Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A imprensa e os transgênicos

JORNALISMO CIENTÍFICO

Luiz Egypto


Transgênicos: bases científicas de sua segurança, de Marília Regina Nutti e Franco Lajolo, Editora Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição


Na quarta-feira, 2/4, a capa do Estado de S.Paulo trouxe uma chamada inusitada: "Transgênico não faz mal: tese na USP e Embrapa". Descontando-se o enunciado meio sobre o obscuro, é chamada inusual não pelo assunto a que refere, merecedor de capas devido sua importância, mas pelo teor da matéria que ganhou esse privilégio na edição. Três linhas de título no canto inferior direito, bem abaixo da dobra, e 13 linhas de coluna chamavam para o lançamento de um livro sobre transgênicos. E não é comum que jornais do porte do Estadão dêem chamadas de primeira página a lançamento de livros.

O livro em questão é Transgênicos: bases científicas de sua segurança, de Franco Lajolo, (professor titular do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da USP) e Marília Nutti (chefe-geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos), lançado naquele dia pela Editora Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição . A matéria (Estado de S.Paulo, 2/4/03), de exatos 2.201 toques (algo como 30 linhas das antigas laudas de papel), veio sob o título "Livro defende segurança do produto" e com o olho "Especialistas da USP e da Embrapa explicam que consumo não traz risco para a saúde".

Durante anos a mídia bobeou no debate sobre a cultura e o consumo de alimentos geneticamente modificados. Não se aprofundou no assunto e ajudou pouco no debate. Isto porque ou cobriu o tema na linha do jornalismo mitológico, vocalizando, sem maiores interpretações, os alarmistas, os desinformados e os militantes do pró e do contra; ou dedicou-se a factóides que sempre rendem espaço e tempo nos veículos, como as ações do ativista francês José Bové nos campos gaúchos de soja transgênica, recentemente liberada para a comercialização (este sim, um assuntaço); ou, ainda, e sobretudo, por ter tratado o assunto sem base científica, misturando alhos com bugalhos, com vantagem para os bugalhos. Nos três casos, o consumidor de informação foi prejudicado e ainda está por receber um quadro inteligível sobre uma questão ecologicamente complexa, e por isso mesmo passível de ser bem traduzida por parte da imprensa.

Mesmo com o risco de uma generalização indevida, uma chamada de primeira como neste caso do Estadão faz pensar que a mídia, com medo de ser politicamente "incorreta", durante os últimos anos (pelo menos desde 1998) comeu mosca num assunto crítico, de importância para a produção de alimentos ? o que, vale dizer, para a vida.

No pé desta página, uma relação de links para matérias sobre transgênicos publicadas neste Observatório nos últimos 5 anos. Sobre o livro, veja-se em seguida uma entrevista com Franco Lajolo, um dos autores.

Na quarta-feira (2/4), O Estado de S.Paulo noticiou, com chamada na capa, o lançamento do seu (e de Marília Regini Nutti) Transgênicos: base científica da segurança. Qual sua interpretação para tanto destaque para um simples lançamento de livro?

Franco Lajolo ? Acredito que O Estado de S.Paulo ? que já vinha pautando sistematicamente os transgênicos ? percebeu que se trata de um livro que aborda um assunto de extrema atualidade e de grande importância. O assunto já está na mídia há algum tempo, é multifacetado e dá margem a diferentes posições . O livro não poderia chegar em momento mais oportuno: ele traz informações sobre a ciência envolvida na avaliação de segurança dos alimentos transgênicos, informações sobre metodologias e estratégias para esta avaliação e discute seus resultados. Trata-se de um livro que pode auxiliar a discussão em curso, em todos os níveis em que ela transcorre, porque reúne e discute dados científicos.

A discussão sobre transgênicos está posta há anos. Como a mídia tem se comportado nesse debate? Mais ajuda ou mais atrapalha?

F.L. ? A mídia não é uma coisa homogênea, nem ajudar ou atrapalhar são alternativas tão nítidas e mutuamente excludentes. Acho que a mídia ajuda quando esclarece, quando mostra a pluralidade de abordagens que o assunto comporta, quando foca o assunto transgênicos a partir da fundamentação científica em que também precisa ser discutido. A mídia atrapalha quando faz sensacionalismo, quando reproduz opiniões truncadas, quando trata no mesmo nível o discurso da pesquisa científica, a opinião pessoal e o preconceito.

O modo de produção das matérias que ocupam jornais, revistas e TV é geralmente apressado e parece não dar chance ao jornalista de tratar de forma adequada a complexidade e o fascínio do conhecimento científico. No caso dos transgênicos, a pauta incorpora desde o contexto de segurança de todos os alimentos até ? já no limite da filosofia ? a diferença entre perigo e risco, e a impossibilidade de risco zero em qualquer dos domínios da vida humana . Curiosamente, o mundo moderno parece ter criado, em leitores de jornal e espectadores de TV, a expectativa de certezas absolutas, de um conhecimento total… de forma que se teme o que não se conhece, se recusa o que é complexo, se condena o que é avesso a afirmações categóricas.

Como avalia a qualidade do noticiário em torno da Medida Provisória n? 113, que estabelece normas para a comercialização da produção de soja transgênica da safra de 2003?

F.L. ? O noticiário foi importante. Trouxe para o espaço público as diferentes questões envolvidas na tentativa de solução de um problema emergencial ? a comercialização da safra de soja do Rio Grande do Sul. Mostrou a necessidade de aprofundar as discussões em torno da questão específica da soja, mas também dos transgênicos em geral. Trouxe para primeiro plano as conseqüências econômicas e políticas de análises de risco. Diversas vozes estão mostrando a necessidade de redefinição de vários pontos, sendo fundamental que as emendas ora em tramitação pelo Legislativo sejam também divulgadas e discutidas, de forma que a discussão do plantar ou não plantar transgênicos seja uma oportunidade de familiarizar o maior número de pessoas com os procedimentos básicos do pensamento científico e da pesquisa.

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