Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A campanha da fraternidade de Veja é muito pior que a Igreja dos aiatolás

Victor Gentilli

 

Veja produziu na semana passada um dos mais estonteantes documentos sobre matéria econômica que já se viram nos últimos tempos. Ao escolher a crítica intolerante à Igreja Católica, no seu texto sobre a campanha da Fraternidade, Veja encontra no documento da Igreja todos os erros e todos os pecados. Num texto carregado de ironias e sofismas, Veja agride despudoradamente a Igreja. A agressão é tão cega, que a revista deixa de ver que comete ela mesma, na mesma matéria, todos os pecados que vê na instituição que, segundo ela, deveria apenas cuidar da almas. Veja se diz revista de informação. Seu texto é todo opinião. O diabo é que seus argumentos são desmontáveis… pelos seus próprios argumentos. Isso mesmo, a revista argumenta com base na sua fé, não na sua razão. Ora, de fé a Igreja entende mais.

Onde a crítica de Veja nas propostas da Igreja? A Igreja está preocupada com o desemprego e, diante disso, faz propostas de fato discutíveis e questionáveis. Se a revista problematizasse (ao invés de simplesmente destruir) as propostas da Igreja na sua cartilha da Campanha da Fraternidade, tudo bem.

Do meio para o fim do texto, depois de exibir todos os defeitos das propostas católicas, Veja cai na contradição: “Embora uma saída (para a questão do desemprego) não esteja à vista”, “ela será encontrada”.

1 – se não há saída à vista, então as propostas da Igreja não estão tão erradas assim.

2 – de onde Veja alcança a convicção de que a saída será encontrada? De nada, apenas de sua crença, de sua fé.

Ora, se o única convicção de Veja é baseada apenas na crença e na fé, então porque combater tanto a Igreja no único campo onde, segundo a revista, ela acerta?

Veja vai além: quando, no final da matéria, ouve o secretário-geral da CNBB, Dom Raymundo Damasceno, admitindo “não temos uma proposta técnica, mas uma análise ética”, Veja sapeca: “Faltam apenas as soluções técnicas”. Mas não é a solução técnica que a revista informa não estar à vista no momento, embora, na sua crença e na sua fé “ela será encontrada”?

Só a intolerância justifica que uma revista critique tanto a Igreja Católica e repita, no mesmo texto, vícios piores do que os da Igreja.

V.G.

Ampliam-se os espaços de crítica de mídia no Brasil. Breve, o lançamento de Jornal dos Jornais.

Vida longa ao novo empreendimento.

Cabe apenas registrar que o nome Jornal dos Jornais não é inédito. No já longínquo 1975, a critica de mídia sistemática chegava ao Brasil na Folha de S. Paulo, então dirigida por Cláudio Abramo. Com o início da distensão, a Folha inovava sistematicamente e rompia com seu anacronismo. Entre as várias novidades que o jornal passava a oferecer, estava a coluna dominical que Alberto Dines, diretor da sucursal do Rio de Janeiro, produzia semanalmente. A proposta inicial era de uma coluna discreta, às segundas-feiras. Mas a idéia era a mesma: comentar o desempenho de jornais e revistas durante a semana.

Tornou-se leitura obrigatória. A primeira edição, quase um manifesto, mostrava a importância da crítica e a necessidade dos jornalistas também se submeterem a ela. Premonitória. Chegou a ser publicada em corpo 8, resposta perversa de um diagramador incomodado. Cunhou a expressão “imprensa alternativa”. Dava nome aos bois.

Foi um ano excepcional. Portugal alcançara a democracia no ano anterior, Espanha vivia sua transição, os EUA metabolizavam o episódio Watergate, então recente. Os jornais americanos haviam iniciado as primeiras tentativas de midia-criticism e de ombudsman no rescaldo dos episódios que culminaram na renúncia do presidente Richard Nixon.

Jornal dos Jornais durou pouco tempo. O Brasil, que pensara que o horror chamava-se Emílio Médici, viria a saber que também chamava-se Ernesto Geisel.

A história dos anos 70 precisa ser melhor conhecida.