Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Reeleição, a insipidez do 'day after'

Acabado o frisson do primeiro round pré-eleitoral, mais uma vez, cabe perguntar: e agora, josés da mídia ? Como é que vão encher as páginas de política, com que matéria-prima vão encher as colunas de especulação, de que maneira vão fingir trepidação e intrepidez, com que roupa vão apresentar-se à sociedade como os defensores dos seus interesses? 

Mais uma vez, desmonta-se o mito da eterna vigilância com que nossa imprensa – herdeira legítima da falsidade udenista dos anos 40 e 50 – costuma adornar-se para enganar os incautos. 

Inventaram um superman metido a Fênix chamado Paulo Maluf que se evaporou da noite para o dia, embalaram-se na metáfora de Lula e acharam que Paes de Andrade era herdeiro de Ulysses Guimarães, apostaram nas brigadas de choque do MR-8, nada adiantou: os desesperados editores fizeram o que podiam para fazer da reeleição a grande virada na vida institucional brasileira. 

O estilo estrepitoso de jornalismo lembra o mágico que não consegue encobrir os truques. Acabada a festa que não houve, às voltas com as matérias frias com as quais pretendem esquentar o noticiário durante o Carnaval, eis os castelinhos e castelões da crônica política atolados numa de suas reveladoras entressafras noticiosas. 

Os três poderes constituídos podem dar-se ao luxo de intermezzos para repouso mas o Quarto Poder não tem recesso. E, quando tem, deixa de ser Quarto Poder. 

O modelo de Jornalismo de Editores e Colunistas (cujo momento culminante foi o defenestração de Collor de Melo) está esgotado. Esta primeira batalha da reeleição o demonstrou. A arte da controvérsia e a ciência do debate estão muito distanciadas das pautas falsamente provocadoras de confrontos. 

Jornalismo faz-se com repórteres em campo e a sua versão política requer conhecimentos um pouco mais sofisticados do que o escambo noticioso com os políticos disponíveis (você me dá uma boa notícia hoje e amanhã eu publico o que você quiser). Para cobrir o Brasil verdadeiro é preciso um espírito de vigilância que os yuppies, porque são yuppies, não têm condição de adotar e que seus mestres de Navarra jamais mencionaram. 


Títulos Públicos: onde está o trombone das vestais? 
Na véspera de encerramento do primeiro turno da campanha eleitoral, o Jornal da Tarde (São Paulo) denunciou manobras especulativas suspeitas promovidas por Celso Pitta quando ocupava a pasta municipal de finanças. Este OBSERVATÓRIO louvou o esforço investigativo de um jovem repórter que recusou os paradigmas da cobertura eleitoral (Um mês para apurar 'Como Pitta deu prejuízo de R$ 1,7 mi em um único dia'. O BC confirmou as denúncias. 

Dia seguinte as duas mais indignadas vestais do opinionismo pátrio botaram a boca no trombone (cada uma no respectivo jornalão paulistano): o BC subira ao palanque eleitoral! 

Os ditos cujos também, porque Saulo Ramos, o jurista das causas suspeitas, usou-os fartamente no programa que arrancou do STF nas derradeiras horas antes do pleito. 

Agora, com a CPI dos Títulos Públicos, confirmam-se as avaliações iniciais sobre o comportamento de Celso Pitta. 

As vestais estão quietas – não é com elas. 


Boas notícias das Gerais 
Nos últimos 40 anos Minas forneceu sucessivas fornadas de grandes talentos jornalísticos para os jornais, revistas e televisões do Rio e São Paulo enquanto que a imprensa mineira resignava-se à condição periférica e paroquial. 

Fenômeno preocupante, considerando-se a tradição cultural do Estado, exercia-se um regime de monopólio virtual do veterano Estado de Minas (dos Diários Associados), que o aparecimento do Hoje Em Dia (agora no rebanho do bispo Edir Macedo) não conseguiu minorar. 

O Estado de Minas, que já foi uma grande escola de jornalismo, tornou-se um dos porta-estandartes dos consultores de Navarra. Seus professores de ética não queriam saber se o jornal tinha uma tabela de preços para publicação dereleases jornalísticos ou outras inovações empresariais deste jaez. O importante eram os infográficos, os sucessivos redesenhos, a cosmética colorida, os seminários ministrados por aspones. 

A situação reverteu-se em novembro último com o aparecimento de esplêndido diário O Tempo, trabalho de um grupo de profissionais competentes e, sobretudo, respeitáveis. A imprensa do eixo Ipanema-Jardins não deu muita atenção a um jornal bem impresso e denso, que ousa adotar uma escrita adulta e apresentar-se em edições diárias com três cadernos regulares apenas, infringindo os padrões vigentes de fragmentação e descartabilidade. 

Há uma década que não aparecia um novo jornal no circuito das grandes capitais estaduais. Minas voltou a ferver intelectualmente. Imagine-se o que pode acontecer quando o artigo 222 de Constituição for alterado e começar a funcionar a legitima desconcentração informativa. 


