Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Despedida do CCS

Senhor Presidente, Dr. José Paulo Cavalcanti, senhoras e senhores Conselheiros.

Como, teoricamente, o meu mandato terminou em junho, aproveito esta reunião do Conselho de Comunicação Social, uma das últimas do ano, para apresentar as minhas despedidas formais ao bravo grupo de companheiros que aceitou a difícil tarefa de dar vida a este órgão.

Desnecessário lembrar o rol de vicissitudes que retardaram a criação do CCS ao longo de mais de uma década, as dificuldades para montar um órgão auxiliar do Congresso capaz de assessora-lo em matéria de tamanha relevância política e as difíceis negociações que permitiram, afinal, a montagem do seu primeiro plenário.

Imperioso rememorar, porém, a cerimônia de instalação deste Conselho, com a presença do presidente da Câmara Alta, senador Ramez Tebet, e a convocação feita aos Conselheiros que então empossava. Embora discreta, sem pompa, a cerimônia conferiu dimensão ao órgão que nascia naquele momento depois de tantas delongas.

Esta dimensão contrasta dramaticamente com a desatenção, descaso, quase desleixo, demonstrados agora pelas diferentes instâncias do Poder Legislativo no tocante ao encerramento da primeira rodada de trabalhos e à substituição da primeira equipe de Conselheiros.

Passados quatro meses – um terço do ano! – a sociedade brasileira e os próprios parlamentares ainda não tomaram conhecimento do balanço das atividades do CCS, ignoram seus impasses estruturais e as sugestões para superá-los. Pior de tudo: nem a sociedade nem os seus representantes no Congresso estão acompanhando a escolha dos novos Conselheiros. Se na montagem do primeiro grupo a transparência foi substituída por um formidável esforço para a obtenção de um consenso partidário, desta vez não houve nem uma coisa nem outra.

A anomalia transcende ao protocolo e à esfera da comunicação social, desvenda uma negligência com os pequenos procedimentos que compõem a grande máquina republicana e democrática. Se os constituintes de 1988 exigiram a criação de um Conselho de Comunicação Social e se este foi criado pelo Congresso em 2002, não faz sentido que, em 2004, apenas dois anos depois, este mesmo Congresso coloque-o no limbo.

Em função deste lapso, o CCS ficou à margem do mais intenso e mais profícuo debate em matéria de imprensa, jornalismo e comunicação social das últimas décadas, motivado pelas propostas de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav.

Ouso dizer que a omissão foi providencial. Se estas matérias tivessem sido encaminhadas ao CCS, seu caráter controverso desvendaria para a sociedade brasileira a incapacidade deste órgão para AUXILIAR efetivamente os parlamentares oferecendo-lhes subsídios técnicos, desapaixonados, a respeito dos prós e contras, conforme o disposto no artigo 224 da Carta Magna.

Esta constatação obriga-me a lembrar outro episódio auspicioso quando da instalação do CCS. Refiro-me à decisão de escolher POR CONSENSO o seu presidente e vice-presidente. Tudo indicava que, apesar do contencioso potencial embutido numa estrutura baseada majoritariamente em representações corporativas, seria possível oferecer ao Congresso contribuições de largo espectro, não-sectárias, para ajudá-lo a tomar decisões políticas já que seus membros têm legitimidade para tal.

Neste clima consensual, o CCS encaminhou-se para o seu destino natural – o de converter-se num fórum nacional de comunicação social. Graças a este espírito, digamos, ‘forense’, e a despeito das naturais discordâncias, criou-se uma pauta permanente onde incluiu-se pela primeira vez na história do Congresso o tema da concentração e da propriedade cruzada dos meios de comunicação. Na condição de fórum, o CCS convocou especialistas oriundos de diferentes áreas e, com as suas intervenções, editou o livro Concentração da mídia, o primeiro estudo produzido por um órgão público brasileiro sobre tão importante assunto.

A partir de um documento meramente expositivo, sem confrontos nem quedas-de-braço, cumpriu-se plenamente a finalidade de AUXILIAR o Congresso a conscientizar-se para um problema de capital importância e, futuramente, tomar as decisões que lhe cabem na matéria. É exatamente isto que se espera de um Conselho de Comunicação Social como o nosso, condicionado por limitações estruturais, porém perfeitamente apto a atender às necessidades identificadas pelos constituintes.

Senhor Presidente, meus amigos conselheiros:

Junto com a minha afetuosa saudação, peço que aceitem estas breves considerações como contribuição para o aprimoramento do Conselho de Comunicação Social ao qual tive a honra de servir na etapa inicial e nas seguintes como seu atento observador.



14 ANOS DEPOIS
Conselho instalado, silêncio ostensivo

A.D.

[Texto publicado neste Observatório em 3/7/2002, edição nº 179]

Previsto no artigo 224 da Constituição de 1988, regulamentado 11 anos depois, escolhido na esteira das negociações para a revisão do artigo 222, finalmente empossado pelo senador Ramez Tebet, presidente do Congresso Nacional, na terça-feira, 25 de junho, o Conselho de Comunicação Social (CCS) retrata na sua pré-história as mazelas da nossa vida institucional. Mas contém todos os indícios de que apesar dos atrasos estamos avançando.

