Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A atualidade de Fernando Barbosa Lima

TELEJORNALISMO EM CLOSE

Paulo José Cunha (*)

Curioso como o tempo passa e as perplexidades sobre a televisão brasileira permanecem exatamente as mesmas. O filho de Barbosa Lima Sobrinho, Fernando Barbosa Lima (Jornal de Vanguarda, Abertura, Canal Livre etc.), vencedor de praticamente todos os prêmios mais importantes da televisão no Brasil e no exterior, é autor de um texto primoroso, sobre o futuro que queremos para nossa televisão. Chama-se "Progresso ou civilização?". Pela sua pertinência, vale transcrevê-lo na íntegra:


Mais de 50 milhões de brasileiros passam boa parte de seu tempo diante de um receptor de televisão. Nossas crianças estão vendo por mês mais de quatro mil comerciais e, pelo menos, 200 crimes cometidos com a maior violência e crueldade. Eu vi de perto, de dentro dos estúdios, a chegada do vídeo-tape, o lançamento da televisão em cores, a, ligação instantânea de todo o Brasil via Embratel e a conexão mundial pelos satélites. No campo da tecnologia a nossa televisão caminhou com surpreendente velocidade. Tecnicamente o Brasil tem hoje uma televisão da mais alta qualidade, e, mesmo sendo de Terceiro Mundo, estamos em pé de igualdade com a técnica de televisão dos países mais adiantados. Entretanto, o avanço técnico não representa o avanço intelectual. Por isto, eu costumo perguntar:

** O vídeo-tape está fazendo uma televisão mais inteligente?

** Até que ponto a televisão está contribuindo para melhorar o nível cultural do nosso povo?

** Estamos sabendo utilizar a mais poderosa máquina de comunicação ? de todos os tempos ? para ajudar os brasileiros?

** A nossa televisão tem sido a melhor vendedora de bebidas, cigarros, sabonetes etc…. Por que ela não vende idéias?

** E por último: a televisão significa apenas progresso ou deve representar, acima de tudo, civilização?

A televisão brasileira nasceu da TV norte-americana. Até hoje, mais de 60 por cento dos nossos programas são americanos. Esta cópia tem influenciado de tal forma nossos diretores de televisão que essa incrível máquina de comunicação passou a ser apenas ? ou quase sempre ? um veículo de divertimento, de puro lazer. A televisão tem importância fundamental. Ela sabe tudo. Está no Oriente Médio, na Casa Branca, nos grandes estádios de futebol, no Vaticano e até dentro das naves espaciais. Ela faz rir e chorar. As pessoas mais importantes passam por aquela pequena sala de um subúrbio perdido. Ela entrevista os homens mais poderosos do mundo e, ao mesmo tempo, nas suas novelas, faz a empregada doméstica casar com o patrão. Ela realiza sonhos.

Tudo isso dá à televisão uma incrível força de atração junto ao seu espectador. Ela passa a ter o significado de ser a dona do poder, de representar a voz da verdade. O triste é a gente reconhecer que a televisão não tem a permanente preocupação de ajudar o nosso povo. Da mesma forma que ela é absolutamente invencível para vender desodorante, ela é perfeita para ajudar, para acelerar o desenvolvimento de um país como o Brasil. Não podemos ser um Brasil forte com um povo intelectualmente fraco. Em toda a história universal a evolução econômica sempre caminhou ao lado da evolução cultural. É através da televisão, basicamente através da televisão, que podemos melhorar o nível cultural do nosso povo. É através da televisão que podemos ensinar às nossas crianças e aos nossos jovens, debatendo o Brasil, que existe um futuro, um dia melhor. É através da televisão que podemos orientar nosso povo para as novas profissões, revelando o verdadeiro mercado de trabalho do País.

É importante que o Governo saiba que poderá economizar muitos leitos nos hospitais usando a televisão para emitir conselhos de medicina preventiva, iniciando uma verdadeira política sanitarista. Hoje, quando vivemos um momento histórico, quando o Brasil caminha para a democracia, a televisão tem uma importância fundamental. Temos de nos olhar dentro dos nossos próprios olhos. Temos de viver os nossos problemas, a nossa realidade. Nossos problemas são imediatos e urgentes. São dramáticos. Não podemos passar para a história ? a nossa geração ? como profissionais alienados que permitiram que a mais poderosa máquina de comunicação de todos os tempos fique apenas como algo que ajudou o nosso povo a escolher entre esta ou aquela marca de cigarros ou shampoo.


O texto acima foi escrito em 1985, 18 anos atrás. Com algumas poucas atualizações poderia ter sido escrito ontem. "Passaram as estações, nada mudou" ? como diz aquela balada do Renato. E esta coluna, transcrevendo o texto de Fernando Barbosa Lima, foi a 14? da série Telejornalismo em Close. Está sendo republicada ? pela segunda vez ? atendendo a pedidos.

(*) Jornalista, pesquisador, professor da UnB, documentarista, autor de A noite das reformas, O salto sem trapézio, Vermelho, um pessoal garantido, Caprichoso: a Terra é azul e Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Este artigo é parte do projeto acadêmico Telejornalismo em Close <http://www.tjemclose.hpg.com.br>, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>