Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A entressafra da notícia

Carlos Vogt

 

A

no novo, vida nova!

Mas a imprensa, de um modo geral, continua na mesma. Plus ça change, plus ça devient le même!

Thoreau escreveu que basta dar uma volta com os olhos fechados para que o homem se sinta perdido. Não sei se as coisas continuam assim. Não que o homem não esteja cada vez mais perdido. Ao contrário, está. Só que pela razão contrária: de olhos bem abertos, sem dar voltas ao redor do mundo, em volta de seu quarto ou ao redor de si mesmo, viajando por uma quantidade fantástica de informações, exposto a um bombardeio constante de novidades corriqueiras, o cidadão sabe cada vez mais e conhece cada vez menos; desse modo, perde-se antes pelo excesso e constância da observação alucinada que pela ausência do sentido de visão e de percepção.

Como a imprensa não pode e não consegue ficar calada, é tagarela, por definição e ideologia, o fim de ano e o Ano Novo, o período de entressafra, do Natal ao Ano Bom, este então é de fazer rebimbar os sininhos ornamentais da fatuidade.

Todo mundo está de férias – justo descanso –, a imprensa também – descanso justíssimo -, mas como não é possível fechar as portas da loja, vamos lá vender o cozido de ontem requentado de novo e, assim, manter fiéis os clientes consumidores do produto notícia-opinião-reflexão-fofoca, oferecido cada um na melhor embalagem concorrencial.

As revistas são magrinhas, os jornais, fininhos mas a pretensão é grande e as festas mirabolantes: Veja, Época e Isto É trouxeram atrações irresistíveis que foram das personalidades do ano aos cem fatos do milênio (reproduzidos de uma similar americana), passando pelos cem lugares imperdíveis do turismo nacional; os jornais ficaram concentrados para o evento da posse do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, espoucaram com os fogos das semifinais e da final do Campeonato Brasileiro, soltaram traques e buscapés na decisão da novíssima Taça Mercosul, pipocaram os ataques do Estados Unidos ao Iraque, especularam sobre a composição do Ministério, decepcionaram-se com o discurso de posse do presidente da República, contrapuseram-lhe o improviso entusiasmado do senador Antônio Carlos Magalhães, presidente do Congresso, e tomaram champanha, como todo mundo que toma champanha, nos brindes do velho para o novo ano.

A mídia fez tudo isso à exaustão e os telejornais, além do foguetório tradicional das praias brasileiras na passagem de ano e da miríade de luzinhas de Natal, brilharam ao vivo com as bombas que Clinton e Blair mandaram tascar em Sadam Hussein.

Em meio a essa cascata de luz – de felicidade, de assombro e de horror -, deu-se a aprovação do impeachment de Bill Clinton pela Câmara americana. Em meio ao suspense do cassa-não-cassa o mandato do presidente, este se antecipou e mandou caçar os iraquianos. A estratégia não deu muito certo entre os deputados, cuja maioria republicana estava convictamente decidida pelo impeachment, o que não impediu, contudo, que a popularidade de Clinton crescesse. Pelo contrário, contribuiu para o seu crescimento.

A mídia/imprensa, como todo ano, em final de temporada de caça ao consumidor exibiu a catástrofe prenunciada para as vendas no comércio natalino. Especulou, entrevistou, passeou o leitor/espectador por shoppings e lojas, fazendo a crônica do desastre anunciado e o merchandising de motivação para o consumo.

Passada a bebedeira, as coisas não eram bem assim, o diabo não é tão feio como se pintou, o resultado não foi brilhante, mas as vendas não foram tão ruins como se pensava e por aí vai no incansável lero-lero do diz-hoje-desdiz-amanhã-reconfirma-depois.

Ano novo, vida nova!

E assim sendo, nada melhor do que fazer raiar com o novo ano a nova geografia do Ocidente europeu, a Eurolândia, logo cogitada pela nossa imprensa/mídia e pelos nossos dirigentes como modelo de nosso futuro. O euro, a moeda da União Européia, símbolo e substrato material da Eurolândia, motivou-nos sonhos de similitude, e já que o nosso negócio nos regionalismos globais é o Mercosul, quem sabe não criamos ainda nossa moeda-ícone para os países da comunidade, chamamo-la Sur, em respeito ao maior número de países de língua espanhola, e estabelecemos, em conseqüência, também nós, a nossa Surolândia.

