Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veículo da barbárie

Na edição de 5 de outubro, Alberto Dines produziu um dossiê chamado Goebbels estava certo, o rádio é imbatível. Afirmou entre outras coisas que o poder de penetração doméstica confere ao rádio a capacidade única de mobilizar as audiências para mensagens simplistas e emocionais, e que a penetração da nova direita americana, xenófoba, racista e fanática fez-se através de emissoras radiofônicas, sobretudo no interior do país. 

No dia 9 de outubro, O Estado de S.Paulo publicou uma pequena nota com o seguinte teor: "Programa de rádio leva preso a matar colega. ORLANDO, EUA – Aparentemente incentivado por um ouvinte que ligou para uma rádio oferecendo US$ 1 mil de recompensa para quem matasse – na prisão – o assassino de uma garota de 5 anos, um detento matou a pauladas o colega de cela condenado pelo crime. O fato ocorreu na penitenciária de Avon Park, na Flórida, e serviu para reabrir a discussão sobre programas populares de rádio nos EUA. Muitos apresentadores desses programas difundem, em linguagem vulgar, idéias violentas e racistas." 

Em sua edição de 21 de outubro, a revista Time publicou uma reportagem em que descreve o crime, intitulada: "Justice, Talk Radio-Style – After hearing an emotional broadcast about a girl's killing, an inmate murders the man responsible". Em resumo, diz o seguinte. 

O Russ & Bo Show, programa da WTKS-FM, de Orlando, Flórida, normalmente, ocupa-se de "mulheres e cerveja", segundo um de seus apresentadores, Russ Rollins. No dia 25 de setembro, entretanto, resolveu rememorar o assassinato, exatamente 14 anos antes, de Ursula Sunshine Assaid, dedicando ao caso cinco horas contínuas de transmissão. A menina foi torturada e morta pelo namorado da mãe, Donald McDougall, um crime ainda lembrado em Orlando. 

Em meio a telefonemas, Rollins descreveu pormenorizadamente o sofrimento de Ursula. O auge do emocionalismo foi alcançado às 20h50, hora em que a menina morreu. O apresentador pediu então um minuto de silêncio. Comentaria depois para a repórter Sarah Tippit, de Time: "Silêncio num programa de rádio é forte." 

O programa é popular entre presidiários da região de Orlando, onde fica a Avon Park Correctional Institution, na qual McDougall cumpria pena de 34 anos. Um dos ouvintes era Arba Earl Barr, 33, condenado a 114 anos por assalto e roubo. 

Segundo a polícia, no dia 1 de outubro, depois do jantar, Barr matou McDougall no pátio, diante de outros 200 presidiários. Desde a noite do programa, McDougall estivera sob proteção, porque presidiários haviam comentado que alguém telefonara para a rádio oferecendo mil dólares de recompensa para quem o matasse. A emissora afirmava que não transmitiu tal oferta de recompensa, mas recusava-se a mostrar a gravação do programa. 

Barr certamente estava entre os presidiários que ouviram o programa, alguns dos quais telefonaram para a emissora descrevendo o que acontece na prisão com algozes de crianças. Um prisioneiro mencionou a prática de cobrir o preso com um cobertor para "todo mundo bater até acabar com ele". Segundo o apresentador do programa, sua resposta foi: "Não, não, não. Vamos ao próximo telefonema." 

Após cinco dias isolado, McDougall exigira voltar ao convívio dos outros presos e foi morto na mesma noite. Desde 1992, o estado da Flórida mudara duas vezes as leis relativas à libertação antecipada de condenados, para impedir que McDougall fosse beneficiado. 

Russ Rollins disse que não teve responsabilidade na morte do preso. "Estávamos apenas dando nossas opiniões para ajudar o público a se manifestar." O sensacionalismo do programa não desagradou a audiência. Segundo Rollins, quase um mês depois ainda havia pessoas que continuavam a telefonar ou mandar mensagens por fax oferecendo prêmios em dinheiro para Barr. 

Se o rádio funcionar na mesma faixa de ondas mentais de uma parte de sua audiência, sabe-se lá onde vai parar.