Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A glorificação de um picareta

DRUDGE REPORT
Por que milhões insistem em ler Matt Drudge,
três anos depois do "furo" de Monica Lewinsky?

Argemiro Ferreira, de Nova York

A data de 17 de janeiro devia ser considerada um marco para os estudiosos do jornalismo. Nesse dia, em 1998, ocorreu uma façanha insólita: o controvertido colunista virtual Matt Drudge, estranho e às vezes abjeto personagem, furou toda a mídia dos EUA ao revelar em seu website na internet o caso de sexo do presidente Bill Clinton com Monica Lewinsky.

Até então o país nunca ouvira o nome da estagiária da Casa Branca. O Drudge Report [veja remissão abaixo] contou então que a direção da revista Newsweek tinha decidido tirar de seu número seguinte a reportagem de Michael Isikoff, estrela do jornalismo de investigação, na qual era relatada a história de Bill e Monica. A moça estava sendo então intimada a depor como testemunha no processo de Paula Jones contra Clinton.

Devido à minuciosa nota de Drudge na internet, os jornais passaram a explorar o assunto, a Casa Branca foi obrigada a dar explicações (vieram três ou quadro desmentidos formais em entrevistas do próprio Clinton na TV) e a própria direção da Newsweek, que tinha censurado Isikoff no primeiro momento, colocou no ar, na internet, edição especial com a reportagem omitida no número que estava nas bancas.

Estrelas atropeladas

O mérito de Drudge era discutível. Não fizera uma reportagem, informara sobre a que fora vetada. Além disso, tratava-se de um extremista, dado a excessos moralistas, em permanente campanha a favor de causas obscurantistas (nem a conservadora rede Fox deu-se bem com ele depois: Drudge ganhou um horário para dizer o que muito bem entendesse mas acabou demitido por causa de um de seus excessos).

Mas no terceiro aniversário do histórico furo dele fui ao Drudge Report na internet e o que encontrei? No alto, enfeitando a página, havia em destaque um anúncio do austero New York Times. Isso, claro, desautoriza tudo o que os jornalistas em geral, em especial os enciumados repórteres das grandes redes de TV, furados no caso Monica, disseram de Drudge na época – e às vezes ainda repetem hoje.

Ao exorcizá-lo com indignação, aquelas estrelas da TV diziam então que ele não fazia jornalismo. Jornalismo, pontificaram, pressupõe a existência de um editor, na redação. Esse estranho princípio eu o ouvia pela primeira vez. Veio quase em coro, numa entrevista conjunta dos repórteres de vídeo Scott Pelley (CBS) e David Bloom (NBC) – dois dos que cobriam a Casa Branca (e, por tabela, Monica).

Se jornalismo pressupõe um editor a ler o texto antes da publicação, a tese defendida, então o que era o mestre I. F. Stone? Por tal critério ele não poderia ser considerado jornalista, pois fora obrigado a criar sua própria newsletter (I. F. Stone’s Weekly) ante a covardia dos grandes veículos da mídia, que se negavam, na fase aguda da Guerra Fria e do macartismo, a publicar suas verdades incômodas.

Milhões de leitores

Muitos necrológios precipitados de Drudge foram escritos há três anos. Não sobreviveria mais um mês, segundo profetizavam seus críticos na mídia ortodoxa. Ao contrário disso, seu website vai muito bem, obrigado. Recebe atualmente (o número é de 17 de janeiro de 2001 e se refere às 24 horas imediatamente anteriores) quase 2,5 milhões de visitas por dia.

Nos 31 dias anteriores as visitas tinham totalizado 60 milhões. No ano passado elas foram 503,4 milhões. No período crítico que se seguiu à votação da eleição presidencial de novembro passado ele bateu até a CNN (cnn.com), além de outros grandes sites de jornalismo e informação. (No terceiro aniversário do furo de Monica deu-se ainda ao luxo de golpear a CNN com outro: o das demissões em massa nessa rede).

Não discuto o caráter de Drudge e nem a qualidade da sua informação. Mas como ignorar que continua a desmentir os seus críticos – e a furar, com frequência, toda a mídia? E que milhões de pessoas procurem diariamente a sua coluna – onde, aliás, sempre ofereceu links para acesso a todos os grandes veículos da mídia, como também às principais colunas, inclusive as que o ridicularizam e abominam.

Trata-se de um dos sites campeões da internet – disparado à frente, por exemplo, do nobre, bem feito, bem cuidado, profissional e bem freqüentado Salon.com. E as ações do Salon, que chegaram a ser vendidas por 13,50 dólares ao serem lançadas no boom da internet, despencaram de repente para 1 dólar. Estão no fundo do poço, junto com tantas outras pontocom.

Arrogante demais

Quando criou seu site, Drudge não passava de balconista na loja de brindes de uma rede de televisão em Los Angeles (creio que a NBC). Fascinado pelo jornalismo e pelo show business, seu ídolo era Walter Winchell, cujo chapéu copiou ao lançar o programa da Fox. Não se deu bem na TV, onde hoje só aparece como convidado eventual, mas tem seu próprio talk-show de rádio, sindicalizado em todo o país.

Winchell, retratado com extraordinária força pela ficção de Hollywood (Sweet smell of success, de Alexander Mackendrick, 1957) e biografado em livro mais de uma vez, tampouco foi avaliado adequadamente como fenômeno insólito do jornalismo. Nenhum dos dois se impôs pelos dotes intelectuais ou por algum talento especial de escritor, embora ambos pareçam capazes de atrair a informação.

Ao ganhar a atenção da mídia em 1998, Drudge declarou-se "a celebridade mais mal paga do país". Hoje está na história, na do jornalismo e na própria história política dos EUA, o que Isikoff, Pelley, Bloom e o resto não conseguiram. A façanha dele, claro, deve ser entendida no contexto do novo papel da internet. Mas a própria maneira como foi – e ainda é – subestimado sugere que o jornalismo ortodoxo, arrogante demais, pouco faz para entender as transformações que está vivendo.


Veja também

Drudge Report


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Edição nº 38 (5 de fevereiro de 1998)

Os dez dias que aviltaram o jornalismo americano

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Se Clinton é vítima, por que Newsweek fugiu do furo? – Argemiro Ferreira

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