Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carnaval italiano

Visita do Presidente Fernando Henrique Cardoso à Itália ou O que o Comandante Zero faz em Chiapas? Qual dos temas interessa mais à imprensa italiana? Erraram os patriotas brasileiros que imaginam que o país suscite alguma inquietação na mídia local. 

Enquanto temas como o movimento social no México ou em alguns países latino-americanos, como Peru ou Equador, merecem páginas inteiras, grandes fotos e cobertura de enviados especiais, assim como o que pensa e faz Fidel Castro sempre atrai leitores, nós, brasileiros, só viramos notícia na desgraça ou no folclore. 

Como era Carnaval, além de pequenas matérias no pé de página de alguns jornais de cobertura nacional preparando a vinda de FHC – que mais pareciam releases bem feitos e sem fotografias -, a Rai Due, um dos três canais estatais de televisão, preparou um documentário sobre O País Dos Sonhos ao melhor estilo de nossa velha revista Manchete. Carnaval carioca, com as imagens previsíveis e sempre bonitas para qualquer brasileiro saudoso da terrinha. 

E o povo? Esta instituição chamada povo brasileiro suscita um fascínio inexplicável ao estrangeiro do Primeiro Mundo: diante de tanta adversidade e atrocidade, o povo samba e é feliz. Nas telas, a miséria da periferia do Rio, de Fortaleza e de Manaus. E o confronto do belo teatro à beira do rio Amazonas, as areias brancas da capital cearense e o desfile luxuoso da Marques de Sapucaí. 

Mas o documentário procura provar que deste contraste nascem opções criativas de sobrevivência, que a indústria do Carnaval gera empregos para o ano inteiro e que, enfim, a população é honesta e trabalhadora e só precisa de algumas atitudes políticas, como a Reforma Agrária, para ser feliz. 

A reorganização do campo, por sinal, foi o tema recorrente durante a passagem de FHC por aqui. A imprensa não divulgou se houve alguma resposta por parte do dirigente brasileiro mas registrou as reivindicações. E só. Em contrapartida, as vítimas das enchentes em Minas Gerais durante janeiro e o assassinato de cinco jovens no Rio por falta de dinheiro para pagar passagem em um ônibus de periferia mereceram cobertura e editorial nos jornais. No caso mais recente, dos rapazes cariocas, o título do editorial do matutino La Repubblica não perdoa: "A execução no Rio. Assassinados por pouco, maldito trocado, e ainda por outro motivo: eram pobres e também eram negros". 

Triste imagem! O editorialista diz que "esta é uma regra que ainda vigora no Brasil, apesar da tentativa do governo de enfrentar o problema de direitos humanos: se você é negro e não tem dinheiro no bolso, sua vida não vale nada, não vale sequer o dinheiro do bilhete de ônibus". 

Reforçando o cenário, retratado em notas da imprensa ou em cartazes distribuídos por qualquer grande centro urbano da Itália, é preciso salvar as crianças do Brasil. Elas são espancadas, passam fome, não têm escola e são assassinadas. Por isso, há uma intensa campanha de adoção e as crianças brasileiras, como as africanas, as filipinas ou as do Leste Europeu, são o principal alvo das instituições humanitárias daqui. 

Não é fácil, como brasileira, constatar tudo isto. Pior ainda é não ter argumentos para refutar a afirmação que finaliza o editorial do La Reppublica: "Nos anos 70, durante a ditadura, os irrecuperáveis eram os militantes de esquerda; hoje são os 'meninos de rua'."

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[Wanda Jorge, jornalista, de Florença]