Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imagem sempre culpada

FOTO DE GUERRA

Antônio Brasil (*)

Estranho mundo da comunicação numa era dita "das imagens"! É sempre a mesma coisa. Toda a vez que um jornal ou televisão mostra algo parecido com a "realidade", seja ela sobre a violência de todos os dias ou sobre alguma guerra distante, nossas redações são inundadas pelos protestos dos leitores indignados. Em televisão, esses telespectadores já têm até nome: são os "telebans", verdadeiros patrulheiros do nosso olhar inocente. Eles também podem ser os críticos de TV que assistem a tudo, de preferência o que há de pior, exigem qualidade mas não dizem como, ficam sempre chocados e se apressam em dizer que a televisão ou o jornalismo estão cada vez pior. Desligar a TV, e perder toda aquela baixaria ou fazer algo a respeito? Nem pensar.

Agora mesmo estamos assistindo a um debate acirrado sobre uma foto publicada
semana passada, com destaque, pelo Jornal do Brasil e pela
Folha de S.Paulo. A imagem mostra um palestino esfaqueando
um outro palestino já morto, acusado de colaborar com os
israelenses. A foto é forte. Bom fotojornalismo incomoda.

O crítico de TV Eugenio Bucci escreveu no JB (sábado, 16/3, pág. 8) um artigo em defesa da publicação da foto sob o título de "Uma facada no olhar". O jornalista Nilo Dante contestou com "Cadáveres imperdoáveis", na mesma edição do JB, na mesma página. No domingo (17/3), o ombudsman da Folha deu prosseguimento à polêmica com o sombrio título de "Carnificina". Segundo Paula Cesarino Costa, secretária de Redação da Folha, ouvida pelo ombudsman, parece que não tem jeito mesmo: "A publicação de fotos chocantes é sempre decisão controvertida". Pasmem! E as "palavras" chocantes? "Facadas no olhar", "Cadáveres imperdoáveis" ou "carnificina"? Elas são utilizadas para apresentar a mera discussão sobre a propriedade de se publicar ou não na primeira página o resultado do trabalho de alguns colegas, os profissionais da imagem. Ao contrário das imagens, palavras, pelo jeito, não chocam mais.

Essa discussão é mais antiga do que o próprio jornalismo. Palavras versus Imagens. Como profissional da imagem que se aventura com grande respeito e cuidado pelo sagrado terreno das palavras, gostaria de defender, mais uma vez, não só os colegas fotógrafos e cinegrafistas mas a eterna culpada de todos os nossos males: as imagens. Descrever com palavras "apropriadas" os horrores ou o desespero de se atacar a facadas um compatriota morto não gera controvérsia. Por isso jornalistas morrem. Para mostrar o que não queremos ver e só isso já deveria merecer respeito.

Mas os fotógrafos e cinegrafistas, em sua maioria, são profissionais "silenciosos". Convivem de maneira muito próxima com a notícia pelas lentes de suas câmeras e com a hipocrisia das acusações constantes de sensacionalismo. Eles nem sempre podem ou se dispõem a defender o produto de seu trabalho. Num cenário profissional onde a escala de valores é uma escala de "vaidades" medida pela capacidade de se defender com "palavras", o jornalista da imagem leva grande desvantagem. Em sua defesa, a única imagem que conta é a imagem que tantas vezes representa a sua própria morte na frente de outras câmeras. Devemos preservar o nosso olhar inocente e condenar um jornalismo com imagens? Afinal, o que são mesmo as tais "imagens chocantes"? Criança morrendo de fome incomoda? Tira! Político mentindo ou dinheiro sem explicação na mesa de candidato não choca? Então, deixa!

Mas essa perseguição contra o poder das imagens não acontece só com o jornalismo. Muitas religiões insistem em proibir e em condenar as imagens e aqueles que as produzem ou defendem. É uma nova forma de "iconoclastia moderna". Hoje, ela é debatida ferozmente nos meios de comunicação e, principalmente, no jornalismo. Mostrar ou não mostrar. É sempre mais fácil criticar ou proibir a foto em vez de condenar a violência consentida por todos nós, todos os dias. Quem compra jornal compra um risco. De se informar e de se chocar. Mas ainda espanta a previsível e certa reação das pessoas às fotos. Deveríamos nos perguntar se elas são verdadeiras. Foram manipuladas? Representam o real? Este deveria ser o cerne da questão.

Ao invés de nos chocarmos com a violência das imagens deveríamos pensar no desgaste das palavras que sempre descrevem tudo, mas garantem um distanciamento que beira à omissão.

Pelo menos algumas pessoas ainda reagem. Mesmo que seja contra as imagens, sempre culpadas de tudo. Quem sabe um dia seremos tão indiferentes a elas como somos hoje em relação às palavras. As mesmas palavras que sempre prometeram paz e amor entre os homens.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de TV, professor de Telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.