Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Irã e o Ocidente: um novo recomeço

O fim das sanções econômicas internacionais aplicadas ao Irã no dia 16 de janeiro (G-1, 17/01/2016) faz com que a nação persa tenha um poder maior de barganha dentro do cenário regional. Se, por um lado, o Irã agora pode reforçar laços diplomáticos tradicionalmente frutíferos, como com a Turquia, o Iraque, Omã, a Armênia e o Líbano, por outro lado, dois grandes aliados norte-americanos e arquirrivais do regime teocrático de Teerã – Arábia Saudita e Israel –, saem deveras descontentes com essa reaproximação entre o Ocidente e o Irã, pois a veem como uma ameaça à sua influência regional.

A suspensão das sanções contra o Irã, antiga Pérsia, injeta aproximadamente US$ 100 bilhões, diretamente na economia iraniana. Este valor refere-se a ativos congelados em fundos internacionais mundo afora, e agora dará um enorme fôlego para diminuir a dependência do país da exportação de gás natural e petróleo. Exportação que se torna cada vez mais desvantajosa, dado o baixo preço internacional dessas commodities. Serviços, comércio e indústria ganharão espaço nos próximos anos.

Após quase 37 anos de isolamento político, o Irã de hoje é muito diferente daquele que promoveu a revolução islâmica de 1979: uma imensa população jovem (dois terços dos 78 milhões de iranianos têm menos de 35 anos), muito bem educada e consciente das tendências culturais e econômicas do Ocidente, ávida por consumi-las – tanto que o país detém o recorde do maior fluxo de “fuga de cérebros” no mundo, já que estava, até agora, estancado tecnologicamente. Aproximadamente 15 mil jovens deixam o país todos os anos. Entretanto, esse cenário poderá se reverter, com o Irã se tornando o país mais atrativo do Oriente Médio.

Oportunidades não faltarão em todos os setores econômicos! E isso, certamente, refletirá numa melhora real das relações que Teerã leva. Não somente com seus vizinhos, mas como com todo o mundo.

Mercado para brasileiros

O Brasil poderá ter acesso a um enorme mercado, composto por 78 milhões de consumidores, com uma renda média razoavelmente alta. O Irã tem potencial de compra de uma gama infinita do made in Brazil: desde abertura de franchising nossas até aviões da Embraer.

Temos outro fator cultural a nosso favor: o Brasil tem uma excelente imagem entre os iranianos. A aproximação feita em 2010 pelo governo Lula, através da visita do ex-presidente ao país, fez com que a nossa imagem ficasse ainda mais simpática. Poderemos lucrar muito com a nossa já frutífera relação com Teerã.

E o que ganham os Estados Unidos com isso? A diplomacia norte-americana foi indefectível com este passo de reaproximação com o Irã. Os Estados Unidos, apesar do rompimento diplomático com os iranianos há quase quatro décadas, sempre encontraram concordância na diplomacia persa. O tema tem ligação com relação aos seus objetivos regionais: ambos os países eram inimigos do antigo regime fundamentalista afegão, Talibã, e cooperaram para derrubá-lo, bem como o regime de Saddam Hussein, no Iraque. A ajuda mútua para desmantelar o grupo terrorista al-Qaida e, mais recentemente, as intervenções contra o Estado Islâmico na Síria são outros fatos a serem contabilizados.

Hoje, o Irã é o país que mais investe na reconstrução do Iraque, além de manter relações muito cordiais com o novo governo pró-americano do Afeganistão. É, também, o único país ali com moral política para pressionar a Arábia Saudita e o Catar a pararem de apoiar o Estado Islâmico.

Ao contrário do que se esperava, a história recente naquela região mostra que os dois grandes tradicionais aliados norte-americanos pós-1979 (Arábia Saudita e Israel) só atrapalharam os interesses regionais norte-americanos e que o Irã, paradoxalmente, tem sido o único aliado na prática. Esta guinada diplomática norte-americana é um puro reflexo disso. Além desse ganho político, há vantagens econômicas para Washington. Desde o anúncio da suspensão das sanções, o Irã passa a ser o país mais economicamente interessante (também) para os investimentos norte-americanos.

A retomada de relações diplomáticas

O presidente americano Barack Obama sai fortalecido moralmente. Ele provou que o lobby israelense já não é tão forte no Congresso como tradicionalmente se apresentava. A posição diplomática do líder americano em insistir no diálogo com nações outrora inimigas só reforça seu papel como um laureado com o Nobel da Paz. Provavelmente, todo este cenário otimista no campo da diplomacia refletirá de modo positivo nas próximas eleições em prol dos democratas. Hillary Clinton deve, neste exato momento, estar comemorando a retomada do diálogo com os persas.

O governo iraniano entendeu que os Estados Unidos, sob a administração democrata, lhes deu um “voto de confiança” após décadas de mútua desconfiança. Os EUA entenderam que ao tentarem derrubar um regime teocrático que lhes era até então hostil, a via pela cooperação diplomática seria a melhor solução, como de fato se concretizou.

Com investimentos diretos norte-americanos reentrando no país e a vontade de cooperar por parte dos iranianos, esta relação só deve cada vez mais se estreitar. Um passo natural (talvez a médio prazo) é a retomada das relações diplomáticas entre os dois países, o que certamente abalará as relações norte-americanas com Arábia Saudita e Israel, que já percebem esse ensaio.

Quando afirmo que esta é uma meta a médio prazo, a ótica de análise baseia-se nos seguintes pensamentos: por mais que os EUA estejam vendo mais vantagem em resolver velhos desafetos que apostar em aliados problemáticos, o jogo geopolítico regional é muito sensível dado o mosaico multicultural do Oriente Médio e o total antagonismo entre sauditas e israelenses, os dois grandes retóricos anti-iranianos.

Irã: mudança nas estratégias?

O programa nuclear iraniano e a retomada de seu desenvolvimento desde meados da década de 1990 serviram ao país como uma carta de barganha de sobrevivência ao regime teocrático persa; um fôlego extra. Era o único instrumento que, até o momento, freava qualquer ameaça externa ao poderio dos aiatolás de Teerã. Por mais que os iranianos tivessem emitido um decreto religioso (fatwa) que reafirmava a posição proibitiva do Islã em relação à bomba atômica.

Apesar da grande maioria iraniana não apoiar o desenvolvimento nuclear do seu próprio país, é inegável dizer que, não fosse tal fato, talvez o regime iraniano já tivesse sido eliminado por forças externas, como se tentou fazer desde quando Saddam Hussein invadiu o país em 1980, com apoio ocidental. No entanto, todas as tentativas de intervenções estrangeiras se mostraram desastrosas, pois afetariam diretamente a saúde econômica de outros países que dependem energeticamente do petróleo iraniano, como Índia, China, Coreia do Sul, Grécia e Japão.

A transparência atual, na verdade, reflete uma mudança na postura norte-americana em não confrontar diretamente o regime, ameaçando-o, e sim, tentar resolver suas diferenças pelo diálogo. Este é um jogo diplomático onde realmente ambos ganham: o regime de Teerã ganha sobrevida extra e o governo de Washington retoma uma financeiramente frutífera amizade, ampliando ainda mais sua influência na região.

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Jorge Mortean é geógrafo, mestre em Estudos Regionais do Oriente Médio, professor de Relações Internacionais e consultor estratégico de negócios entre Brasil e Oriente Médio