*** Por que demorou tanto?

Porque ao empresariado jamais interessou colocar a mídia sob o escrutínio da sociedade. Alegavam que um órgão desta natureza poderia abrir brechas ao controle do chamado Quarto Poder pelo Legislativo. As regras do jogo estavam traçadas dentro das entidades corporativas e a ninguém interessava alterar o status quo.

A regulamentação foi assinada por Collor Fernando Collor de Melo em 1991 [veja abaixo íntegra da lei] mas a instabilidade política até a eleição do seu sucessor (FHC, 1994) abafou qualquer tentativa de forçar o Congresso a escolher os membros e instalar o CCS.

Situação política estabilizada, a partir de 1995 a retranca foi comandada por dois poderosos senadores que presidiram o Congresso (José Sarney e ACM), também proprietários de importantes grupos de mídia em seus respectivos estados sem interesse algum em aparelhar o Legislativo Federal para exercer suas legítimas prerrogativas no campo da comunicação social. Como as empresas de ambos eram (e ainda são) afiliadas à Rede Globo, com todas as vantagens decorrentes, eventuais alterações no quadro poderiam afetá-los diretamente. [Veja abaixo remissão à primeira edição do OI, de abril de 1996, cujo assunto principal era justamente o Conselho de Comunicação Social]

Jader Barbalho não esquentou o lugar mas o seu substituto, Ramez Tebet (PMDB-MS), foi sensível às duas pressões: da sociedade, que passou a discutir abertamente o desempenho da mídia (especialmente a eletrônica), cobrando algum tipo de controle social; e da oposição, que condicionou sua adesão à emenda ao artigo 222 (sobre a propriedade dos meios de comunicação) ao apressamento da criação efetiva do CCS.

Importante referir que o senador Tebet, pessoalmente, na qualidade de telespectador, faz sérias restrições ao conteúdo da televisão comercial. Isto evidenciou-se no breve discurso por meio do qual empossou os 13 membros e 13 suplentes na cerimônia de 25/6, no Senado, em Brasília, quando disse:

‘(…) Este órgão vai contribuir para que a programação dos veículos de comunicação represente o desejo da família e da sociedade brasileiras (…) em momento dramático da vida nacional, alarmada pelos crescentes índices de violência (…)’

Também o presidente da Comissão de Educação, senador Ricardo Santos (PSDB-ES) foi direto ao ponto em sua breve fala:

‘ (…) Espero que os programas [de TV] sejam mais educativos, evitem a violência, especialmente nos horários nobres, sendo, portanto, mais adequados a crianças e adolescentes (…)’

As candentes manifestações dos presidentes do Congresso e da Comissão (a que está afeto o CCS) não agradaram aos empresários de comunicação. O que explica, em parte, o silêncio quase absoluto, no dia seguinte, dos veículos de comunicação diante de um evento desta importância para o regime democrático.

*** O que pode fazer o CCS?

Não é um órgão executivo, não tem poderes – é órgão auxiliar do Congresso Nacional. Mas pode funcionar como um dos mecanismos capazes de exercer o tão falado ‘controle social’ sobre a mídia, especialmente a eletrônica, que funciona em regime de concessão pública.

O evento de 25 de junho é histórico sob o ponto de vista institucional porque marca o estabelecimento do equilíbrio indispensável ao sistema democrático onde a cada poder deve corresponder um contrapoder. Marca também a participação ostensiva da sociedade civil na vida institucional.

*** Como está constituído o CCS?

No decreto que o regulamentou foram previstas quatro vagas para profissionais de comunicação, quatro vagas para empresários de comunicação e cinco vagas para a sociedade civil, sendo que o presidente e seu vice são escolhidos entre estes.

É óbvio que representantes da sociedade civil não vivem no Olimpo, isentos de preferências. O fato de um deles ser empresário (Jayme Sirotsky, RBS) é compensado pelo fato de dois outros serem jornalistas profissionais com militância em entidades representativas (Carlos Chagas e este Observador); outro renomado jurista (José Paulo Cavalcanti Filho, presidente do Conselho) que há anos dedica-se ao estudo dos mecanismos de fiscalização da mídia em todo o mundo e, outro mais, psicólogo (Ricardo Moretzon, membro do Conselho Federal de Psicologia) obviamente comprometido com a preservação da psiquê e do equilíbrio emocional do cidadão brasileiro. [Veja, abaixo, a composição do CCS]

Pareceres e estudos do CCS não terão caráter impositivo: constituirão o suporte para a tomada de decisões no Congresso. O Legislativo, escolhido pelo povo, é que tomará as decisões. Mas o franqueamento dos debates internos (transcritos no Diário do Congresso) deverá constituir-se com um fórum natural, independente do que for aprovado.

*** Por que o silêncio?

Evidenciou-se que ao empresariado não interessa oferecer grande exposição ao novo órgão. Mesmo que sua criação represente um avanço institucional. Por mais auspiciosa que seja a sua efetivação. Ainda que desprovido de poderes, quanto mais divulgado, mais força teria. Deixá-lo no limbo – recurso que não chega a ser novo – foi a solução.

Afora registros na internet, Ao que tudo indica apenas o Correio Braziliense, o Jornal do Brasil (coluna de Ricardo Boechat) e a TV Cultura noticiaram a instalação do Conselho.

[Observações de responsabilidade do signatário, na qualidade de jornalista, sem qualquer conotação oficial.]