Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A arrogância da cobertura

CRISE ARGENTINA

Chico Bruno (*)

A crise argentina está sendo coberta com a devida importância que o assunto requer pela imprensa brasileira? A resposta é não. Quem passa alguns dias no país vizinho e depois volta ao Brasil com certeza sabe disso. A situação argentina é gravíssima e tem reflexos em centenas de empresas brasileiras que negociam com os portenhos e com os brasileiros por lá estabelecidos. A imprensa brasileira, ao que parece, está se lixando para as graves conseqüências que podem advir para o Brasil, caso se confirme a quebradeira do sistema financeiro argentino. Não custa nada lembrar a arrogância da imprensa dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo, haja vista que até 11 de setembro não havia muita informação internacional na imprensa de lá.

Preocupa, principalmente, por se ter certeza de que a imprensa brasileira ainda não entendeu, com raras exceções, que o que está acontecendo na Argentina aconteceu aqui, num passado não muito remoto. Quem viveu 1964 sabe do que se está falando.

Nossa mídia precisa dar importância à crise argentina, pois ela já afeta a indústria brasileira de turismo ? que o digam os estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Alagoas, grandes receptores de turistas argentinos. O município de Búzios, no litoral fluminense, nessa época do ano fervilhava de argentinos. Pois Búzios está às moscas neste verão.

Não dá para relegar a crise argentina a poucas linhas e privilegiar apenas os assuntos divulgados pelas agências internacionais de notícias. Afinal, a Argentina é um país limítrofe e parceiro comercial importante. É preciso ir fundo. Buscar as razões do que ocorre por lá e projetar o que ocorrerá por aqui, principalmente porque este é um ano eleitoral. O leitor, o ouvinte e o telespectador têm que ser informado. É preciso enviar repórteres para viver o dia-a-dia da crise, entender o que se passa por lá e transmitir esse entendimento. Não dá para cobrir o assunto a partir de Porto Alegre, como vem fazendo o jornalismo da Globo, por intermédio da afiliada RBS.

Candidatos à vontade

É necessário que a imprensa dê consciência ao público brasileiro das conseqüências que podem ocorrer no Brasil. A imprensa tem o dever de alertar, no mínimo de informar. O que está acontecendo na Argentina e começa a acontecer no Uruguai pode afetar o Brasil? Essa pergunta tem que começar a ser respondida pela imprensa. É uma das tarefas da imprensa.

Tanto a imprensa argentina como a uruguaia destacam os acontecimentos brasileiros. A cobertura da sucessão brasileira é intensa. Os jornalistas dos países vizinhos sabem que a música que toca lá afeta aqui e vice-versa. A recíproca, porém, não é verdadeira. A imprensa brasileira sente-se acima da imprensa dos países vizinhos. Uma basbaquice, pois a imprensa platina é competente, tanto a escrita como a falada.

Enquanto a Europa curte o mercado comum, infelizmente por aqui não se dá muita importância ao Mercosul. Ver e ouvir o que o Jornal Nacional, da Rede Globo, anda noticiando da crise argentina é piada. Depois disso, ou se constata a triste arrogância da imprensa brasileira ou a sua incompetência. Infelizmente, a cobertura do dia-a-dia da crise argentina é pífia.

O mais intrigante é ver que os candidatos à sucessão de FHC não se pronunciam a respeito da crise platina. E mais intrigante ainda é constatar que a imprensa brasileira não questiona os candidatos a respeito.

(*) Jornalista