Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Anatomia do Pittagate

Este OBSERVATÓRIO está cumprindo com os objetivos e compromissos que assumiu perante a cidadania. A Imprensa nem tanto.

Esta é a conclusão que se obtém do desempenho da mídia jornalística a partir de 28 de setembro de 1996, quando o Jornal da Tarde publicou a primeira denúncia sobre negociação irregular dos papéis da Prefeitura de São Paulo no mercado financeiro durante a gestão de Paulo Maluf junto com a informação de que o Banco Central acompanhava atentamente a infração. Trabalho investigativo e solitário de um jovem repórter, Rogério Pacheco Jordão.

Estávamos a poucos dias do primeiro turno das eleições municipais e os grandes jornalões (Folha e Estadão), através de seus mais indignados opinionistas (Janio de Freitas e Elio Gaspari) caíram de pau no governo federal acusando-o de colocar o Banco Central no palanque eleitoral a favor do candidato do PSDB.

As duas matérias foram utilizadas fartamente pelos gerentes da campanha de Celso Pitta na alegação preparada pelo "jurista" Saulo Ramos para convencer os imparcialíssimos juízes do STE a conceder ao candidato do PPB o direito de resposta numa emissão especial, de 13 minutos de solo no Horário Eleitoral, à véspera do pleito.

Este OBSERVATÓRIO tratou longamente do assunto na sua edição de 20 de outubro. Dias depois, um quid pro quo gerado pela intransigente defesa do repórter pelo JT levou o colunista Gaspari a desligar-se do grupo jornalístico e passar-se para o concorrente.

 

Em 1o de novembro, o Estadão começou a publicar uma série de denúncias isoladas sobre a negociação irregular de outros títulos públicos (os chamados "precatórios") do estado de Santa Catarina. A nenhum dos sábios editores que controlam os corações e mentes da sociedade brasileira ocorreu fazer a junção das duas operações com os papéis públicos municipais e estaduais (exceto este OBSERVATÓRIO, edições de 20/12/96 e 5/2/97).

Que a Folha não o fizesse é compreensível (dentro da "ética" egocêntrica de ignorar as ações dos concorrentes) mas que o Estadão, jornal coirmão, ignorasse olimpicamente o trabalho investigativo inicial do JT é uma demonstração cabal do clima de deslealdade e antropofagia hoje imperantes na mídia.

Veja-se esta pérola, em 23/2, assinada por Ricardo Amaral, chefe da redação da sucursal do Estadão na Capital Federal, a propósito dos "precatórios": "A autoridade monetária só foi à caça dos malfeitores depois que botaram a boca no mundo". Na mesma edição, a tradicional "cronologia" do caso começa em 1 de novembro, quando o certo seria começá-la a 28 de setembro, com a matéria que revela o acompanhamento do Banco Central (o que foi feito pelo JB na edição de 22/2).

As duas matérias não apenas ignoram a ação do outro jornal como, ao enfocar o caso pela metade, adulteram-no substancialmente: minimizam sua dimensão, desviam a atenção dos grandes culpados e cerceiam informações fundamentais.

Em bom português: distorcem e desinformam.

Também chama a atenção a solidariedade corporativa que paralisa há cinco meses o senso crítico dos críticos da imprensa que deixaram passar em brancas nuvens as duas peças dos opinionistas na véspera do 1o turno e que sepultaram o prosseguimento do caso durante o intermezzo eleitoral. Onde estão os ombudsman e os media-watchers que só têm olhos para os profissionais anônimos, o "lumpen-reportariat", esquecendo as vedetes e os exemplos perniciosos que arrogantemente espalham?

O viés partidário funcionou abertamente em todas as etapas do caso e está presente até mesmo no artigo de Rogério Pacheco Jordão (v. abaixo "Esquema", a palavra que não podia ser usada), que acusa o governo de retardar estrategicamente a CPI "para não fazer marola" na votação da emenda da reeleição. Ora, a CPI foi instalada a 26 de novembro e a blitz do governo para aprovar a reeleição foi iniciada em janeiro (a impropriedade não diminui os seus méritos como um destes raros exemplares de uma espécie em extinção, o Repórter).

O parcialismo e a parcialidade da cobertura do caso dos precatórios não ficam nisso: envolvem a forma descuidada e insuficiente com que está sendo apresentada à sociedade a figura, no mínimo, controversa do relator da CPI, o senador Roberto Requião (PMDB-PR). Quem é este fogoso defensor da moralidade que enfia o rosto em todas as fotografias e emissões de TV – apenas um empavonado, um oportunista que está aproveitando os últimos 15 minutos de glória que lhe restam? Ou um irresponsável que está atropelando o escopo da CPI e a própria função de relator avançando na competência do presidente (Bernardo Cabral)?

Até o dia 3 de Março, quando a Gazeta Mercantil- só podia ser ela – fez uma completa radiografia de Requião, nenhum jornal, TV ou rádio nem os onipotentes opinionistas lembrou-se de oferecer à opinião pública os indispensáveis subsídios a respeito deste que, no grito e na marra, quer impor-se como o moralizador do sistema financeiro nacional. Isto significa que durante dois meses a opinião pública nacional foi enganada sem que os donos da verdade – a mídia – fizesse algo para repor as coisas no seu devido lugar.

Este é Roberto Requião:

* Dos quatro mandatos que teve, teve duas cassações – por corrupção

* Seu mandato de senador está sub-judice, o que compromete liminarmente qualquer gestão moralizadora. A ação que agora corre no TSE engloba além de corrupção, abuso do poder econômico e tráfico de influência, exatamente os mesmos crimes que hoje ele investiga.

* Seu objetivo declarado publicamente inúmeras vezes é castigar seu desafeto José Eduardo Andrade Vieira, dono do Bamerindus. Por esta razão quer estender o escopo da CPI para abarcar todo o sistema financeiro.

* Entrou na CPI unicamente para destruir seu adversário político, Jaime Lerner, certo de que o governo do Paraná também servia-se das brechas dos precatórios.

Quem ainda não conseguiu comprovar a sua própria probidade pessoal não pode arrogar-se à função de investigador da improbidade alheia. Um homem público sem compostura não merece o respeito dos pares nem da sociedade.

Suas declarações intempestivas e imoderadas – para não usar adjetivação mais contundente – incomodam até os senadores do PT. Só não incomodam a imprensa, sobretudo o pool brasiliense, aferrado ao simplismo de que jornalismo é a arte da conflito e o jornalismo independente consiste unicamente em falar mal do governo.

Por uma omissão perde-se um Brasil, dizia o Padre Vieira (como bem lembra o leitor no JB, Miguel Neiva, do Rio de Janeiro). Mais uma vez estamos perdendo magnifica oportunidade de fazer bom jornalismo preferindo o caminho fácil do Circo da Notícia.