Isso os nossos jornais, rádios, revistas, televisões e dirigentes não disseram, mas que estava embutido no sonho do gigante neo-adormecido, isso lá estava, ao menos nas entrelinhas de quem precisou falar por ele.

O Estadão chamou, em manchete de primeira página, o discurso de posse de Fernando Henrique de banal, enquanto o senador Antônio Carlos Magalhães, entre constrangido e lisonjeado pelo contraponto que lhe fez a imprensa, decretava a análise definitiva da falta de empolgação do discurso do presidente da República: Fernando Henrique o pronunciara pela leitura; não o escrevera. E logo a imprensa: ACM improvisara e, assim, bem-sucedera.

Quem disse que esquecemos nosso passado triunfal de retórica e bacharelismo? Esquecemos não. O improviso e o talento discursivo têm raízes profundas em nosso sentimento de brasilidade. Ainda bem que a imprensa está aí para não nos deixar cair em tentação e esquecermos o melhor de nossa identidade!

O discurso de Fernando Henrique, na falta de outro, deu pano para manga e foi assunto de muita conversa na mídia/imprensa, concorrendo com o avança-recua dos congressistas na convocação extraordinária para votação das medidas do ajuste econômico encomendadas pelo FMI. A Justiça concedeu liminar pelo não-pagamento de honorários extras a deputados e senadores. Muitos ameaçaram não comparecer. A Advocacia da União conseguiu sustar a liminar. Os mesmos muitos abnegaram-se no esforço urgente de trabalhar pelo e para o interesse nacional.

O governador Itamar Franco, como previsto, vestiu-se para matar e logo disse a que veio: lascou uma moratória de 90 dias, logo batizada pela mídia/imprensa “pão de queijo” que, entre outros efeitos, teve – quem diria? – o de inscrever Minas Gerais no bater de asas da borboleta em Pequim e abalar o mercado financeiro em todo o mundo. Quer dizer, pela recusa regional à economia global do governo da União, Itamar globalizou o ato, o Estado e o pão de queijo. Melhor début que esse só no roteiro de grandes filmes para grandes astros.

E assim foi terminando 1998 e começando 1999, último ano do milênio. Verdade? Nada disso. Já ouvi dizer pela mídia/imprensa que há quem conteste essa evidência. O último ano do milênio é 2000 e o primeiro do próximo é 2001, o da odisséia no espaço. Portanto, não comemorem na festa certa o evento errado, ou não comemorem errado o evento certo.

E por falar nisso, você já resolveu o seu bug do milênio? Se não, preste bem atenção, porque esse percevejo ainda vai dar muito o que coçar na nossa imprensa: “Futilezas”.

De bom mesmo, a enciclopédia Nosso Tempo – A cobertura jornalística do século, publicada no Brasil por O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, que tive a satisfação de receber em casa, por cortesia dos editores, nesses dias feriados de entressafra da notícia.

 


Fábio Metzger

 

A

imprensa dos dias de hoje vive a realidade desconfortável do mundo globalizado, onde a força das transformações econômicas e sociais são fatores condicionantes de qualquer meio de comunicação. Desta maneira, fica a pergunta: qual é o papel da imprensa, perante as instituições?

A tendência nos dias de hoje é a de uma crise nas democracias, uma vez que as bases ideológicas estão em fase de redefinição. Assim, não existe mais a esquerda e a direita das últimas décadas. Existe, sim, um vazio ideológico que a nova classe política está tentando ocupar, como a famosa política da Terceira Via. Desta forma, a credibilidade de quem faz e administra as instituições governamentais está em xeque.

Neste novo panorama, onde se encaixa a imprensa?

Pois é aqui que os veículos de imprensa se notabilizam. Em um momento de crise das democracias, o poder de quem opina se torna decisivo. E desta maneira, a imprensa está de frente para uma oportunidade inédita: a de exercer de maneira ampla, geral e irrestrita o seu poder de questionamento, de contestação, de sugestão.

