Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A hora da hiena

VASCO COM SBT

M. C. (*)

A imprensa local tanto fez que conseguiu: Eurico Miranda, argh, chegou à grande mídia americana. A editoria de Internacional da Newsweek desta semana publicou "Brasil: o número um dos cartolas", uma "homenagem" ao dirigente mais detestado do futebol brasileiro. Não que ele tenha despertado, com sua personalidade virulenta, a curiosidade da mídia dos EUA. É que a imprensa americana, como a nossa, vive de carniça. Afinal, estão lá os piores vampiros, ou managers, da história mundial do esporte, seja no beisebol, no futebol americano, no basquete ou no boxe. Onde tem sangue ela aparece. E o gancho, claro, foi o episódio de São Januário. Na reportagem de Mac Margolis, publicada em 15/1, a manchete avança: "Desta vez, Eurico Miranda do Vasco pode ter ido longe demais".

Segundo Margolis, Eurico Miranda não é o tipo de pessoa que passe despercebida na multidão. A revista comenta que por muito tempo ele vem sendo a brutal voz do poder do "venerado" clube, "recrutando e demitindo técnicos, trocando jogadores, menosprezando juízes, agredindo a imprensa e levando o Vasco a três campeonatos nacionais". (Não seria interessante se um repórter brasileiro perguntasse ao Eurico onde ele buscou seu estilo? Adivinhem qual seria a resposta dele…)

Para a revista, em 30 de dezembro o "vulcânico" Eurico conseguiu surpreender a si mesmo no estádio de São Januário, onde o Vasco recebia o São Caetano na final do "torneio nacional" (dia 18, no Maracanã, os cariocas venceram os paulistas por 3 a 1 e se tornaram "tetracampeões" brasileiros). Na partida do dia 30 de dezembro, aos 23 minutos, sem gols, diz Margolis, "o juiz interrompeu o jogo após uma briga na torcida. Espectadores em fuga causaram a queda da grade de proteção do campo, ferindo e hospitalizando cerca de 270 pessoas" (um número de vítimas que, by the way, nenhuma autoridade médica confirmou).

Equipes de resgate correram em socorro das vítimas, diz a revista. "Eurico, no entanto, tinha o troféu em mente. Afrontou os corpos espalhados pela grama pedindo o reinício da partida. ‘Limpem o campo’, gritava aos paramédicos. Quando soube que o jogo fora suspenso por ordem do governador do Rio, Anthony Garotinho, empalideceu. O governador, evangélico, foi, segundo Eurico, incompetente e frouxo, que recita falsas preces a Jesus."

E por aí vai a revista, no estilo-hiena Globo-Veja. Seu correspondente deve gostar só de beisebol. Nem se deu ao trabalho de assistir (oh, supremo sacrifício!) ao jogo pela televisão. Se estivesse vendo, Margolis poderia ter flagrado Eurico Miranda afastando com um de seus safanões típicos os repórteres de campo, que, indiferentes ao drama à sua volta (impressionante como ninguém comenta isso hoje! E ninguém comenta também que o sinal das duas operadoras de celular do Rio desapareceu durante o tumulto! Por quê?), insistiam em perguntar ao Vampiro de São Januário se o jogo seria reiniciado.

O Vampiro gritava e repetia: "A prioridade é atender aos feridos, é atender aos feridos." A frase "Limpem o campo", citada na revista, reproduzida das edições da Globo e dos jornais, só veio mais de uma hora depois da paralisação do jogo, quando a maioria dos feridos estava retirada e o juiz anunciava que retomaria a partida.

Mas o repórter americano copiou o que leu na mídia brasileira. Esta nem se deu ao trabalho de reconstituir a versão dos acontecimentos visivelmente editada pela Globo. O azar deles é que muita gente assistiu ao drama pela TV – especialmente pais desesperados. Com um filho em São Januário, fissurada diante de duas TVs, uma na Globo, outra no Sportv, vi por exemplo quando o Vampiro da Colina recebeu a notícia do cancelamento do jogo. Ele não perdeu a cor do rosto. Ele ficou é vermelho, e xingou o governador. Nossa, gente, pega mal demais ficarmos repetindo essas asneiras quando uma grande maioria viu tudo ao vivo.

"A imprensa brasileira inunda jornais com reportagens sobre Eurico flagrantemente rompendo normas do futebol, difamando deputados e senadores eleitos e tentando intimidar juízes", diz a revista. Verdade verdadeiríssima. O resto, porém, é tudo mentira. Pena que a mídia brasileira nem tenha mais moral para explicar que o Vampiro da Colina é uma praga insuportável, sim. Mas jamais mandou "limpar" o campo antes da hora.

Esse pessoal todo pensa que nós espectadores somos o quê? Cegos?

(*) Participou Beatriz Singer. A autora torce pelo Fluminense. Mas, como não é flamenguista, não é cega.

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