Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A grande dama da imprensa francesa

FRANÇOISE GIROUD

Leneide Duarte-Plon, de Paris

Por que artes do destino France Gourdji, nascida em Genebra de pais turcos e sefaradim, sem estudos nem diplomas, tornou-se a maior jornalista francesa, ministra de Giscard d?Estaing, escritora de sucesso e comendadora da Legião de Honra?

A jornalista Christine Okrent, com a bênção da biografada, tomou para si a tarefa de tentar explicar a trajetória ímpar da moça pobre transformada na grande, respeitada e temida Françoise Giroud. O resultado é o livro Françoise Giroud, uma ambição francesa (Editora Fayard, Paris, 2003; 20 euros), que conta em 364 páginas a vida de uma batalhadora que viveu 86 anos, lutou com garra pela afirmação profissional e conquistou um lugar iNcomparável na vida intelectual parisiense.

A carreira de Françoise Giroud começa cedo, no cinema (chegou a participar de filmes importantes como La grande illusion, de Jean Renoir), como script-girl e depois co-roteirista, ainda com o nome de Gourdji. Depois, torna-se editora da revista Elle, fundada por Pierre e Hélène Lazareff. Em seguida, vem o desafio de Jean-Jacques Servan-Schreiber de fundar com ele a primeira revista de informação francesa, L?Express. Quando morreu, em janeiro de 2003, Françoise Giroud escrevia uma página semanal sobre televisão na revista Le Nouvel Observateur, depois de ter passado por veículos como Paris-Soir, France-Soir e Le Journal du Dimanche.

Ela mesma, de temperamento controlador e dirigista, escolhera Okrent para biografá-la. Abriu seus arquivos e deu longas entrevistas à jornalista, com a única condição de não ler o texto do livro. Em respeito ao seu desejo, ele só foi publicado alguns meses depois de sua morte.

Vida real

"Na metade dos anos 50, com fervor e paixão, L?Express tornou-se o veículo de uma equipe que quer repensar a política. Era a ferramenta de pessoas ansiosas por redefinir a moral pública, o símbolo de uma geração que reconhece nesse mesmo veículo suas aspirações e seus costumes", escreve Christine.

A revista se consolida a cada ano que passa. Fundada em maio de 1953, começa a contar com uma crônica semanal de François Mauriac a partir de abril de 1954. L?Express cresce lentamente até tornar-se uma referência no jornalismo francês.

"É preciso ter estado numa posição subalterna, com todas as pequenas humilhações que isso implica, para saber que o mundo está dividido entre dominantes e dominados e que somente os dominantes respiram", escreveu Giroud em seu livro autobiográfico On ne peut pas être heureux tout le temps (Não se pode ser feliz todo tempo), lançado em 2001. A escritora e jornalista de sucesso fora uma menina pobre e humilhada em criança por famílias burguesas que não deixavam seus filhos se associarem a gente como ela. Giroud sabia do que falava.

Ao conhecer Jean-Jacques Servan-Schreiber, surge imediatamente
uma paixão avassaladora. O fato de o parceiro ser casado
não foi problema para a união profissional e sentimental.
Ele continuou casado e os dois se tornaram os amantes mais exibidos
de Paris. É com JJSS que Françoise vai fazer seu aprendizado
político. A mulher de JJSS na época, Madeleine Chapsal,
filha de uma família da alta burguesia, escreveu, em 1997,
o romance "à clef" La maîtresse de mon
mari
(A amante de meu marido), no qual JJSS, Giroud e outros
personagens importantes da política, do jornalismo, das letras
e da sociedade evoluem com outros nomes, mas vivem e amam como viveram
e amaram na vida real.

Cartas anônimas

Para o livro de Christine Okrent, Madeleine Chapsal contou, com a franqueza que a caracteriza: " Jean-Jacques transava com todas as moças. Transava mas não era um amante. Acho que pode ser comparado a John Kennedy, pois nem se dava conta de quem estava na ponta de seu pênis. Era uma curiosa mistura de bulimia e austeridade. Ele dizia que era preciso transar com todo mundo, como se fosse uma maneira de afirmar seu poder. Françoise tinha todos os motivos de ter ciúme. Mas ela mantinha o poder das palavras, conservando, mesmo em relação a JJSS, a faculdade de julgar, de criticar e de condenar".

Antes de viver uma conturbada história de amor com Jean-Jacques Servan-Schreiber, Françoise fora casada com Anatole Eliacheff, com quem teve uma filha, a psicanalista Caroline Eliacheff. Seu filho, Alain, de outro pai, morreu muito jovem e teve sempre uma relação muito difícil com a mãe. Christine Okrent descreve JJSS, na década de 1950, como…


"…um jovem intelectual que queria parecer mais velho que sua idade, que era aos olhos de seus pais e, sobretudo de sua mãe, a obra-prima da terceira geração dos Schreiber franceses ? descendentes de judeus prussianos vendedores de tecido, que haviam fugido do anti-semitismo alemão no fim do século 19 e feito fortuna na França depois da Primeira Guerra ao criarem o primeiro jornal do comércio com espaço publicitário, Les Échos".


Em 1960, Jean-Jacques, que queria filhos e não pôde tê-los nem com a amante nem com a mulher, resolve se casar com uma moça de boa família por quem se apaixonara. Tanto a noiva quanto o próprio Jean-Jacques começam a receber cartas de conteúdo anti-semita e altamente injuriosas falando da amante ? uma mulher sensual e sedutora. O livro revela que depois de mandar fazer exames grafológicos no exterior, JJSS descobre que as cartas tinham sido escritas por ? Françoise Giroud.

Perfil jornalístico

Durante a campanha presidencial de 1974, Françoise Giroud apoiou François Mitterrand e chegou a protagonizar uma cena que ficou nos anais do jornalismo francês. Interrogado por vários jornalistas na televisão, o então candidato Giscard d?Estaing não soube responder à pergunta de Françoise, que queria saber quanto custava o ticket de metrô. O exemplo perfeito da pergunta inteligente feita na ocasião certa. O incidente, comprometedor para um economista que postulava a presidência da República, não impediu a Giscard nem de vencer Mitterrand nem de convidar Françoise a ser ministra da Condição Feminina e, depois, da Cultura.

Sobre o jornalismo e a arte de escrever, Françoise costumava dizer a seus repórteres do L?Express:


"Escrever não se aprende nem se ensina. Escrever bem é fruto de trabalho, de investimento pessoal. É inútil ter talento na quinta linha se o leitor já abandonou o texto na quarta".


Foi esta grande jornalista quem introduziu na imprensa francesa o perfil (portrait, em francês), um gênero difícil que ela dominou como ninguém. Ela fez o perfil de todas as personalidades que contavam no tout-Paris. Quando lhe anunciaram a morte de Simone de Beauvoir, em 1986, a jornalista, que tinha uma língua ferina e sempre se vestiu nos melhores costureiros franceses, só disse uma frase : "Ela andava muito malvestida".

Feito muitos anos antes, seu perfil de Beauvoir desagradou muitíssimo à filósofa feminista.

A biografia, um perfil mais aprofundado e mais longo, foi um dos gêneros preferidos da escritora Françoise Giroud. Ela escreveu sobre Marie Curie (Une femme honnorable), sobre Alma Mahler (Alma Mahler ou l?art d?être aimée), sobre a mulher de Karl Marx (Jenny Marx ou la femme du diable"), sobre a mulher de Wagner (Cosima la sublime).

O último livro da jornalista, a biografia de Lou Andreas Salomé (Lou) foi lançado em 2002, meses antes de sua morte.