bush (pai do então presidente estadunidense) ser diretor da Carlyle Group, principal fornecedora de material bélico para os Estados Unidos e a maneira como ocorreram os desabamentos das Torres Gêmeas – em linha reta, quase em queda livre, com uma velocidade impressionante e quase nenhuma resistência -, fator que indicaria uma “demolição controlada”.

Por sua vez, aqueles que sustentam que a facada em Bolsonaro seria mais uma fake news partem do princípio de que a simulação desse acontecimento geraria uma comoção popular em torno do então candidato à presidência da República pelo PSL, conhecido pelos discursos inflamados contra as minorias sociais, e que, apesar de líder das pesquisas de intenções de voto, mantinha uma forte rejeição de boa parte do eleitorado, o que poderia ser prejudicial em um eventual segundo turno. Já o dia 6 de setembro, véspera da principal data nacional, teria sido estrategicamente pensado para associar o drama pessoal de Bolsonaro à independência do Brasil.

Forjados ou não (o que, aliás, não é o objetivo deste texto discutir), é certo que o 11 de setembro e a facada se transformaram em factoides que, respectivamente, mudaram os rumos da geopolítica global do início do século XXI e das eleições presidenciais brasileiras no ano passado.

Não há como negar o impacto dos ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 nas relações internacionais desde então. O atentado foi utilizado como pretexto para a invasão estadunidense ao Afeganistão e ao Iraque, para o aumento da vigilância sobre os cidadãos comuns, para as prisões (muitas vezes sem provas) de suspeitos de práticas terroristas e, não obstante, provocou uma onda global de islamofobia.

Já a facada aumentou as intenções de voto em Jair Bolsonaro, diminuiu a sua rejeição e, o que é mais importante, sob o pretexto de realizar tratamento médico, impediu que ele participasse dos debates televisivos entre presidenciáveis e pudesse, assim, esconder do eleitorado o seu principal projeto de campanha: a aplicação da nefasta agenda neoliberal. Fator que, diga-se de passagem, contou com o auxílio de boa parte da esquerda (sobretudo aquela ligada às pautas identitárias), que, em vez de aproveitar a campanha presidencial para denunciar o projeto neoliberal da chapa do PSL, preferiu se concentrar em temas moralistas ou aderir a cavalos de Tróia como o movimento “Ele Não”.

No entanto, é importante ressaltar que não foi a facada (ou tampouco as inúmeras fake news compartilhadas nas redes sociais) o fator determinante para a eleição de Bolsonaro. O que levou o Brasil a eleger seu primeiro presidente de extrema-direita foi simplesmente o fato de que o candidato preferido da maioria do eleitorado, Luiz Inácio Lula da Silva, não pôde disputar o pleito presidencial.

Desse modo, o 11 de setembro e a facada demonstraram que não há como pensar no xadrez político (desde a escala local até a global) sem levar em conta a atuação dos meios de comunicação de massa. Um acontecimento que não esteja devidamente documentado na mídia simplesmente não existe politicamente, pois as representações midiáticas (ou a “hiper-realidade”, conforme conceito cunhado por Jean Baudrillard) se tornaram mais importantes do que os próprios fatos reais.

***

Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ e professor do PROEJA do IFES – Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.