Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A crise do en-ten-di-men-to ou este estranho medo de notícia

TELEJORNALISMO EM CLOSE

Paulo José Cunha (*)

Na cobertura política durante a ditadura, pelos corredores do Congresso, conheci um jornalista cuja característica (que o tornava uma atração) era uma profunda ojeriza a qualquer fato ou rumor que pudesse ser confundido com notícia. Qualquer coisa que tivesse cheiro, cor ou jeito de notícia e o sujeito logo dava um jeito de sair de perto, deslizando de manso até achar a porta por onde fugir da indigitada. Sentia-se mal, tinha ânsias de vômito, comichão pelo corpo e falta de fôlego ante qualquer fato que fosse além da modorra diária, que rompesse a ordem natural das coisas. Quando o conheci era articulista político de um jornal nordestino, razão a mais para não se envolver com os fatos do dia-a-dia, essa coisa suja e repulsiva de que se ocupam os repórteres. Só articulava, não reportava nada. Seus artigos, feitos para não causar a menor marola no curso normal dos acontecimentos, eram tão perfeitos que jamais obtiveram qualquer repercussão, positiva ou negativa. Desmentido então…

Jô Soares tinha um personagem, um médico, que tinha horror a vírus. Aquele meu colega daria outro personagem ótimo, na mesma linha. Pois os responsáveis pela cobertura de economia realizada pelas TVs (abertas ou fechadas) bem poderiam inspirar algum personagem do mesmo naipe, tal seu deliberado propósito de não querer dizer coisa alguma ao telespectador. Aliás, tenho pra mim que, pegando o mote, o mundo ideal seria o que tivesse eleição sem eleitor, universidade sem estudante, jornal sem leitor e telejornalismo sem telespectador. Pois é sabido que eleitor é que atrapalha eleição, estudante é que tumultua a vida da escola, leitor é que cria problema pra jornal e telespectador é que atormenta a vida de quem faz televisão, com essa mania idiota de querer saber das novidades, entender tudo. Coisa mais sem propósito…

Quer um exemplo? Até hoje eu e a torcida do Flamengo estamos doidos pra assistir a uma reportagem que nos explique (sentiram o drama?, eu falei "explique") como pudemos pular da histeria criada pela elevação do dólar, a subida dos preços, a volta da inflação, o crescimento das dívidas interna e externa ? tudo isso no período imediatamente anterior à eleição ? para o sossego do dólar em baixa, a elevação do valor dos títulos tupiniquins no exterior, encostando nos 89%, a redução no nível da dívida e o desabamento do risco-Brasil, tudo isso sem que o preço do feijão tenha se mexido pra baixo. O engenheiro mecânico baiano José Renato M. de Almeida, articulista bissexto, pergunta, diante desses fatos, por que os preços agem como os gatos que sobem no telhado e de lá só descem com a ajuda dos bombeiros. "Com os preços mantidos nos mesmos níveis de quando o dólar rodava próximo a 4 reais, ninguém tem condições de comprar o mesmo volume anterior e os que têm um pouco de bom senso aguardam o retorno dos bons preços cobrados antes do terrorismo econômico detonado na campanha eleitoral de 2002. Enquanto isso não ocorre, as vendas caem e o desemprego aumenta. O comércio e a indústria ameaçam com demissões e férias coletivas", observa.

Crise braba

Enquanto isso, nossas bravas editorias de economia limitam-se a noticiar as férias coletivas das montadoras e a oscilação dos índices e taxas, bem como a reproduzir monocordicamente as críticas do vice José Alencar aos juros altos, sem contextualizar o assunto para que o comum dos mortais possa entender que joça é essa que ameaçaria a própria governabilidade do país.

Ora, se considerarmos que a maioria absoluta dos telespectadores brasileiros não faz a mínima idéia do que seja taxa Selic nem percebe o que diabo tem a ver a taxa de juros do governo com o preço do feijão no armazém de seu Quindinho, é porque alguém aí anda com medo de notícia, feito aquele jornalista citado lá no início. Porque não adianta chongas dizer que o dólar subiu ou desceu, se a taxa de juros precisa ou não cair, se a equipe econômica está se descabelando por causa desse negócio aí ? se não aparecer alguém com o mínimo de bom senso pra explicar que zorra é essa e onde é que isso mexe com nosso bolso. E, veja bem, explicar de forma didática, clara, na base do bêabá, para que todo mundo entenda, desde o pós-graduado ao analfabeto, ambos com o mesmíssimo direito de serem bem-informados.

Se as editorias de economia descessem do pedestal e em vez de gastar tempo e energia na transmissão das oscilações das taxas selics, dos índices nasdaqs, e pelo menos uma vez na semana explicassem pra gente o que de fato anda acontecendo, a torcida do Flamengo ia agradecer com vigorosos aplausos, tal como faz quando o Mengão fatura um gol no Maracanã. Já contamos com mecanismos eficientes e modernos para enfrentar a crise da informação. Além dos jornais, das revistas, das TVs abertas e das rádios AM e FM, temos hoje a internet para o fornecimento de notícias de tempo real, jornais online e emissoras de rádio e TV com noticiário 24 horas. Ufa!!! Tem informação pra caramba rolando pelaí. Mas ainda batemos cabeças quando nos deparamos com a crise maior destes tempos: a crise do en-ten-di-men-to. Pelo visto, essa é braba.

(*) Jornalista, pesquisador, professor da professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>