Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A farsa das pesquisas eleitorais

ELEIÇÕES 2002

Agnaldo Charoy Dias (*)

Desde a primeira metade do século 20 tomou corpo na sociologia da mídia uma visão profundamente funcionalista da comunicação social, consignada nas pesquisas de opinião. O grande teórico desta sociologia, Paul Lazarfeldt, pretendia dar aos fatos sociais uma formatação matemática. A partir da idéia das pesquisas estruturadas em questionários, logo surgiram modelos com a pretensão de quantificar graficamente os níveis de consciência das pessoas e dos grupos. Estes modelos serviriam como uma referência na determinação dos modelos de comunicação, a fim de serem aceitas as propostas de determinado produto, incluindo aí os concorrentes a cargos eletivos. Isto é, em vez de aferir a opinião, a pesquisa determina a opinião.

Assim, as pesquisas manipulam a partir de dois caminhos. O primeiro é quanto ao método da pesquisa: amostragem, filtro, conteúdo e ordem das perguntas. Na amostragem, os institutos trabalham por idade e gênero. O problema é que a consciência é mais fortemente influenciada pela posição social do indivíduo, a classe à qual pertence, do que por gênero ou idade. Ao optarem por este critério de amostragem em detrimento da condição econômica, os pesquisadores revelam uma visão de mundo em que as determinações econômicas são de menor importância na formação da tal opinião pública.

A formulação das questões também é importante momento da constituição de uma certa ideologia que a pesquisa quer ver, pois é na pergunta que se define a resposta. Exemplo mais gritante é o voto estimulado com cartão e a pergunta: "Se as eleições fossem hoje, em qual destes candidatos você votaria?" O que ocorre é que esta pergunta cria uma situação irreal, na medida em que as eleições não são efetivamente naquele dia e, logo, a pergunta estará condicionada a uma determinada conjuntura, diferente do fato real.

A construção do resultado

Mas a desinformação é o elemento mais importante na construção de uma opinião pública favorável à manutenção do status. Por isso o grau de escolaridade ou, o que seria mais preciso, o hábito de leitura, não é utilizado como filtro. Os levantamentos realizados pelo Datafolha para as eleições de 1998 no Rio Grande do Sul indicavam que os eleitores de Antonio Britto e Fernando Henrique Cardoso nada sabiam sobre a crise econômica mundial ou sobre as medidas que FHC estava tomando na época, mas a sua intenção de voto ficava registrada no questionário. Com isso, os formadores de opinião passam a ser aqueles que não têm opinião alguma.

O segundo sentido da manipulação está na divulgação dos dados. Talvez aí resida o elemento mais sério para a manipulação das pesquisas, uma vez que esta divulgação é invariavelmente feita pelos meios de comunicação de massa que, como meios de produção de uma determinada mercadoria, a informação, defendem os interesses do modo de produção em que se inscrevem. Assim, o resultado de uma pesquisa pode ser lido de várias formas. Uma mesma pesquisa do Datafolha, os mesmo dados, foram divulgados pela Zero Hora e pela Folha de S.Paulo. ZH dizia que não haveria segundo turno no Rio Grande do Sul em 1998, a Folha dizia que haveria.

A falsificação da opinião, com a divulgação de resultados mentirosos, acumula para a construção do resultado desejado. É por isso que na maioria das vezes as pesquisas "acertam". Simplesmente porque ao longo da campanha construíram aquele resultado, induzindo a sociedade a fazer com que o discurso hegemônico se transforme em majoritário. A nossa sorte é que a sociedade não é esse ajuntamento de números e dados, de opiniões hermeticamente fechadas, mas de homens dinâmicos diante de uma realidade dinâmica.

(*) Jornalista