Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A boa e velha mentira

GRÃ-BRETANHA

Em abril, os leitores do Daily Mail de Londres se emocionaram com o relato da execução de Tracy Housel, prisioneiro britânico que passou 16 anos no corredor da morte por estupro e assassinato. Segundo relato do correspondente de Nova York, Daniel Jeffreys, "o que aconteceu vai assombrar meus sonhos durante anos": era possível "ver Housel balbuciando as palavras ?eu te amo?". O único problema da matéria, revela David Amsden [New York Magazine, 6/5/02], é que ela foi inventada.

Apesar de insinuar que testemunhou a execução, a porta-voz da prisão afirma que Jeffreys se inscreveu tarde demais para ser observador. "Os detalhes que escreveu são da foto que demos a todo mundo", disse Peggy Chapman. A ficção só veio a público graças à competição entre os jornais britânicos ? assim que a reportagem foi publicada, editores britânicos brigaram com os correspondentes: como ele conseguiu o furo?

O caso do repórter que não deixa os fatos atrapalharem uma boa história virou matéria dos rivais Guardian e Independent, mas o Daily Mail jamais publicou qualquer errata ou pedido de desculpas. Esta não é a primeira vez que Jeffreys é desmascarado: o Village Voice o denunciou em 2000 por ter inventado uma entrevista. Ele também assinou um artigo curioso no ano passado, em que diz ter sido "um dos primeiros jornalistas a entrar nas cavernas debaixo do World Trade Center" guiado por um integrante da equipe de resgate, algo que o departamento de polícia de Nova York considera altamente improvável. Jeffreys, no entanto, continua no posto ? sua última matéria foi "Nascido para ser surdo: amantes lésbicas sem audição projetam bebê como elas".

ARÁBIA SAUDITA

Após a morte de 15 estudantes no incêndio de um colégio em Meca, os jornais sauditas lideraram um ataque inédito contra a polícia religiosa, acusada por testemunhas ? depois contestadas pelo governo ? de ter impedido a fuga das jovens do prédio por não estarem propriamente vestidas para sair. Muitos veículos questionaram a versão da agência oficial de notícias; tal surto de independência e abertura foi elogiado por leitores, mas durou pouco: algumas semanas depois, o governo puxou as rédeas e a colocou a imprensa em seu devido lugar.

Embora os jornais sejam privados, explica Donna Abu-Nasr [AP, 24/4/02], os editores são nomeados pelo governo saudita e têm que se encontrar regularmente com o ministro da Informação, Fuad al-Farsi, para receber orientações sobre como lidar com temas delicados. No caso do incêndio, al-Farsi e o ministro do Interior censuraram a imprensa pela campanha contra a polícia religiosa. Outro exemplo de intimidação ocorreu quando o governo impôs multa de US$ 10.800 ao diário al-Watan por ter distribuído uma pesquisa a palestinos de diversos países árabes perguntando se gostariam de retornar caso seja firmado um acordo de paz com Israel.

Anúncios rejeitados

Pelo menos nove redes de TV americanas recusaram comerciais da embaixada saudita. A campanha, que pretende melhorar a imagem do país, conta com orçamento de US$ 10 milhões e exibe o slogan "Povo da Arábia Saudita ? Aliados Contra o Terrorismo".

Entre os canais que recusaram estão A&E, Bravo, History Channel, Lifetime, USA Network e Weather Channel. Segundo Louis Chunovic [Electronic Media, 1/5/02], um executivo que pediu anonimato revelou ter conversado com o departamento legal da rede antes de rejeitar os anúncios, dispensando uma compra de até US$ 400 mil: "Sempre queremos dinheiro", mas os comerciais sauditas foram considerados "impróprios para nossa marca".