Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marcelo Leite

Seleção de trechos das mais recentes colunas publicadas pelo ombudsman daFolha de S. Paulo

10/11/96 
"(….) O acidente com o Fokker da TAM matou 98 pessoas [o 99o, Dirceu Geraldo, morreu em 28/11], enlutou a cidade e pôs à mostra toda a fragilidade da imprensa diante de uma notícia dessa magnitude. (….) Quanto menor e mais insignificante a causa, mais interessante ela se torna. 

(….) Nessas horas, delegados da Polícia Civil com faro para autopromoção na mídia também deitam e rolam. (….) Depois de tudo que se falou sobre Escola Base, a Folha ainda dá divulgação para especulações e conjeturas de policiais irresponsáveis que podem prejudicar pessoas em princípio inocentes." 

17/11/96 
"Não consigo imaginar manchetes mais decepcionantes, para um dia de eleição, do que as dos dois maiores jornais diários brasileiros, anteontem: 

'Pitta deve ser eleito prefeito hoje' (Folha); 'Ibope: Conde 47%, Sérgio 30%' (O Globo). Esses enunciados pífios refletem, por um ângulo, a modorra de um pleito desenhado na mesa de efeitos especiais. Por outro, são sintomas do estado pré-falimentar da imprensa de qualidade, entendida como aquela instituição encarregada de informar e esclarecer a opinião pública. 

Quem só quer entretenimento e se contenta com qualquer porcaria, teve-o de sobra. Quem queria informação e análise para orientar-se como cidadão e eleitor, dançou. (….) Há algo de muito errado com um jornalismo que se contenta com noticiar aquilo que todos já sabem." 

"Não tenho mais argumentos para combater, na Redação da Folha, as bobagens que saem na seção "Saia Justa", publicada semanalmente no caderno São Paulo/Cotidiano." 

24/11/96 
"Sabe-se lá com que intenções, alguém no Ministério da Previdência resolveu lançar à turba o nome e os ganhos de apenas 45 aposentados especiais. Além de receber benefícios superiores a dez salários mínimos, eles têm em comum a condição de anistiados. (….) São 183 nomes, mas só 45 foram divulgados – os dos anistiados. Quem vazou a lista deve achar que estes têm menos direito à mamata do que aqueles, um raciocínio capenga de qualquer ponto de vista. Pois foi essa lógica que o jornal validou, publicando a lista capciosamente parcial." 

1/12/96 
"Como qualquer idiota poderia imaginar, quem ganhou a licitação para ficar com a conta de publicidade da Prefeitura de São Paulo foram Duda Mendonça e Nelson Biondi. (….) O único jornal a dar destaque na capa foi o Jornal da Tarde, com sua manchete de quinta-feira: 'SP vai pagar R$ 140 mi a gurus de Maluf'. A Folhanão deu naquele dia uma linha sobre essa vitória inequívoca da publicidade de resultados. No dia seguinte, sexta, pôs o assunto no jornal. Melhor seria dizer que o escondeu, numa notinha de exatas nove linhas, abaixo da dobra de uma página par do terceiro caderno. Nada comparável ao barulho que se fez sobre os gastos da então prefeita Luiza Erundina com publicidade, quatro anos atrás. Seria interessante, aliás, que a Folha aproveitasse esse gancho para fazer uma comparação final entre as duas administrações, nessa matéria, agora que a de Paulo Maluf se encerra." 

P.S. – Em mensagem publicada no número 10 do OBSERVATÓRIO, nosso leitor Adolfo Gerbatin afirmou que o Painel dos Leitores da Folha é uma seção "restrita a retratações e parabenizações intestinas, com algumas aberturas a direitos de resposta"; texto "Senso trágico"). 

Com uma carta de leitor publicada reproduzida na mesma página, mostramos que, se essa era a regra, havia exceções. E aludimos à coluna do ombudsman de 10/11. Na coluna de 1/12, Marcelo Leite apresentou um levantamento: das 271 cartas publicadas em novembro, 53% (143) foram neutras em relação ao jornal, 11% (30) elogiosas e 25% (67) críticas. 

Em 28/11, o próprio Adolfo Gerbatin podia ser lido no Painel dos Leitores, e não estava desacompanhado. Abaixo, trechos de cartas publicadas nesse dia naFolha, sem contestação ou comentário. (Os Observadores) 

"Se o Sr. João Roberto Spini Machado (Painel do Leitor, 13/11) desconhece os critérios de seleção nesta seção, ao grande público já ficou cristalino: troca de gentilezas, respostas de personalidades ofendidas, abordagens políticas com ares de imparcialidade, jamais o interesse coletivo fraudado pelas iniciativas privada ou pública; é rigorosamente a mais calhorda das seções de cartas da imprensa brasileira." Adolfo Gerbatin (Rio de Janeiro). 

"O espaço democrático aberto já há algum tempo pela Folha, sob o título 'Painel do Leitor', me parece que virou espaço reservado a respostas de políticos ou afins, um falando mais besteiras que o outro; e o leitor comum perdeu a oportunidade de poder se expressar. Com quem o jornal está comprometido?" Waldir Vilcinski (Santo André, SP). 

"Com relação à reportagem 'Embratel recua após colapso na Internet' (22/11): na minha opinião, trata-se de mais uma manobra para desacreditar a Embratel perante a opinião pública (….). Por que a Folha, que opera o UOL e portanto deve ter suporte técnico suficiente, não analisou o problema técnico com mais profundidade? Por que a Folha, que tem interesses na privatização dessa área, porém vende a nós leitores uma imagem de veículo isento, se presta a esse tipo de coisa deplorável?" Wiliam Alves Barbosa (Florianópolis). 

