Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A decisão crucial

MÍDIA E SEQÜESTROS

Transcrição de debate entre os jornalistas Rodolfo Fernandes, editor-chefe de O Globo; Maurício Menezes, radialista; Mario Sergio Conti, diretor de redação do Jornal do Brasil; Luiz Weis, editorialista do Estado de S.Paulo; Bernardo Ajzenberg, ombudsman da Folha de S.Paulo; Adhemar Altieri, ex-diretor da Rádio Eldorado; e Josemar Gimenez, diretor de redação do Estado de Minas, no programa Observatório da Imprensa na TV (n? 165, no ar na terça-feira, 21/8/2001)

Rodolfo Fernandes ? É um caso muito complicado, talvez um dos mais difíceis na decisão diária dos assuntos com os quais você tem que lidar, que está diretamente ligado à vida das pessoas, mas O Globo vai publicar a notícia amanhã e O Globo entende que ao não publicar, você está favorecendo o seqüestrador. Muitas vezes o caso não é esclarecido pela inteligência da polícia, pela capacidade operacional… é pelas denúncias anônimas que surgem, normalmente através do disque-denúncia, a partir da ampla circulação da informação de que houve aquele seqüestro. Ao não permitir que a notícia básica, a informação básica, de que houve o seqüestro; ao não permitir que essa informação circule, você está favorecendo o seqüestrador. São tomados vários cuidados nesse tipo de cobertura. Você nunca divulga o patrimônio da família, dados empresariais, a capacidade financeira das pessoas envolvidas. É uma decisão tomada com muitos cuidados, mas não divulgar é favorecer o seqüestrador.

Alberto Dines ? A decisão de divulgar levou e conta os perigos que a seqüestrada corria?

Rodolfo Fernandes ? Desde a primeira onda de seqüestros, desde que um diretor do Bradesco foi seqüestrado, lá atrás, há mais de 10, quase 20 anos ? o Maurício Menezes cobriu o seqüestro ?, nunca O Globo deixou de publicar as matérias sobre seqüestro. Me surpreende um pouco, agora, ter sido tomada essa decisão de não dar o caso Sílvio Santos nos jornais, porque era um assunto que já estava mais ou menos resolvido na imprensa e agora houve um certo fracionamento nas posições dos principais jornais.

Alberto Dines ? Maurício, você já cobriu muitos…

Maurício Menezes ? Existe mais ou menos um perfil de cada caso. Nesse caso do Sílvio Santos, em breve vai se descobrir o seguinte: tem um ex-empregado envolvido na história. Porque as quadrilhas, quando elas se formam, elas já vêem mais ou menos o tipo de vítima. Por exemplo, eles não seqüestram pessoa famosa, parente de pessoa famosa, porque isso tem uma grande mobilização popular.

Alberto Dines ? E por que o fizeram agora?

Maurício Menezes ? Deve ter ex-empregado na história, podem ver que nesse caso tem ex-empregado.

Alberto Dines ? Mario Sergio, como o Jornal do Brasil vai se comportar amanhã nesse caso do seqüestro? Nós estamos discutindo a questão da credibilidades da instituição jornais…

Mario Sergio Conti ? O JB vai noticiar o caso, vai dar a notícia com o destaque que ela merece, que é uma notícia de primeira página, porque na verdade o pedido que o Sílvio Santos faz, que as famílias fazem, não é um pedido da família ou do Sílvio Santos, é uma exigência dos seqüestradores. Ou seja, os bandidos, os criminosos, usam a família como veículo de uma exigência, e se a imprensa aceita essa exigência, no meu entender, ela está atendendo à exigência de um criminoso e é interesse do criminoso manter o caso secreto para que as pessoas que vêem a fotografia da moça, ou que vêem uma movimentação suspeita, não saibam o que está acontecendo. Eu acho que a imprensa presta aí um papel importante para o eventual esclarecimento do caso. Eu lembro que a imprensa, até 1990, não publicava casos de seqüestro, atendendo a pedidos da família. Essa norma foi violada no caso do seqüestro do Rubem Medina, o publicitário, aqui no Rio de Janeiro, e a Veja deu a notícia. Depois, quando o caso foi esclarecido, o Jornal do Brasil, que na época era dirigido pelo Marcos Sá Corrêa, tomou posição editorial de noticiar o seqüestro. Eu achei que deveria manter essa norma porque eu acho ela correta, acho que a imprensa não deve ceder às exigências de bandidos. Agora, há riscos, sim. Há limites. Eu acho que há certas informações que a imprensa não precisa dar, não deve dar ? sobre o local, por exemplo. Se algum órgão da imprensa souber o local onde vai ser pago o resgate, ele não deve noticiar isso seriamente, mas isso cabe ao jornalista decidir.

