Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo na contra-mão

Uma leitura incorreta do que é politicamente correto leva invariavelmente nossos jornalistas a transformarem vilões em vítimas e, estas, em culpados. A síndrome Bonnie & Clyde e Robin Hood são amostras deste neo-romantismo pós-trotskista que converte terroristas sanguinários em heróicos guerrilheiros, invasores de gabinetes ministeriais em inocentes adeptos da não-violência e os seqüestradores de Lima em êmulos de Che Guevara. 

Nestas inversões morais podem-se identificar sobras de leituras mal-digeridas da época da Guerra Fria e alguma má consciência pelo guarda-roupa Armani pendurado nos armários. 

Se fosse apenas isso, a questão se resolveria num divã de psicanalista. O problema é que esses desvios e perturbações de valores transformaram-se num rito para dramatizar e fazer render o material jornalístico. 

O cadáver de um bandido como Leonardo Pareja coberto por uma bandeira nacional não é golpe do MR-8, mas pode render foto de primeira página e, em seguida, a interminável controvérsia sobre os fins e os meios. 

A verdade é que o MRTA do Peru, embora carregue no nome a memória do mártir Tupac Amaru, é um bando tão feroz e desumano quanto o Sendero Luminoso e ambos não se distinguem muito quando se trata de articular-se com o narcotráfico. Foi necessário esperar 10 dias de intensa cobertura jornalística até que o escritor e ex-candidato à presidência do Peru, Mario Vargas Llosa, (Estadão, 25/12), hoje cidadão espanhol, explicasse com toda a clareza quem são esses generosos seqüestradores que libertam 300 reféns que estorvariam qualquer operação de defesa. 

Desafeto político e pessoal de Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, em seu trepidante Notícia de um Seqüestro, não se deixa iludir pela falácia de que os bandidos também lutam contra as injustiças. Sua reportagem em nenhum momento esquece a solidariedade com os seqüestrados e suas famílias. 

O jornalismo de contra-mão produz controvérsias e muitos acidentes.