Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O homem que mentia para defender a verdade

No início dos anos 80, havia na redação de O Globo um gênio, o único gênio vivo, em carne e osso, que nós conhecíamos: JoãoRath. Luiz Alberto Bittencourt era o editor de política.

Rath, que morreu jovem em 1989, detestava os "pescoções", as viradas que passavam das noites de sexta-feira para as madrugadasde sábado, destinadas a fechar o jornal de domingo. Não por preguiça – que ele defendia, caso necessário, só nos outros, generosidade filosófica; jamais em causa própria.

Detestava os "pescoções" porque desprezavão material frio e metido a pretensioso dos domingos. Quando lhe cabia editar as chamadas matérias dominicais, desapareciada redação, instalava um "quartel-general de crise" (foi ele o propagador da frase "É grave a crise", depois retomada por Ancelmo Gois no Informe JB) numa salinha anexa, perto do gabinete, já vazio àquela hora, de Evandro Carlos de Andrade.

Luiz Alberto contou recentemente: muitas vezes, perguntou a Rath, na alta noite de sexta-feira, como andava o fechamento do domingo. "Sob controle", embromava Rath. Mas quando era ele o escalado para o plantão de sábado, poder-se-ia ter certeza de que estava mentindo. Não fecharia as páginas. Mantê-las-ia deliberadamente abertas, para obrigar coordenadores, pauteiros e sobretudo repórteres a trabalhar, sob seu comando, no sábado. Queria dar ao leitor, no domingo, material novo.

Mentia a Luiz Alberto para defender a verdade do jornalismo.

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P.S. – Só agora li a preciosa crônica de José Castello sobre João Rath (O Estado de S.Paulo,19 de setembro de 1995). Muitas verdades em duas frases do texto: "Até hoje, me deparo com respostas aos desafios que Rath me deixou. Sinto que estarei preso para sempre a suas perguntas".