Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Jornalismo Lava Jato estilo B.O. só serve o prato feito das delações

(Foto: Agência Brasil – Antonio Cruz)

Publicado originalmente no site Balaio do Kotscho

Entre outros estragos na vida nacional, a Lava Jato rebaixou o jornalismo a transcrever boletins de ocorrência, os chamados B.O, servidos no prato feito das delações.

Podem reparar: até a linguagem mudou, tornou-se mais burocrática e tosca, no estilo do juridiquês de Sergio Moro e seus procuradores.

Ao longo dos último cinco anos, com honrosas exceções, o “jornalismo investigativo” se limitou a servir de porta-voz da Lava Jato, na maioria das vezes sem investir em apurações próprias.

Com a divulgação dos diálogos dos procuradores pelo Intercept, em parceria com outros veículos, ficamos sabendo que até a pauta do dia era acertada entre eles com repórteres e editores, e não só com o Jornal Nacional.

Engana-se quem imagina que a aliança mídia-Lava Jato formada para o golpe de 2016 já se esgotou com a prisão de Lula.

Para se defender das denúncias da Vaza Jato e embaralhar o noticiário, voltaram suas baterias novamente para Lula e seu irmão Frei Chico, Dilma e, agora, o deputado federal David Miranda, do PSOL, que é casado com Glenn Greenwald, o editor do The Intercept.

Sempre que a coisa aperta para o lado de Moro & Dallagnol, eles ressuscitam as velhas delações do ex-ministro petista Antonio Palocci, que está em prisão domiciliar.

O fato novo foi a revelação de que, apenas dois dias após as primeiras denúncias da Vaza Jato, o Coaf enviou ao Ministério Público um relatório que aponta “movimentações atípicas” de R$ 2,5 milhões na conta do deputado David Miranda.

O MP abriu imediatamente uma investigação sobre as movimentações bancárias de Miranda. Mas, na quarta-feira, a Justiça barrou a tentativa de quebrar o sigilo fiscal do deputado. Miranda afirmou que as movimentações são compatíveis com sua renda familiar. Junto com Glenn, o deputado tem uma empresa de turismo.

Nota divulgada pela assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff constata a coincidência da ofensiva contra a ex-presidente com as denúncias da Vaza Jato: “É curioso que a ofensiva da Lava Jato contra Dilma Rousseff ocorra no momento em que os procuradores da República e o ex-juiz Sergio Moro estão sob suspeita, desmascarados pelo The Intercerpt Brasil e demais veículos de imprensa que revelaram as manipulações e distorções feitas a respeito da gravação ilegal entre a então presidenta e o ex-presidente Lula”.

A nota afirma ainda que “a democracia está sob o fogo cruzado dos amigos da ditadura, da tortura e das milícias”.

Em lugar de fazer reportagens para comprovar ou não as delações, como o Intercept faz com as gravações que obteve de fonte anônima com conversas entre procuradores e juízes de Curitiba, um grupo de jornalistas “especializados” em Lava Jato, o mesmo que comemorou a prisão de Lula, adota o método copia e cola.

O resultado é um jornalismo preguiçoso, chato, burocrático, repetitivo, sem espaço para o contraditório, que “normaliza” as ações da Lava Jato.

Claro que, em todas as redações, ainda há profissionais que resistem ao prato feito, mas o estrago provocado pela Lava Jato no jornalismo em geral pode ser tema para estudos na academia.

Em todas as áreas, a história recente do Brasil agora pode ser dividida entre antes e depois da Lava Jato, que degradou as relações institucionais, o sistema político e quebrou a economia do país.

O resto é consequência. Deu no que deu.

Vida que segue.

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Ricardo Kotscho é jornalista.