O enfado dos opinionistas 
Em francês, diz-se ennui, tédio. Estado de espírito dos que freqüentam o Olimpo. Próximo ao nojo, aborrecimento mortal dos entes superiores diante das tribulações e mesquinharias do cotidiano nas quais se enroscam e se debatem os comuns mortais. 

Também significa fastio, insatisfação com a satisfação. Pobre não sofre deste mal. Nem aqueles que se aplicam com zelo e afinco ao que fazem. 

Este enfado pode ser identificado diariamente (em qualquer época do ano e não apenas no modorrento verão), nas dezenas de colunas em que os nossos jornais foram colonizados. 

Cansados de arrotarem suas opiniões, nossos ricos panfletários são freqüentemente acometidos por esta melancolia azeda em meio à qual a falta de empenho em buscar o bom assunto compensa-se com o uso dos impropérios ou impropriedades. 

Caso clássico de enfado está no Folhão (jornal assaz inclinado ao niilismo em geral e a este em particular) do dia 23 de janeiro na sua inefável Página Dois. Despachado para Brasília para dar um agito no tema da reeleição, o donatário do pedaço põe-se a fazer a sociologia da Capital. 

E para mostrar como lá se fabricam tantas fantásticas versões (que o seu jornal reproduz piamente), pontifica: "Chegou-se ao absurdo de mentir em off". 

Ora, amigão, o "off" (informação que se passa a um jornalista sem assumir a responsabilidade) só serve para enfiar mentiras e armadilhas. Fonte respeitável não fala em "off". Ou diz o que pensa entre aspas, atribuindo-se a autoria, ou cala-se. 

Jornalista responsável também não deve contentar-se com o off (vide caso do Deep Throat). Vai checar o segredinho com outras fontes. Quem trabalha o "off" são parlamentares padrão Delfim Netto, sem compromissos com a verdade. 

Apoquentação à parte: pretender a regulamentar o "off" é o mesmo do que reivindicar um código de ética para a máfia. 


Afinal, onde fica o Senadinho? 
O "escândalo" alongou-se por quase duas semanas, protagonizado principalmente pelos jornalões paulistas. O pool de Brasília descobriu que os Senadores da República mantêm uma mamata oriunda do tempo de JK, quando este, para tirar os parlamentares da Belacap e levá-los à Novacap (a moçada sabe o que é isto?) inventou uma série privilégios às margens da Guanabara. 

Um deles foi a manutenção no magnífico palácio que abrigara o Senado Federal de um escritório para os membros da Câmara Alta nas suas vilegiaturas fluminenses. Com a demolição criminosa do belo prédio (pelo prefeito Marcos Tamoyo) durante o regime militar, o "Senadinho" (como passou a chamar-se) foi transferido para outro local. 

Durante a cobertura do "escândalo" os jornalões disseram tudo, menos onde é que ficava o local do crime. Até que a Folha, certamente depois de inúmeras reuniões de autocrítica, informou (22/1) que a tal representação ficava "no Palácio do Itamaraty". Mas a foto que publicou foi dos fundos do prédio ao lado, de construção recente. 

Dia 25, depois de uma investigação de dois dias no Senadinho, a Folhaconfirmou que o Senadinho funcionava no velho casarão do século passado (portanto, a foto anterior estava errada). O Estadão, triunfante, no dia 26 dá a cartada final: em cores magníficas, uma foto do antigo palácio carioca com a legenda: "O Palácio do Itamaraty – 220 mil em salários, etc. etc." 

Esqueceu que o Palácio Itamaraty agora está em Brasília, o Ministério do Exterior nada tem com isto, o desperdício dá-se com os seus inquilinos. 

Diante de tanta incompetência para informar o elementar, chega-se à conclusão de que o indigitado Senadinho deve continuar onde está. Até que os jornalistas aprendam a apurar corretamente as suas matérias e os redatores a escrever legendas corretas. 


O que Chirac, o Papa e a Justiça americana têm em comum? 
O presidente francês quer a Justiça mais protegida da imprensa para poder julgar com serenidade, sem pressões. 

O Sumo Pontífice passa um pito na mídia e lamenta, na mensagem sobre S. Francisco, padroeiro dos jornalistas, a ausência de valores nos meios de comunicação de massa. 

Um júri federal americano condena a rede ABC a pagar uma indenização de 5,5 milhões de dólares porque dois de seus produtores (nova categoria profissional na TV que se situa entre a reportagem e a edição) mentiram ao procurar emprego numa cadeia de supermercados para registrar procedimentos impróprios no manuseio de alimentos. (Veja Fraude contra fraude?

Tudo isto foi noticiado no mesmo dia (25 de janeiro). 

Chirac e o Papa têm razão. O júri americano não tem razão. 

Mas alguma coisa anda mal parada quando a imprensa vai para as manchetes com tanta freqüência.