Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Cemig: privatização fora de propósito

(Foto: Clarissa Barçante/Divulgação ALMG)

“O povo (…) vai ter energia fornecida por uma empresa privada, que vai piorar a qualidade do serviço e cobrar mais caro” (Engenheiro Aloisio Vasconcelos, ex-diretor da Cemig)

Razões mais do que convincentes. Ousamos mesmo afirmar: irrespondíveis. À luz do bom senso, do sagrado interesse público, das respeitáveis conveniências políticas, sociais e econômicas, a pretendida privatização da Cemig é simplesmente inaceitável.

A entrevista que o engenheiro Aloísio Vasconcelos, ex- diretor da estatal de energia e ex-presidente das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), concedeu, a propósito da flamejante questão, ao Diário do Comércio, edição de 18 de setembro passado, fundamenta impecavelmente o estridente equívoco em que o governo de Minas Gerais labora, com estimulante apoio de alguns setores da administração federal, ao colocar em andamento conjunto de ações com o fito de transferir para grupos privados um bem público valiosíssimo, de extraordinária importância estratégica para o estado e para o país.

Quem se der ao trabalho de ler, com a devida atenção, os lúcidos argumentos alinhados no citado depoimento, chegará, inapelavelmente, de forma serena e objetiva, à intransponível conclusão de que a anunciada desestatização constitui, em termos definitivos e de forma irreplicável, um baita de um péssimo negócio. Se chegar a ser efetivado, por algum imperdoável descuido administrativo ou parlamentar, redundará numa operação desastrada. Mais uma, por sinal, na encorpada lista das privatizações desnecessárias. Privatizações impostas, como sabido, ao todo da sociedade, por força de insensibilidade política associada à ambição desmesurada de minoritários grupos de mercadores oportunistas.

Depois de indagar se o governo, “que é passageiro e acaba daqui a três anos”, tem o direito de passar para terceiros um patrimônio dessa magnitude, “que é de longo alcance e já tem quase setenta anos”, Vasconcelos explica que, em apenas dois anos, Minas Gerais terá condições de receber em dividendos, como fruto das operações da Cemig, todo o dinheiro equivalente ao valor a ser supostamente apurado nessa transação que a opinião pública mineira maciçamente repudia. Nas considerações críticas levantadas pelo engenheiro, reconhecido especialista na temática energética, é anotada também a circunstância de que as empresas privadas de eletrificação se recusam, invariavelmente, a participar de projetos sociais do gênero “Luz para todos”, por não serem lucrativos. Com tal postura, impedem que sejam levados às zonas campestres os tão almejados benefícios da chamada “eletrificação rural”. Outra contraindicação à privatização da Cemig, uma empresa de alta eficiência e esplêndida lucratividade, está configurada, segundo Aloísio Vasconcelos, na constatação de que “as empresas privadas ou que foram privatizadas, todas elas, sem uma única exceção, aumentaram o custo da energia após a privatização”. E, ainda, o que é muito preocupante para a população mineira, “… tiveram uma piora nos índices que medem a qualidade da energia”. Em Goiás, num caso recente de privatização, a população sai às ruas, todos os dias, brigando e protestando. A privatização, no episódio relativo ao vizinho estado, favoreceu uma empresa italiana. O entrevistado garante: “O povo de Minas Gerais, que aprova a Cemig, vai passar a ter sua energia fornecida por uma empresa privada, que vai piorar a qualidade do serviço e cobrar mais caro por isso. Isso é inaceitável. A Cemig tem hoje 8,5 milhões de consumidores. Claro que não vão ser ouvidos”.

O ex-diretor da Cemig e ex-presidente da Eletrobras é ainda de opinião que a chance de vender a Cemig é mínima. Primeiro, devido ao fato da esmagadora rejeição popular à despropositada ideia. Segundo, pela contingência de que a Constituição estadual exige que seja a transferência aprovada em dupla votação na Assembleia Legislativa, com quorum qualificado (cinquenta deputados a favor). E, ainda assim, caso o parlamento ceda a pressões do governo, aprovando a privatização, a decisão final só poderá ser adotada depois de um referendo popular.

Sabedores de que a tese da privatização não encontra eco no seio da comunidade mineira, as forças empenhadas em levar a cabo, a qualquer preço, a empreitada desestatizante, concentram todo esforço na tentativa, agora, de persuadir os integrantes da Assembleia Legislativa a alterar o dispositivo constitucional que remete a decisão a escrutínio público. Vasconcelos prognostica que, se esse absurdo prevalecer, a Cemig acabará sendo adquirida, provavelmente, por uma estatal estrangeira, da China, da Itália ou da França. Sem dúvida alguma, um contrassenso risível que poderemos ser compelidos a engolir como consequência de deliberações políticas inteiramente despojadas de sentimento nacional.

Por derradeiro, convidamos o leitor a por tento em mais este outro argumento levantado na entrevista comentada. A privatização da Cemig é desaconselhável por causa do controle sobre os rios. “Para se ter uma ideia da importância do domínio dos rios, nos Estados Unidos, as usinas que têm domínio do rio, como as do Tennessee, em Chattanooga, são administradas pelo Exército americano. Não é nem pela engenharia privada ou estatal. São controladas militarmente por causa do domínio do rio”, esclarece Vasconcelos.

Encurtando razões: diante de tudo quanto aqui exposto, só mesmo o excesso de má vontade, de desconhecimento de causa e de arrogância poderá tentar encontrar “sentido” na tese da privatização de uma empresa com as características da Cemig. Fim de papo.

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Cesar Vanucci é jornalista.