Luis Weis ? Há um certo consenso. Em primeiro lugar que há uma decisão delicada porque uma vida está em jogo; em segundo lugar, que a não publicação do seqüestro favorece o crime; e em terceiro lugar, que noticiar nesse caso não pode ser o chamado “tudo sobre”. Nem tudo que o jornalista sabe e apura sobre o caso deve ser publicado, mas a opinião pública não pode ser privada da informação básica, pele e ossos de fato. Fulano de Tal, filha de Sicrano, mulher de Beltrano, foi seqüestrada em tais circunstâncias, ponto parágrafo. Agora, evidentemente, como já foi dito, se o jornalista, por uma eventualidade, sabe de coisas cuja divulgação pode efetivamente colocar em risco a vida da pessoas seqüestrada, nem pensar em publicar.

Bernardo Ajzenberg ? Eu não participei da decisão do jornal [Folha de S.Paulo] a respeito de publicar ou não, mas, conceitualmente falando, eu acredito que o jornal deve respeitar a solicitação feita pela família, não só por que é o Sílvio Santos, mas em qualquer caso. E depois, a questão da credibilidade deve ser resolvida da seguinte maneira: no momento em que o caso se resolve, o jornal publica de forma transparente para o público as informações que acumulou e explica porque não publicou antes. Isso é o ponto de vista conceitual. É muito difícil analisar concretamente esse caso do Sílvio Santos, até porque aconteceu hoje, e eu particularmente passei o dia fora de São Paulo, em outras atividades. Mas do ponto de vista conceitual, eu acho que a questão da credibilidade não se abala se você não publica, desde que você trate com transparência essa questão.

Adhemar Altieri ? Essa questão que coloca o Bernardo é verdadeira, mas tem um outro lado disso aí. Quando se atende o pedido de não noticiar e, inclusive, no caso do Sílvio Santos, ao pedido para a polícia não participar ? parece que houve una declaração da polícia hoje dizendo que a está fora do caso ?, isso tem implicações futuras. Isso significa que, como já foi dito aqui mesmo no programa, cria-se uma situação que parece ser melhor para o causador do problema, para o seqüestrador, do que para a sociedade. Então, a imprensa cai numa situação que tem que optar. Eu acho que numa dessas, é provável que se parta para o bem comum. A Globo hoje, por exemplo, foi muito clara no Jornal Nacional, explicando o critério dela para noticiar. Eu acho que o critério dela está correto neste caso.

Maurício Menezes ? Eu acho que isso que o Mario Sergio Conti falou é corretíssimo. O Adhemar Altieri lembrou muito bem a posição hoje da Rede Globo. Eu acho que a imprensa, ao omitir, está compactuando com os seqüestradores. Eu acho que a imprensa deve divulgar de forma comedida, sem revelar inclusive o patrimônio da empresa, mas os seqüestradores devem ter noção do que eles estão envolvidos no processo.

Luis Weis ? Maior do que o desafio de publicar ou não publicar é o desafio de publicar adequadamente, sem sensacionalismo, sem cair nos apelos fáceis que uma situação dessas propicia.

Rodolfo Fernandes ? Eu queria registrar mais uma vez a satisfação de ver que a credibilidade da imprensa está num processo que caminha positivamente para uma evolução. Na minha opinião, a profissionalização da imprensa está se fazendo mostrar. A pesquisa, com todas imperfeições, reflete isso e nós vamos caminhar para uma eleição agora, na qual, na história da imprensa brasileira, os partidos de oposição jamais tiveram tanto acesso à mídia como têm hoje. Nessa evolução na credibilidade da imprensa tem muito a ser feito. E as pessoas estão analisando e fazendo jornais, tenho certeza, que vão se preocupar muito com isso.

Josemar Gimenez ? Eu gostaria de agradecer a vocês do Observatório da Imprensa pela oportunidade de mostrar um pouco do que temos feito no jornalismo aqui em Minas Gerais. O Estado de Minas também tomou a decisão, de forma equilibrada, de publicar na primeira página também a matéria do seqüestro da filha do Silvio Santos.

 

    
    
                     

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