Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Planeta Alarmismo

Delirante, malfazeja, a manchete da Folha de S. Paulo de 26.11.96 (encontrável em páginas de O Globo e de outros jornais da mesma data): "Desemprego afeta 1 bilhão no mundo". Agravada na capa do caderno Dinheiro: "Planeta tem 1 bilhão sem emprego", repetindo-se, sem a prudência do "afeta", algo que é desmentido no primeiro parágrafo da reportagem: "Um bilhão de pessoas no mundo não têm emprego ou estão subempregadas, segundo relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgado ontem." 

No mesmo conceito são igualados subemprego e desemprego, ambos diferentes de "emprego" (formal), o que justificaria escrever "1 bilhão sem emprego". A OIT calcula que haja 300 milhões de desempregados. Mais de dois terços do número que virou manchete referem-se, portanto, a pessoas que não estão desempregadas e sim subempregadas. 

Melhor? Não necessariamente. A idéia de que subemprego é social e humanamente menos doloroso do que desemprego pode revelar-se falsa se tomarmos como exemplos, respectivamente, o camelô de Quito e o desempregado de Estocolmo: em comum, apenas a condição de habitantes do "planeta" e o fato de não terem, como se diz por aqui, carteira assinada. No mais, todas as diferenças imagináveis. A favor do desempregado sueco, claro. Se o pessoal que faz a Folha lesse com atenção pelo menos a Folha, poderia ter percebido isso em texto relativamente recente (1)

A manchete alarmista foi prontamente repercutida pelo humanista Antonio Ermírio de Moraes na Folha de 1/12/96. Para que não haja dúvida quanto à ideologia com que o empresário (condição omitida em sua coluna dominical) se apropria da triste notícia, leia-se esta pérola: "O mundo faz nascer centenas de milhões de pessoas que não têm o que fazer, desperdiçando o mais valioso capital de que os homens dispõem: o humano". Ora, Sr. Ermírio: as pessoas, até prova em contrário, nascem para… viver. E não é "o mundo" que as faz nascer. São seus pais e mães. Até prova em contrário. E homem não é "capital", é ser humano. 

A "reportagem" que deu origem à manchete planetária é na verdade um releasedistribuído mundialmente pela OIT (2) naquela data e "cozinhado" no jornal. A OIT vai chegando aos 80 anos de idade, já devia ter juízo, não lhe caberia resvalar para o impressionismo, mas, se o fez, quem compra o peixe deveria ter examinado melhor a mercadoria. E trabalhado um pouquinho mais. 

O resumo do "press-kit" informa que 34 milhões estão desempregados nos países membros da OCDE. A Folha não informa quais são tais países (3). Fica faltando, sobretudo, dar uma pista sobre onde se encontram os outros 266 milhões de desempregados e os 700 milhões de subempregados. Vai ser difícil. O material da OIT esclarece que "na África subsahariana e em muitas partes da Ásia, dados sobre desemprego direto dificilmente existem". Nessas duas regiões se concentram 70% dos seres humanos.

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(1) Gilberto Dimenstein, 28/8/96: "A proteção ao desempregado na Suécia seria uma conquista para os americanos e um paraíso para os brasileiros – mas os suecos reclamam. Com as novas mudanças, criticadas pelos sindicatos, o trabalhador tem agora um ano para encontrar emprego. 

Até lá, ganha 75% de seu salário, o que significa, no mínimo, US$ 1,5 mil mensais. Além do salário-desemprego, ele recebe ajuda para pagar aluguel, ganha US$ 100 por cada [sic] filho, não paga médico, dentista, nem, se precisar, tratamento psicológico; os filhos dispõem de excelentes escolas públicas. Os desempregados são convidados a participar de cursos de reciclagem profissional para que se coloquem no mercado." 

Dispensa-se, para o contraste, a descrição do que possa ser a vida de um camelô de Quito ou da Cidade do México, áreas urbanas mencionadas pela OIT.  

(2) Quem quiser ler o material em inglês pode encontrá-lo no site da OIT

(3) Trata-se dos 29 países considerados os mais ricos do mundo. Ver a lista nosite da OCDE