Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A degradação do ensino superior

O CASO UNIVAP

Considero uma verdadeira tragédia a comercialização
do ensino. O conhecimento perde sua razão de ser, se não
for visto como um bem ao qual todos têm direito, e o ser humano
passa a ser, sistematicamente, desrespeitado. A Universidade do
Vale do Paraíba (UNIVAP), localizada na cidade de São
José dos Campos (SP), constitui um caso que expressa muito
bem esta situação. Também é uma tentativa
de sintetizar toda a frustração em relação
à atividade docente, decorrente de minha experiência
como professor dessa instituição.

Em primeiro lugar, tomei conhecimento de um episódio profundamente constrangedor. Um aluno de Psicologia da Universidade Paulista (UNIP) foi convidado por uma professora do curso de Serviço Social para assistir a uma aula. No decorrer desta, um integrante da vigilância foi à sala e disse à professora que ele não poderia permanecer em aula, pois não era aluno da instituição. Dois dias depois, resolvi convidá-lo para dar uma palestra em minha própria aula, pois se trata de uma pessoa com conhecimento a respeito de sociologia, psicologia, história, enfim. Tive que organizar esta palestra, pedir autorização à diretora da faculdade e ao coordenador do curso de Serviço Social (o que não deixa de ser curioso em termos de liberdade de cátedra, que marca a situação de qualquer professor) para que meu palestrante pudesse entrar em sala. Em todas as instituições com as quais tive contato, ninguém é impedido de ter acesso ao conhecimento ministrado em sala pelo fato de não pertencer ao corpo discente.

Presenciei também a ação de professores e funcionários no sentido de impedir que alunos presenciassem uma discussão salarial dos funcionários da instituição, como se não houvesse interesses comuns entre estudantes, professores e funcionários administrativos. A alegação foi que os alunos eram desordeiros (argumento, não custa nada dizer, muito usado por vários setores, ao longo de toda a história, para desqualificar aqueles que buscam exercer direitos).

Outro episódio muito curioso e lamentável remete às reivindicações feitas por alunos do curso de Engenharia de Materiais. Houve um abaixo-assinado elaborado por estudantes do quarto ano. Nele, questionava-se o fato de que, no penúltimo ano do curso, alguns laboratórios ainda não estavam prontos para que os alunos desenvolvessem melhor o aprendizado. A contrapartida da direção: um desconto de 50% num curso de especialização para os estudantes.

No curso de Jornalismo, dois professores foram demitidos e dois pediram demissão ? um em virtude das precárias condições de trabalho, sobretudo numa universidade em que, salvo raras exceções, não há espaço ou mesmo incentivo para o desenvolvimento de pesquisas. Isso já havia sido relatado aos representantes do MEC, pelos professores, na avaliação do curso em 2000. Nada mudou. Outra professora pediu demissão em solidariedade a uma das demitidas. Uma das demissões, de uma professora-doutora extremamente qualificada, foi política, pois não há espaço para qualquer questionamento em relação à maneira como o reitor administra a "empresa". Conversando com funcionários mais velhos e mesmo com vereadores, o reitor carrega nas costas todo um histórico de perseguição aos que ousam desafiá-lo.

Todos estes episódios são relatados em três textos que tornei público para alunos, professores, diretores e, obviamente, para o próprio reitor. Como era de se esperar, fui demitido. No momento, procuro reunir textos dos professores demitidos para que fique claro que não se trata de uma crítica isolada, muito menos uma tentativa de retomar meu emprego, pois não desejo voltar tão cedo à instituição. Trata-se, antes de tudo, de um questionamento a respeito da forma como o ensino é degradado e de uma maneira de tentar chamar a atenção das autoridades competentes para que seja dada uma atenção especial à forma como o ensino é encarado na UNIVAP, o que, certamente, servirá como boa referência para investigações em outras instituições, sobretudo após o momento em que universidades são abertas em qualquer esquina em nosso país.

    
    
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