"Leio atentamente as críticas do ombudsman sobre os numerosos erros da Folha. Não vi, no entanto, maior rigor nas análises sobre as jogadas da Folha. A Folha, para falar só na campanha da capital, sempre foi parcial. Acredito que a linha editorial primou por mostrar o que apurou como mazelas petistas e escondeu, para o momento oportuno, os `bastidores' da campanha malufista. (….) Se a Folha só erra e omite sem má-fé, por que não divulgou notícias da Folha da Tarde dando conta que Pitta sonegou impostos?" Washington Luiz de Araújo (São Paulo).

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Aloysio Nunes Ferreira Filho 
"Está em curso no Brasil um vasto processo de mudanças nas relações entre o Estado e a ordem privada: a sociedade civil, confiante em suas próprias forças, busca romper amarras estatais que durante décadas condicionaram seus movimentos. É inegável a importância da contribuição que deu a imprensa, não apenas ao debate dessa temática, como também à formação de uma corrente reformista na opinião pública 

Acontece que, na era da globalização (iniciada justamente pela informação), do prestígio dos mecanismos do mercado e exaltação do empreendimento, a vida das empresas jornalísticas continua sujeita à restrições que merecem, no mínimo, ser rediscutidas. Refiro-me, precisamente, ao artigo 222 da Constituição Federal. 

Nesse artigo, encontramos uma proibição e uma restrição que não podem mais ser aceitas como dogmas de fé. A proibição está no caput do artigo: estrangeiros não podem ser proprietários de empresas jornalísticas ou de rádio-difusão. Essa condição é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos. Já a restrição, fortíssima, diz respeito à participação de pessoa jurídica no capital dessas empresas, nos termos dos parágrafos desse artigo. Como regra geral, não se admite a participação de pessoa jurídica. Abre-se a porta, contudo, à entrada de partidos políticos e de associações, desde que não ultrapassem o limite de 30% do capital social das empresas. Mais ainda: no caso de participação de sociedades, seu capital há de pertencer, exclusiva e nominalmente, a brasileiros sem direito a voto. Como se vê, é camisa-de-força para ninguém pôr defeito. 

Não desejo, neste momento, enfrentar a questão do capital estrangeiro. Embora minha sede de informações seja maior que a curiosidade por saber qual é a nacionalidade do dono da empresa que as veicula, é sempre possível, para manter a proibição, argumentar com o fato de que muitos países cujas empresas são interessadas em nosso mercado mantêm, em suas legislações, embaraços à presença de estrangeiros. De qualquer maneira, a força política dos medos e dos preconceitos à abertura das empresas jornalísticas ao capital estrangeiro é avassaladora. Continuam com foros de verdade inquestionável as mesmas razões com que Assis Chateaubriand atacou o acordo havido entre a Globo e a Time-Life, há mais de trinta anos, na defesa dos interesses privados dos Diários Associados. 

Menos carregado de prevenção, o tema da participação das pessoas jurídicas no capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão deve, penso eu, ser enfrentado a curto prazo pelo Congresso Nacional. De fato, não consigo ver argumentos racionais ou razões políticas ponderáveis que justifiquem as restrições constantes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 222 da Constituição. O debate foi aberto pela revista Imprensa, em agosto do ano passado. Trata-se, em suma, de propiciar a capitalização das empresas de comunicação, abrir o caminho para trazer mais dinheiro, na forma de capital de risco, para fazer jornalismo. Hoje as empresas jornalísticas controladas por grupos familiares, tolhidas por um regimento pré-capitalista, são fadadas, para se capitalizarem, a recorrer a empréstimos proibitivos ou a lançar-se em empreendimentos laterais ao jornalismo. A falta de recurso restringe o mercado de trabalho dos profissionais e conspira contra a qualidade da imprensa. Temos excelentes jornalistas, na faixa dos 40 aos 50 anos, abandonando as redações por falta de perspectivas. As pautas são organizadas em função do dia-a-dia dos fatos (ou factóides, como diria César Maia), produzidos, predominantemente, na esfera política. Multiplicam-se os cadernos, proliferam os fascículos, o colunismo prepondera sobre a investigação. Escasseiam as grandes reportagens e quase não há mais "suite" dos assuntos tratados. É constrangedora a pobreza das editoriais internacionais, exatamente nesse estágio da vida brasileira em que cresce em importância a presença de nosso país num mundo globalizado. O jornalista Alberto Dines chama a atenção sobre um aspecto do problema que diz respeito à própria independência dos novos veículos de comunicação, especialmente dos jornais. É que, na relação com os anunciantes – livres para se capitalizarem por todos os meios, no Brasil ou no exterior -, a empresa jornalística, de mãos atadas pelas regras atuais, é a parte mais fraca. 

Estou me propondo a levar o debate ao Congresso Nacional, mediante proposta de alteração do citado artigo 222 da Constituição. Agradeço a contribuição do leitor, que poderá enviar sua opinião sobre o assunto pelo fax (061) 318-2626. Infelizmente, ainda não estou na Internet. 

("Reforma: a hora da Imprensa", Gazeta Mercantil, 29/11/96. Aloysio Nunes Ferreira Filho é deputado federal (PMDB-SP) e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.)