Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A informação, a velocidade e o vazio

IMPASSES DA IMPRENSA

Ivo Lucchesi (*)

Em artigo anterior, a reflexão proposta recaiu sobre o embate entre a verdade e a informação [veja remissão abaixo]. Desta feita, o foco crítico desliza para outro ângulo: a tensão entre informação e velocidade, que Paul Virilio costuma identificar como a síndrome da "dromologia".

A dinâmica da modernidade, apoiada em novos mecanismos de transmissão, acelerou o trânsito das informações, desconfigurando o propósito maior do ofício jornalístico. Informar é, inegavelmente, uma prerrogativa inevitável para os caminhos da modernidade. Todavia, tornou-se quase irrelevante a discussão acerca do "informar o quê", e "informar como?" parece ser uma preocupação cada vez menos presente, nesse quadro atribulado e atordoante no qual se situa a velocidade cotidiana. A preocupação com critérios e o cuidado com a qualidade dos conteúdos sugerem aspectos varridos pela tirania de perfil dromológico. Com isso, a informação perdeu o fundamento que lhe dava suporte, tornando-se, quando não dispensável, dispersa ? uma espécie de "diáspora da comunicação". Em outros termos, a informação passou a ser uma "forma" sem conteúdo. Daí para a tematização da banalidade foi um passo tão previsível quanto inevitável.

Informação banal e vida trivial

Num certo sentido, parece cômodo o registro crítico pontuado no parágrafo acima. Culpa-se a mídia oficial e vitimiza-se o corpo societário que lhe serve de refém. Esse enredo os teóricos da comunicação, sob a liderança de Theodor Adorno e Max Horkheimer, exaustivamente, descreveram. A novela, porém, envelheceu. É hora, pois, de renovar o "bode expiatório", tirando dos leitores (ou consumidores) habituais a máscara da inocência. Pelo menos, vamos repartir a responsabilidade.

O novo processo de trituração da vida e de tribalização da cultura, sob a forma da "notícia vazia", só pode prosperar, mediante consentimento de vasto contingente populacional que, igualmente, elegeu para si a vida como palco da banalidade. Para tanto, não é difícil detectar que, nas últimas décadas, vem-se firmando um "modelo cultural" voltado para a infantilização hegemônica, fixando paradigmas estéticos e existenciais destituídos de grandeza. Tal modelo, não menos verdadeiro, tem sido acatado e, em alguns segmentos, aplaudido, sob a forma de altos índices de audiência e/ou de vendas. Nesse modelo, "entretenimento" e "sensacionalismo" ditam o gosto e este é realimentado pela demanda de grande parte da população. Esse, talvez, seja o fenômeno a merecer alguma análise. Que razões (profundas ou não) levam a maioria da população à aceitação de ofertas absolutamente medíocres e ridículas, sem que, com isso, se sintam atingidas?

Frustração e repetição

A sociedade na qual a maioria se inclina pelo consumo de tudo que é apenas trivial padece de algo grave em seu processo constitutivo. Tentar identificar os sinais dessa gravidade se impõe como tarefa inadiável.

O que pode tornar a experiência de viver nada além de uma simples obrigação de estar vivo? Se a pergunta procede quanto a milhares de vidas que se entregam ao arrastão do frenesi cotidiano, que vantagens podem ser oferecidas pela ciência, quando esta acena com o domínio sobre a longevidade? Será que todo o esforço para o prolongamento da vida se destina a propiciar maior tempo para "malhações" em "academias", entre outras frivolidades? Parece haver aí uma assimetria: mais tempo de vida e menos tempo para a vida.

A julgar pelo formato de jornais e revistas, o mundo não passa de um recorte repleto de retalhos desconexos. Ora, se o leitor-padrão não percebe que está enredado num turbilhão de informações com o qual não promove em si o aperfeiçoamento de sua condição existencial, duas opções se oferecem à compreensão do fato: 1) o leitor-padrão não associa a avalanche de informações ao vazio de que ele se sente portador; 2) o leitor-padrão reconhece o fato e ainda assim a ele continua submetendo-se. No primeiro caso, é um ser levado pelo vagalhão e largado à beira-mar, em completo estado de aturdimento. No segundo caso, é um ser cúmplice do processo de amesquinhamento, realimentador do culto à vida vazia. Ele é produto, talvez, de um acordo tácito entre as partes envolvidas, de modo a investir na falsificação do mundo e da existência, em parceria com os "oficiais" transmissores da informação.