Vivemos em um período em que os governantes, mais do que nunca, erram. Mas por que erram? Onde está a base de seus equívocos? Qual das oposições tem como bandeira alguma idéia mirabolante, milagrosa, que traga consigo a credibilidade do eleitor?

Pois é aqui que assistimos a um enfraquecimento do sistema partidário. A crítica do oposicionista não está vinculada a uma sugestão radicalmente diferente e melhor. Ela está apenas vinculada à dinâmica da disputa de poder.

Nesse momento, a imprensa pode ocupar um espaço decisivo. Nos jornais, nas revistas, as matérias investigativas, os editoriais, os artigos, todos representando correntes de opiniões diversas e divergentes entre si, mas convergentes em um ponto fundamental: a crítica a esse ou àquele governo.

É claro que sempre haverá aqueles articulistas e jornais mais simpáticos aos governos, uma vez que o próprio conceito de governo traz consigo uma corrente de opinião que prevaleceu, por bem ou por mal, em um legítimo processo eleitoral. No entanto, a força da imprensa contemporânea está justamente na capacidade de questionar os governos de uma forma muito mais independente e muito menos viciada que a crítica das oposições.

Assim, os jornais estão cada vez mais preocupados em dar espaços a quem critica governos. Muito do que se lê nos cadernos de Política dos jornalões são ataques de todos os graus às políticas governamentais. A crítica ao governo fraco dá credibilidade. E a credibilidade vende jornal.

Obviamente, estar em sintonia ideológica com um determinado governo é um fator ainda muito forte dentro da política dos grandes jornais. Isso depende, e muito da cultura política de determinada região ou de determinado país. No entanto, a visão crítica dos jornais deve prevalecer muito mais por uma questão de necessidade do que por uma questão de convicção.

Assim, surge a tal questão em que se discute a imprensa como negócio. E aí vem à tona a contradição: a imprensa que perde a sua visão crítica perante a gigantesca quantidade de fatos passados e novos se sucedendo em um velocidade impressionante e a imprensa que consolida a sua visão crítica no momento em que as democracias partidárias de todo o mundo estão em crise. Qual será a cara da nova imprensa? Quem sabe, uma imprensa independente da dinâmica partidária, e no entanto, submetida à Revolução da Informação.

Neste contexto, não se pode ignorar um fator fundamental que vai contra esta tendência: assiste-se a um outro movimento que é perigoso, no qual a imprensa se molda à dinâmica partidária, sem assumir um ou outro lado de maneira ostensiva. A imprensa simplesmente apóia o sistema e não um ou outro partido ou coligação partidária.

Na Grã-Bretanha, a situação ficou, no mínimo, curiosa. Às vésperas da promoção de Tony Blair a primeiro-ministro e da vitória do Partido Trabalhista nas eleições parlamentares, os veículos de posse da BSkyB, do magnata Rupert Murdoch, se posicionaram, cada um à sua maneira. Os tablóides de cunho sensacionalista, lidos por cidadãos mais próximos de uma realidade similar à da classe trabalhadora, se posicionaram a favor dos trabalhistas de Blair. Os jornais tradicionais, de ideologia liberal e lidos por pessoas ligadas a uma realidade mais próxima à de setores mais abastados, optaram em se posicionar a favor dos conservadores. Vencendo o Labour e Tony Blair, a política econômica não mudou muito a sua essência. Ou seja, neste caso valeu, mais do que nunca, o apoio ao sistema de representação, o mesmo que beneficia os grandes grupos de comunicação.

Um apoio que se dá de acordo com os interesses do mercado consumidor e das circunstâncias particulares da política de cada país. E que, no entanto, pode se tornar um apoio incômodo, se a insatisfação geral com o sistema partidário dos países aumentar. Desta forma, a falta de opções políticas pode afetar o sistema como um todo, incluindo a imprensa.

Assim, os veículos de imprensa vivem o tempo e o espaço deste novo mundo. Mas para onde eles podem caminhar? Para os vícios das velhas democracias herdados e redefinidos pelas novas ou para a sua trilha natural de ator político decisivo da sociedade da informação?