Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A cobertura do Correio da Manhã


Após a morte do presidente e a divulgação de sua carta-testamento, os distúrbios tomaram conta das ruas do país. Populares atacaram jornais e rádios que faziam oposição a Vargas, e também a embaixada americana. Câmara dos Deputados e Senado Federal suspenderam atividades. O vice-presidente Café Filho assumiu a presidência e foi decretado luto oficial por oito dias. Pesares começaram a chegar de todos os países do mundo. O único episódio semelhante na história política mundial até então ocorrera no Chile, onde o presidente José Manuel Balmaceda se suicidara em 1891, deixando carta-testamento (O Cruzeiro, 18/9/1954, pp. 34B-34E)

Em 1956, os acusados do crime da rua Toneleros foram levados a um primeiro julgamento: Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos como mandante do crime. Climério Euribes de Almeida e Alcino João do Nascimento pegaram 33 anos de prisão pela morte do major Vaz, a tentativa de assassinato de Lacerda e as lesões corporais do vigilante noturno Sálvio Romeiro. O motorista Nelson Raimundo de Sousa, como cúmplice do atentado, foi condenado a 11 anos. João Valente de Souza, secretário da Guarda Pessoal, foi condenado a dois meses de prisão e multa. José Antônio Soares foi condenado, como co-autor, por fornecer a arma do crime e pegou 26 anos de prisão. Soares tinha longa ficha policial nos anos 20 e 30, mas nada constava nos anos mais recentes, mas ele tinha um cartão de entrada livre no Palácio do Catete. Embora estivesse em São Paulo naquela madrugada do crime, Soares foi condenado porque o Smith & Wesson, calibre .45 milímetros, de uso exclusivo das Forças Armadas, registrado sob nº 3734, foi a arma utilizada por Alcino na madrugada de 5 de agosto de 1954. Soares comprara a arma de um sargento reformado de nome Ismael da polícia de Caratinga, estado de Minas Gerais. A arma era do Regimento de Infantaria e fora roubada em 1949. Em 1968 ocorreu um segundo julgamento, que não alterou as condenações de Climério, Alcino e Soares. Gregório Fortunato fora assassinado na prisão em 1962 e o motorista Nelson Raimundo estava em liberdade condicional desde 1960.

As diligências à procura de um mandante acima de Gregório Fortunato chegaram aos seguintes resultados: levantaram-se suspeitas contra Benjamin Vargas e os deputados Lutero Vargas, Danton Coelho e Euvaldo Lodi. Indícios surgiram contra o general Ângelo Mendes de Morais, que teria pressionado Gregório a fazer alguma coisa contra Lacerda. O general Mendes de Morais, então prefeito do Rio, era visto por muitos como mandante das agressões físicas sofridas por Lacerda na porta da Rádio Mayrink Veiga, em 1948. O processo contra o general não teve prosseguimento na Justiça Militar, e ele sempre negou as acusações dizendo que se tratava um novo caso Dreyfus (capitão do Exército francês acusado injustamente de vender informações aos alemães no final do século 19).

"Passado vingativo"quot;

No Congresso Nacional surgiram acusações de que a família Vargas teria um passado vingativo, como o assassinato do jovem paulista Carlos Almeida Prado, cometido em Ouro Preto, em 1897, por um grupo de gaúchos, entre eles Protásio Vargas e Virial Vargas (irmãos mais velhos do presidente). Outro caso citado foi o de Artur Bernardes Filho, que queria sair do país com segurança, mas acabou vítima da polícia em 1930 (CM, 8/8/1954, p 3). A acusação contra Lodi acabou sendo mais séria do que a de Coelho. Ambos falaram com Gregório que Lacerda estava atacando demais o governo, e alguma coisa precisava ser feita. A diferença entre os dois é que Lodi era do SESI, contribuía mensalmente para a Guarda Pessoal com 50 mil cruzeiros [equivalente a cerca de 10 mil reais] e, em julho de 1954, doara o dobro. Isso fez recair sobre ele mais suspeitas, mas acabou reeleito deputado, o que lhe garantiu imunidade. O curioso é que a polícia civil, o Ministério do Trabalho, a Rádio Nacional e até os banqueiros do jogo do bicho também contribuíam para a Guarda Pessoal do presidente.

A cobertura do Correio da Manhã procurou mostrar a culpa moral do presidente e a estrutura corrupta que vinha do Estado Novo. O jornal defendia uma saída legal e sem golpe. A singularidade da cobertura do Correio da Manhã residiu no fato de que não fez nem uma cobertura moderada como O Globo, O Jornal e Folha da Manhã, nem se antecipou à imposição da renúncia (com deposição), como Diário de Notícias, O Estado de S.Paulo e Diário Carioca. Um estudo comparativo mais aprofundado entre as coberturas dos jornais, levando-se em conta outras capitais como Porto Alegre e Recife, seria útil para mostrar os diferentes recortes que a imprensa fez ao construir a crise de agosto de 1954.

(*) Mestrando em Ciência Política (IFCH/Unicamp).