Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A arte de escrever

GRACILIANO RAMOS

Norma Couri (*)

Os bons jornalistas já foram comparados aos melhores chefs de restaurantes porque aos cozinheiros exige-se qualidades idênticas às de um profissional tarimbado de imprensa ? criatividade, pureza ou estilo direto no gosto e rigor na execução do prato como na da matéria. Sem falar no paladar dos leitores, no qual deverá permanecer o sabor de um "prato" bem-feito muito tempo depois de consumido o texto.

Atletas de boas pernas, exigem os jornais que só querem juventude e rapidez . Intelectuais, preferiam os mais profundos e atualmente quase extintos veículos. Com profundos e frustrados dotes literários, selecionavam os mais inventivos da década de 70. Agora, comparação com as lavadeiras, só mesmo por Graciliano Ramos.

Mestre Graça, com a vida em exposição no SESC Pompéia, em São Paulo, até o final de março, por sugestão, pesquisa e curadoria do jornalista Audálio Dantas, é passagem obrigatória dos coleguinhas. Lá descobrimos que, além de recomendar "fugir do gerúndio como o diabo da cruz", o mestre do rigor e da concisão ensinava a secar a palavra ao sol.

Está exposta uma entrevista concedida em 1948, na qual Graciliano descreve seu método de trabalho:


"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam anil e sabão, torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de ter feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa".


A mostra Chão de Graciliano abre com a frase que ele terminou a entrevista:


"A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer".


(*) Jornalista