Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quando conseguirão os jornais desatrelar-se dos fascículos ?

"O que diferencia um (jornal) do outro é o nome da enciclopédia que encartam…" Quem o diz é o poeta, ensaísta, tradutor e professor José Paulo Paes em entrevista nas páginas amarelas de Veja de 3/4/96.

Um dos fenômenos mais visíveis e inéditos na mídia brasileira é o aparecimento espontâneo e multiplicado de críticos da mídia. Demonstração clara das disfunções percebida s hoje a olho nu. Os ombudsman já não satisfazem porque incorporaram-se ao próprio sistema que deveriam fiscalizar.

O poeta José Paulo Paes já fez outras incursões no terreno do media-criticism, mas esta observação sobre a brindo-dependência é nova. E arrasadora, se percebida a sua profundidade.

Ao comprar um jornal ou revista, o leitor é um cidadão em busca de informações para capacitá-lo a exercer melhor e mais ativamente seu papel dentro da sociedade. Se ele vai à banca apenas para completar uma col eção de brindes dá-se uma subversão do processo político, o leitor-cidadão converte-se num mero consumidor de papel impresso, secundarizando-se perigosamente o serviço público prestado pela imprensa.

É em função deste serviço público que na Constituição existem várias cláusulas para garantir a livre expressão de idéias ou para proteger as empresas jornalísticas de p ressões indevidas e arrochos fiscais, etc. A informação livre – matéria prima da sociedade democrática – não pode sujeitar-se a constrangimentos ou pressões externas.

Pergunta-se: mas a informação pode sofrer constrangimentos vindos de dentro do próprio veículo?

A supremacia do marketing hoje imperante na mídia constitui uma das grandes ameaças à própria lisura com que é praticado o jornalismo.

O sensacionalismo exacerbado é uma destas ameaças, oriunda do empenho em vender mais exemplares sem atentar para a qualidade e o compromisso com a veracidade da informação.

Outra ameaça é a conversão dos jornais em meros veiculadores de produtos não-jornalísticos, utilizando-se privilégios e garantias constitucionais para proteger uma operação comercial convencional.

Fascículos sempre existiram, mas convertê-los em principais alavancas para o crescimento da circulação de jornais é minimizar a informação para o cidadão. E comprometer a própria essên cia do processo jornalístico, crucial para o funcionamento da democracia.

Pior ainda: ao tornar-se secundário e descartável, o jornal arrasta consigo os níveis de exigência da sociedade, tornando-a banal, leviana e irresponsável.

A inoculação destes estimulantes exógenos na circulação dos jornais é um vício do qual dificilmente poderão livrar-se. Repare-se no caso da Folha de S. Paulo: a sua circulação dominical chegou a 1.400.000 exemplares – efetivamente um recorde histórico – no auge de uma destas serializações. Recentemente, quando anunciou a reforma gráfic a e a veiculação da Nova Enciclopédia Ilustrada, o jornal admitiu que naquele momento tirava 750 mil.

Significa que o público que atende e acorre a estas promoções não tem capacidade alguma de fidelização. É errático e oportunista. E não poderia ser diferente porque também é e rrática e oportunista a estratégia que o seduziu.

Com isto liquida-se a argumentação dos diretores de marketing e a nova classe de jornalistas tecnocráticos que justificam a apelação com a desculpa de que, uma vez atingido o "break-even", o jornal abandonará o recurso.

É a mesma promessa que fazem os tóxico-dependentes – deixar o vício quando se estiverem se sentindo mais fortes e confiantes. Só que o movimento pendular de adição e dependência só se corrige com terapias corajosas e a disposição de cortar o mal pela raiz.