Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A culpa é do Ronaldinho. Quem manda ser famoso?


Os responsáveis pela redação de Veja acharam normal a matéria de capa com o craque (edição 1608). Tanto que recusaram-se a comentá-la no programa Observatório da Imprensa (TVE-TV Cultura, 3/8/99). Também consideraram perfeitamente lícito o outdoor com que a Abril semanalmente promove as capas do seu carro-chefe.

Apesar da majestática indiferença, esta foi a capa mais comentada dos últimos tempos – questão unânime nas conversas das redações e adjacências do eixo São Paulo-Rio na semana de circulação da revista. E pelas piores razões. Caetano Veloso, vítima e atento observador da mídia, considerou a peça como jornalismo marrom [veja remissão abaixo]. Para este observador, a peça coroa uma incrível sucessão de infelicidades – para dizer o mínimo – exibidas neste último ano por uma publicação que completa seu 30º aniversário.

O que há de errado com a matéria?

Para começar, o título da capa: “Vítima da Fama”. A revista finge que está defendendo o jogador mas no subtítulo escancara o sensacionalismo barato: “Ronaldinho tem o nome envolvido num escândalo de prostituição na Itália”.

O que significa ter o nome envolvido ? Não seria uma forma capciosa de insinuar que está envolvido?

Que fatos serviram para fundamentar esse envolvimento ? O que diz a matéria ?

** Diz que a imprensa italiana – considerada pela própria Veja como espalhafatosa – apresentou o craque como POSSÍVEL cliente de uma rede de prostituição encabeçada por uma brasileira. Se a imprensa italiana é apresentada como irresponsável (esqueceram de dizer que no verão o é ainda mais), como pode uma publicação que se pretende séria montar uma matéria de capa baseada exclusivamente neste espalhafato?

** Diz também que “oficialmente Ronaldo não é acusado de cometer crime algum“. Se não é acusado de crime algum, por que razão foi parar na capa da mais importante revista semanal de informações?

** Veja também informa que “por mais naturais que se considerem encontros amorosos de um rapaz de 22 anos como mulheres de vida airada, a história ganhou expressão porque Ronaldinho é famoso.”

** Acrescenta que o processo sigiloso na justiça italiana TERIA 36 fotos envolvendo a tal rede de prostituição comandada pela brasileira Lara. “O craque aparece em pelo menos sete [fotos] cercado por algumas das quinze meninas de Lara“. Nem os autores da reportagem – escrita no Brasil – nem a espalhafatosa imprensa italiana que serviu de suporte informativo à Veja tiveram acesso ao processo ou às fotos.

Os principais depoimentos sobre os quais foi montada a reportagem são:

1) Uma brasileira (que se assume como prostituta), admite ao delegado italiano – que por sua vez vazou para a espalhafatosa imprensa italiana – ter mantido relações sexuais com o brasileiro, que lhe pagou 1,5 milhão de liras. A moça confessa que cheirou cocaína mas Ronaldo não tocou no pó.

2) A ex-namorada do jogador afirma categoricamente à reportagem de Veja que “Ronaldo nunca me traiu durante os três anos de namoro”. Em seguida, declara que não gostava das más companhias com as quais o então namorado estava envolvido na Itália e no Rio. Apesar da evidente contradição, o editor da matéria optou pela frase comprometedora para a legenda da foto da ex do jogador. E por que não preferiu a de teor favorável? Questão de livre arbítrio.

3) Desmentido enfático de Ronaldo aos repórteres composto de 35 palavras (7 linhas) numa matéria de SEIS páginas.

Parte da matéria é usada para relembrar uma rede de prostituição em Hollywood, onde também havia uma agenda com nomes famosos. É o recurso da referência comprometedora que nem os tablóides ingleses usam mais. Ao que consta, os semanários Time e Newsweek – que a Veja considera seus equivalentes – não exploraram em matérias de capa as figuras de Jack Nicholson ou Mick Jagger cujos nomes constavam do caderninho da rede americana.

O fecho da matéria é uma jóia de inocência. Profissão de fé da nova ética midiática. Ou cinismo puro e simples:

“Nessa história toda de envolvimento [grifo nosso] com prostitutas, Ronaldinho fez o que todo rapaz de sua idade faz. A diferença é que, quando pessoas famosas se envolvem nessas coisas, vira escândalo.”

Em outras palavras: as celebridades são inventadas pela mídia para servirem aos seus mais sórdidos instintos.

 

Eis um caso para ser submetido ao egrégio Conar, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, que o patronato da mídia e algumas autoridades como o presidente FHC apontam como modelo de autocontrole.

O gigantesco outdoor que a Abril oferece à população do Rio e São Paulo às segundas-feiras para promover a capa de Veja às vezes consegue ser mais apelativo do que a própria capa da revista. Dos males o menor: troca-se o publicitário pelo jornalista e o cliente será melhor servido.

Desta vez, açulada pelo clima marrom da capa com o Ronaldinho, a agência exagerou na ânsia de fazer gracinha: