Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A história do “Chacal brasileiro”

LIVRO REPORTAGEM


Texto da última capa de O homem que morreu três vezes, uma reportagem sobre o ?Chacal brasileiro?, de Fernando Molica, 368 pp., Editora Record, Rio de Janeiro, 2003; R$ 38


O homem que morreu três vezes conta a história de um personagem plural, o advogado gaúcho Antonio Expedito Carvalho Perera, o “Chacal brasileiro”. Um homem que escreveu com sua vida o roteiro de um filme do qual ele também seria o diretor e o ator principal. Uma trama que beira a inverosimilhança ? mas é tudo verdade.

Como registrou um desembargador do Rio Grande do Sul, Perera é “uma dessas pessoas cuja vida imita a ficção, ou nas quais a ficção vai buscar os elementos para alimentar-se”. Um anticomunista que se transforma em aliado da esquerda revolucionária brasileira e que, anos depois, passa a integrar o havia de mais violento no terrorismo internacional. “Ele [Perera] é um patriota e um líder revolucionário internacionalista”, afirmou Illich Ramírez Sánchez, “Carlos”, o “Chacal”, preso em Paris.

Este livro apresenta também uma outra história: o relato da aventura de uma reportagem. O homem que morreu três vezes transforma o leitor em parceiro do repórter, em seu companheiro de viagem pelo Brasil e pela Europa; cúmplice de suas angústias e alegrias. O homem que morreu três vezes é quase um romance fundamentado em muitos documentos e em mais de uma centena de entrevistas.

 

Franklin Martins (*)


Texto da “orelha” de O homem que morreu três vezes, uma reportagem sobre o ?Chacal brasileiro?, de Fernando Molica, 368 pp., Editora Record, Rio de Janeiro, 2003; título da redação do OI


O homem que morreu três vezes, de Fernando Molica, pode ser um lido como um livro de aventuras. É a história de um personagem que não cabe em si mesmo e, a cada cem páginas, troca de pele, surpreendendo o leitor. Num primeiro momento, ei-lo no papel de um jovem advogado gaúcho, ambicioso e inescrupuloso, que, gratuitamente, sai delatando desafetos como comunistas. No momento seguinte, já em São Paulo, ocorre exatamente o contrário. É ele quem está pendurado no pau-de-arara, acusado de subversivo. O mais impressionante é que, na tortura, o dedo-duro de ontem não delata ninguém. Sai da prisão quase como um herói. E ganha o mundo: Santiago, Paris, Argel, Beirute etc. A partir daí, uma fantasia só não lhe basta. Precisa de duas. E assim veste-se de boa-vida internacional e perigoso terrorista. Enquanto viaja de primeira classe e come nos melhores restaurantes da Europa, fornece armas para os atentados comandados por Carlos, o Chacal, o homem mais buscado pelos serviços secretos nos anos 70 e 80. De repente, some do mapa. Anos mais tarde, aparece ? ou desaparece? ? sob novo nome numa pequena cidade italiana. Fim da linha? Fim da história? Façam suas apostas.

O homem que morreu três vezes pode ser lido também como um fascinante mergulho numa época dramática. O Brasil gemia sob a ditadura militar, a Revolução parecia estar na ordem do dia e boa parte da juventude resolveu assaltar os céus. O desfecho do confronto é conhecido, e o livro não chega a trazer novidades nessa área. Mas tem um mérito: passa bem o clima daqueles anos ? na fase da guerrilha improvisada, confiança, companheirismo e disposição de luta; na etapa da guerrilha liquidada, ao contrário, desmoralização, infiltrações e traição.

O homem que morreu três vezes pode ser lido ainda como uma boa reportagem, com todos os ingredientes a que tem direito uma boa reportagem: ponto de partida instigante, trama desconcertante, personagem imprevisível, depoimentos impressionantes, lances inacreditáveis. E, atrás de tudo isso, um repórter persistente, que não larga o osso quando fareja uma história única que precisa ser contada por ele e merece ser conhecida por todos.