As duas opções têm algo em comum: a negação da vida como experiência singular. Por dois modos essa negação é expressa: a frustração que sempre acusa a falta ou a incompletude de algo e a repetição que sempre tem uma origem neurótica. Disto resulta o permanente "mal-estar", cuja remoção é operada, provisória e precariamente, pela entrega de si ao "entretenimento infantilóide", igualmente vazio de sentido, ou ao "sensacionalismo feroz e denuncista" com que o ser perdido saboreia sua dose de vingança. Em ambos, o ser comum (leitor-padrão) encontra alívio (passageiro). Escapa, sobretudo, de um duro enfrentamento com o próprio incômodo, ou seja, ilude, momentaneamente, o "fantasma" com a falsa "fantasia". Assim a "vida" segue… A mídia (impressa ou eletrônica) atua, pois, como estabilizadora de tensões. O formato de que ela é portadora é pensado para tal propósito, razão pela qual muito de seu temário tem a ver com "soluções" para problemas do cotidiano: "receitas práticas" (o adjetivo é indispensável para o êxito da fórmula), "aconselhamentos existenciais", ofertas culinárias e demonstrações aeróbicas preenchem o "cardápio" diário com o qual o receptor abobalhado compõe seu "pacote da vida saudável".

Entre o vazio e o nada

O consumo crescente de "produtos midiáticos", no estilo reality show, não revela outra coisa senão o mecanismo de espelhamento. Não se trata de nenhuma pulsão, mas exatamente do oposto: a anulação da pulsão. O vazio pelo vazio. Apenas isso. A vida ridícula ampliada pelas lentes parece legitimar e justificar a ridícula existência de quem está fora delas. Tais "consumidores" se sentem recompensados ao perceberem que eles são exatamente o que vêem na telinha. A respeito de tal questão, não há reflexões teóricas mais profundas. Não convoquemos Freud, Marx, Adorno, nem Foucault. Eles não deixaram suas obras como legado para servirem a melancólicos quadros de um cotidiano bastardo. Igualmente, deixemos em paz as ficções de Huxley e de Orwell que alguns, a todo custo, querem mencionar a pretexto das idiotices televisivas de Big Brother, Casa dos Artistas, No Limite (e derivados que estão a caminho).

Entramos na espiral da sandice ilimitada. O bolo continuará crescendo até o nível máximo de saturação. A vida construída sem projeto solicita esse tipo de "remédio". A audiência atesta duas apavorantes sentenças: "A vida é pig, brother!" e "Feiticeira e Tiazinha, e iguais outros, são artistas!". São os modelitos invejados e copiados pelo tosco imaginário de uma classe média que perdeu o mínimo de classe e resolveu cair na gandaia mais rastaqüera possível, em aliança com uma "elite econômica" que, a despeito de cérebro vazio, conseguiu encher o bolso. É isso. Na infância, há o culto ao padrão "xuxa"; na adolescência, a vibração com o modelo "sandy-júnior" e, na fase adulta, a programação ajustada ao perfil com o qual se deu a "educação de base". Aqueles (jovens ou adultos) que ousam, porventura, ficar à margem de tais idolatrias são imediatamente rotulados de "doentes", pois não gostam da alegria. É simples compreender o fenômeno. Basta que as coisas sejam ditas com todas as letras, ciente das represálias decorrentes da atitude crítica "antipática". Todavia, ou a crítica ao que está posto se faz nesses termos ou ela se torna mero exercício de alívio da consciência sem o ônus das discórdias.

Reina o império da infantilização cultural, com a maquiagem de um hedonismo suicida, com tempero de exibicionismo crônico e voyeurismo masoquista. Todo o investimento de vida parece canalizado para a agonia em ver e ser visto.

Num próximo artigo, desdobramento do esboço aqui proposto, procuraremos enfocar como funciona, na relação "mídia / público", a sedução sem encantamento.

(*) Professor de Teoria da Comunicação, ensaísta, mestre em Literatura Comparada e doutorando em Teoria Literária pela UFRJ. Participante do programa Letras & Mídias, exibido mensalmente pela UTV.

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