Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A campanha de Roseana no Maranhão

FAZENDA SARNEY

Daniel Mendes (*)

As eleições no Maranhão apresentam mais uma vez uma peculiaridade sem comparação com qualquer outro estado: a última grande oligarquia nordestina, no poder há quase quatro décadas, vê ameaçada sua hegemonia e tenta transformar o pleito em plebiscito. O candidato a governador do clã Sarney, José Reinaldo Tavares, é praticamente um coadjuvante, com as eleições dominadas por uma tentativa de polarização entre Roseana e Jackson Lago, candidato da oposição e líder em todas as pesquisas.

O fenômeno Roseana merece transformar-se em case de marketing. Ao longo de sete anos, sendo ela governadora e dona de grande parte dos meios de informação no estado (56 emissoras de rádio e TV estão em seu nome e do irmão Fernando, segundo o Dentel), sua imagem foi cuidadosamente trabalhada em peças publicitárias associando-a a um Maranhão virtualizado, moderno, no rumo de um desenvolvimento cosmopolita, completamente alheio ao verdadeiro Maranhão agrário e subdesenvolvido revelado com crueza pelos números do IBGE. As jóias da coroa, na verdade, foram os grandes projetos industriais federais ou privados, da Vale do Rio Doce, Alumar, ou a soja no Sul do estado. Além disso, sua trajetória pessoal, de mulher que venceu a luta contra a doença, transformaram-na em guerreira, símbolo da resistência e tenacidade do povo maranhense.

Somente esse quadro explica que Roseana tenha atravessado incólume, no Maranhão, o vendaval de denúncias que a tiraram do cenário das eleições para presidente. Com a eleição garantida a senador, ela ainda faz pose de grande vítima dos "poderosos" do Sul, que armaram, não contra ela, mas contra a mulher maranhense. E seu pai sugere no horário eleitoral que o Maranhão ainda pode sonhar com a presidenta Roseana, mas para isso é preciso eleger José Reinaldo primeiro, para mostrar ao Brasil que Roseana é forte.

Ofensa a Roseana, ofensa ao povo

Somado a isso, o grupo Sarney abre seu baú de métodos políticos que estão transformando as eleições numa espécie de plebiscito intimidatório. E nem precisou ser original. Como em 1994, usou novamente seus préstimos com a revista IstoÉ, sabidamente controlada por Orestes Quércia, para construir matéria com denúncias contra o candidato adversário. Desta vez, divulgando um relatório preliminar do Tribunal de Contas do Estado, que apontava falhas técnicas nas contas da Prefeitura no ano 2000, quando Jackson era prefeito, como se fosse já uma sentença condenatória. O próprio tribunal expediu certidão afirmando que as contas continuam sob análise, não tendo sido aprovadas ou rejeitadas.

O uso foi grosseiro, inclusive do ponto de vista jornalístico. No relatório, o tribunal apontava, por exemplo, a falta de documentos comprovando licitações para a contratação de clínicas privadas de atendimento à saúde. A documentação foi encaminhada ao tribunal comprovando as licitações, conforme exigência do próprio Ministério da Saúde. Mas a revista IstoÉ não se deu ao trabalho de investigar. Assim como não procurou buscar no Tribunal de Contas da União as dezenas de relatórios apontando graves irregularidades em projetos do governo Roseana. O uso era claro: servir de biombo para exploração política.

A coligação de Roseana passou a semana divulgando na televisão e nas rádios propaganda da revista IstoÉ chamando para a matéria e acusando a contratação sem concorrência. Um verdadeiro massacre de mídia, com até 35 inserções diárias, durante cinco dias consecutivos, sem contar as rádios. As inserções foram feitas para dar a idéia de que eram anúncios comerciais da revista, inclusive com locução feita do mesmo modo que a revista anuncia suas edições. A assinatura da coligação apareceu por segundos, ilegível, no canto esquerdo. O passo seguinte foi veicular na TV inserção que afirma que o povo maranhense está dando as costas a Jackson Lago, por este ter passado de uma hora para outra a desferir ataques à candidata Roseana Sarney, e que isso constitui a maior das ingratidões, já que Roseana tanto fez pelo Maranhão.

Curioso é que Jackson Lago e seu programa jamais mencionaram o nome de Roseana no horário eleitoral. Não houve nem alusão a ela. As críticas foram restritas aos índices do Maranhão fornecidos por entidades como IBGE, Fundação Getúlio Vargas e Ministério da Saúde. Para dar uma idéia: o ministério divulgou em seu site dados coletados pelo Siops dando conta de que o Maranhão é o estado da Federação que menos investiu em saúde com recursos próprios (1,52%, quando a Emenda Constitucional 29/2000 preconiza pelo menos 7%). Ainda assim, Roseana entrou pessoalmente com ação na Justiça Eleitoral, pedindo a suspensão da inserção, alegando sentir-se ofendida. O pedido de liminar foi indeferido. Mas Roseana continua tentando fundir-se ao próprio Maranhão. Quem critica a situação atual do estado ou constata a realidade dos indicadores sociais estaria ofendendo Roseana e, conseqüentemente, o povo maranhense e o Maranhão. Ainda que se apresentem estatísticas oficiais fornecidas pelo próprio governo do estado.

Visão de mundo exclusiva

As eleições no Maranhão mostram um quadro bizarro. Os candidatos do governo só aparecem ao lado de Roseana. Esta tenta passar a idéia de que ela, e não José Reinaldo, é o adversário de Jackson Lago. Nada impede, porém, que Zé Reinaldo use e abuse de sua agenda de governador para fazer campanha, criando, como ele mesmo afirma, 300 programas sociais em 120 dias. A promiscuidade entre veículos de comunicação e o governo é tamanha que a TV Mirante (do grupo Sarney), ao divulgar os compromissos dos candidatos em seu jornal local, incluiu na agenda de Zé Reinaldo suas ações de governador, em flagrante desrespeito à legislação eleitoral. E o jornal da família publicou, na coluna de um áulico, a mais escandalosa confissão de crime eleitoral, relatando a distribuição de propaganda eleitoral entre as gerências do governo.

