Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalismo de rodapé

Este OBSERVATÓRIO foi procurado há três semanas por um cunhado do Sr. Fábio Nahoum, que oferecia revelações exclusivas do banqueiro sobre o escândalo dos precatórios. "O Fábio está sendo vítima de muitas injustiças e falsidades, não estão lhe dando possibilidades de defesa", argumentou. 

Nossa resposta foi negativa: Não somos um jornal. Fazemos a crítica da imprensa. Não vamos confundir as coisas. 

O convite acabou sendo aceito e provocou uma intervenção de jornalistas da TV Bandeirantes – Luís Nassif, também colunista da Folha de S.Paulo, e Mônica Bérgamo – na produção dos fatos. Com certeza imbuídos de boas intenções, não hesitaram em promover uma "reunião secreta" de Nahoum com os senadores Roberto Requião e José Serra. Atividades da CPI deslocaram-se do Senado para o apartamento de um irmão de Requião e os jornalistas deslocaram-se de seu papel de informar. 

O resultado ficou claro na segunda-feira, dia 31 de março, quando aFolha de S.Paulo (dizendo-se, ingenuamente, "exclusiva"), O Estado de S.Paulo O Globo publicaram longas entrevistas de Paulo Maluf. 

Deram a Maluf a oportunidade que ele pediu a Deus durante semanas passadas quietinho entre Paris e Bahrein. Maluf não estava fugindo da imprensa, estava esperando um "gancho" para reaparecer. 

Nas entrevistas, o eterno candidato sai da defensiva e procura envolver na confusão dois possíveis adversários nas eleições de 1998: Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, que, senadores à época, votaram a favor de autorização de títulos pela Prefeitura de São Paulo. Maluf aproveita também para bater no senador José Serra. E tenta estabelecer distinção entre as operações da Prefeitura de São Paulo e as dos estados de Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina. 

Outro resultado, por sinal há várias semanas previsto, é que a CPI começa a se enredar. O advogado de Wagner Ramos, Márcio Thomas Bastos, afirmou (Jornal do Brasil, 31/3/97) que "o depoimento de Nahoum, a portas fechadas, é totalmente ilegal. A CPI está tomando atitudes à margem da lei e isso fará com que tudo termine em pizza". 

Quanto ao trabalho da imprensa, vamos plagiar Mário de Andrade: está fundado o Metajornalismo, nem tão distante do Desvairismo do poeta, que constatou no "Prefácio Interessantíssimo" à Paulicéia Desvairada: "Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei." 

Metajornalismo, ou jornalismo com notas de rodapé. Jornalismo do "porquê". "Por que fizeram isso? Porque…" Dar a notícia e explicar quem, quando, onde, como e por que está dando a notícia. Levar o rodapé para o noticiário. 

Veja com data de 2/4/97, fechada correndo antes da Semana Santa, desconfiou da mancada mas não abriu mão do título de página dupla: "O garganta acusa Paulo Maluf". Na gigantesca nota de pé de página: "Mas a maior dificuldade do banqueiro é que ele não tem um grama de prova para sustentar que Maluf tenha sido o cérebro do esquema e o grande beneficiário da derrama de precatórios." Ressalva à ressalva: "Pelo que se murmura há semanas nos corredores da CPI e do mercado financeiro, existe a possibilidade de a versão de Nahoum ser a verdadeira" (grifos nossos). Ressalva corretiva abrangente, ignorada na edição toda, desde o título bombástico: "São questões complexas, que devem ser aprofundadas. Mas com calma, sem precipitações, sem imaginar que se chegou ao coração da matéria a cada novo papel que aparece." 

Já diziam os romanos: Nenhum caminho é bom para quem não sabe aonde quer chegar.