A manipulação das pesquisas não poderia deixar de ser um instrumento estratégico: a pesquisa de agosto do Ibope, encomendada e registrada pela TV Mirante, não foi publicada. Motivo: a liderança de Jackson e a ascensão de Cafeteira, adversário de Edison Lobão. Para tentar neutralizar o quadro, o grupo lançou mão de outro velho parceiro: a empresa maranhense de pesquisa Econométrica, cliente habitual do governo estadual que, mesmo apresentando resultados claramente questionáveis, admitiu a liderança de Jackson.

É mais grotesca ainda a tentativa que faz a família para ficar bem com qualquer presidenciável. Quando Ciro Gomes cresceu nas pesquisas e parecia que José Serra não teria mais chances, o jornal O Estado do Maranhão estampou em manchete que José Reinaldo estaria apoiando Ciro, e este subiria em seu palanque quando viesse ao Maranhão, mesmo Ciro sendo da Frente Trabalhista, coligação de Jackson Lago. Agora, um mês depois, Zé Reinaldo obedientemente declara apoio a Lula. Roseana mantém-se em cima do muro, esperando ver quem vai ganhar, inclinando-se para Ciro ao mesmo tempo em que afaga Lula. O pai já deu apoio a Lula, e Zequinha aguarda para ver se José Serra se firma. Comenta-se que D. Marly seria a opção para o caso de Garotinho surpreender.

Este quadro, fartamente documentado, aponta os desdobramentos imprevisíveis de uma campanha que vai muito além da disputa entre candidatos envolvidos numa sucessão estadual. Trata-se, de fato, de um embate contra uma máquina e uma visão de mundo (que, aliás, começa e acaba no Maranhão), cuidadosamente construída ao longo de 40 anos. Apesar de paquidérmica, a máquina ainda mostra poder de fogo em todas as instâncias: política, administrativa, jurídica, financeira e midiática:

** No interior do estado, prefeitos ligados ao grupo impedem a veiculação do horário eleitoral, cortando o sinal da transmissão no exato momento de entrar o programa dos adversários;

** A revista IstoÉ vem sendo distribuída gratuitamente no interior, aos milhares;

** O jornal O Estado do Maranhão é dado de graça, na praia, no dia em que são divulgadas as pesquisas da Econométrica, ou, como apelidou a população, a Enganométrica;

** As rádios do interior divulgam notícias falsas impunemente;

** TVs reproduzem matérias fabricadas contra os adversários.

Mídia quer mais cofres

É praticamente impossível monitorar e reagir juridicamente ao volume de ações coordenadas que atingem todo o estado. O expediente de utilizar a IstoÉ no Maranhão nem é original. Nas eleições de 1994, entre Roseana e Cafeteira, a revista publicou matéria ? com capa especial somente para o Maranhão! ? acusando o senador Cafeteira de uma obscura remessa ilegal de dinheiro. Essa reportagem, amplamente divulgada, foi objeto de CPI na Assembléia, que concluiu pela improcedência da matéria. O personagem-chave da "denúncia", malandramente chamado Ribamar (o nome mais comum aqui), simplesmente não existia. A Procuradoria Geral da República, na figura do Sr. Geraldo Brindeiro, em correspondência pessoal ao senador, certificou que nada ficara apurado contra ele. Claro, isso tudo dois anos depois das eleições, que Roseana ganhou de forma suspeitíssima.

Na mesma eleição, acusaram Cafeteira de ter mandado matar o Sr. Reis Pacheco, que havia atropelado o sogro do senador. Isso foi divulgado em todo o interior, inclusive por Sarney pessoalmente, em sua TV em Imperatriz. A notícia foi desmentida ao apagar das luzes, no último programa eleitoral, quando Cafeteira apresentou o "morto", saudável e falante, a todos os eleitores. Ocorre que esse programa, por estranha "coincidência", não foi exibido no interior: a TV Mirante simplesmente cortou o sinal do satélite. Da mesma forma como fez quarta-feira passada, 4 de setembro, quando foi divulgado o resultado do Ibope dando vantagem de 9 pontos a Jackson Lago. Desnecessário dizer que a manchete do dia 5 de setembro do jornal O Estado do Maranhão foi "Ibope confirma crescimento de José Reinaldo." A mesma edição, na maior cara de pau, simplesmente não informa o resultado para o Senado, desfavorável a Edison Lobão.

E, pasmem, a edição da IstoÉ de 1994, contra Cafeteira, foi reimpressa agora na íntegra, para distribuição no interior do Maranhão! Um repórter da revista confirmou, por telefone, que foram feitos 60 mil exemplares, com anúncios, entrevistas e tudo o mais, cheirando a tinta, de uma revista com oito anos de idade! No entanto, em contato com a assessoria jurídica da Frente Trabalhista, a IstoÉ nega a reimpressão, alertada de que a matéria em questão incorre em crime grave, visto já ter sido objeto de investigação federal. De todo modo, a revista está sendo processada.

Vale lembrar o que disse o padre Antonio Vieira, quando andou por aqui. "No Maranhão, até as nuvens mentem."

É impressionante como a imprensa não se ocupa do escândalo dessas práticas. Será necessário abrir quantos cofres para que a mídia nacional volte novamente os olhos para o Maranhão?

(*) Jornalista